Publicado no site da Unicamp em 6-4-2016
Fagnani: ‘ será que a democracia e a cidadania social não são corpos estranhos ao capitalismo brasileiro? ‘
Esta questão, que ganha relevância ainda maior no cenário político do momento, pautou as palestras e debates de mais uma edição da série Perspectivas Unicamp 50 anos – iniciativa que integra o calendário de comemorações pelo cinquentenário da Universidade, a ser completado em 5 de outubro. O tema do evento, “Balanço das Políticas Sociais no Brasil: é possível dar continuidade a esse processo?”, merecerá um total de seis mesas-redondas até agosto, sendo que as duas primeiras foram realizadas no dia 6, no Centro de Convenções: “Balanço Macroeconômico e Social: demografia e seguridade social” e “Crises da Urbanização: disseminação espacial e setorial do caos urbano”.
O professor Paulo Eduardo de Andrade Baltar, do Instituto de Economia (IE), que coordena os debates sobre políticas sociais, anuncia que ainda estão programadas duas mesas sobre educação (básica e superior), outra sobre distribuição e transferência de renda e a última sobre saúde e saneamento. “A primeira palestra desta série, hoje, será sobre demografia, um tema básico, pois quando se trata de perspectivas das políticas sociais, precisamos levar em conta as transformações que estão ocorrendo na composição da população brasileira, principalmente na sua distribuição por idade. A cada ano vemos a diminuição no número de jovens, o aumento da população adulta e o aumento acentuado dos idosos. As demandas de serviços e de proteção são completamente diferentes, o que traz implicações para as políticas sociais em todos os níveis: educação, saúde, seguridade, problemas urbanos, etc.”
Rosana Baeninger, docente do Departamento de Demografia e pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp, discorreu sobre a dinâmica da população brasileira e os cenários previstos até o ano de 2050. “A transformação mais contundente na dinâmica populacional é a diminuição do número de filhos por mulher, cuja média era de seis filhos em 1940 e hoje é de 1,7. Considerando uma estimativa de fecundidade de 1,5, a cada geração teremos 14% menos habitantes. As projeções indicam que a partir de 2035 já veremos uma diminuição em números absolutos, chegando em 2050 com algo em torno de 205 milhões de pessoas. O que diferencia o Brasil dos países centrais, é que lá este processo levou cem anos – e aqui, trinta.”
A questão, segundo a demógrafa do Nepo, é que a intensidade desta queda de fecundidade não tem sido acompanhada por políticas sociais para assistir os diferentes grupos etários. “Teremos menos crianças. Ainda estamos na fase de bônus demográficos, com uma população em idade ativa muito grande, mas caminhamos para o envelhecimento e não temos escolarização nem empregos para os jovens; precisamos evitar que, quando eles chegarem acima dos 60 anos, não tenhamos uma população empobrecida. Este é o grande desafio: entender que as transições demográficas vão refletir em grupos etários diferentes, exigindo políticas sociais diferenciadas para o Brasil de 2050.”
O professor Eduardo Fagnani, do IE/Unicamp, que também participou da mesa da manhã, adiantou que procuraria abordar diretamente a questão central do seminário: se será possível a continuidade deste processo de políticas sociais. “A pergunta que faço é: será que a democracia e a cidadania social não são corpos estranhos ao capitalismo brasileiro? É um pouco do que estamos assistindo, com a possibilidade de fratura da democracia, na verdade, com um cavalo de troia que visa promover um retrocesso brutal em termos de direitos sociais. Junto com a ruptura teremos um plano de ajuste econômico ainda mais ortodoxo e a evidência disso é o chamado Plano Temer, ‘Uma ponte para o futuro’: na realidade, uma ponte para os Estados Unidos do ponto de vista econômico (em termos de comércio exterior, privatizações); e uma ponte para o século 19 do ponto de vista social.”
Lembrando que tramitam no Congresso 55 projetos de lei atentando contra os direitos sociais, Fagnani sustenta que, em um cenário de impeachment ou não, cabe às forças progressistas começar a pensar um projeto de país, desde já. “Um resultado positivo dos últimos acontecimentos é que as pessoas foram para as ruas não para defender partido A ou partido B, mas para defender a legalidade, a democracia e os direitos sociais. Os setores progressistas têm que desenhar um projeto nacional para enfrentar desigualdades históricas como de renda e trabalho, tributária e de oferta de bens e serviços públicos. A questão central é da reforma política. A raiz da corrupção é o esgotamento de uma velha política que vem desde a ditadura – não fizemos esta ruptura quando da transição democrática e o que vemos são as mesmas práticas e os mesmos personagens. Por outro lado, não podemos ter um presidencialismo de coalização com trinta partidos fisiológicos. O ideal é uma Constituinte com pessoas eleitas exclusivamente para promover a reforma política.”
A professora Denise Lobato Gentil, do Instituto de Economia da UFRJ, completou a primeira mesa-redonda falando sobre macroeconomia das políticas sociais. “Acho que houve uma ruptura no processo de políticas sociais em 2011, não apenas em função da conjuntura internacional desfavorável, mas também por uma mudança na política fiscal da economia brasileira. Isso implicou progressivo processo de privatização, tanto da infraestrutura (portos, aeroportos), como também dos próprios serviços públicos. O Estado recuou, como se desse muito mais protagonismo ao mercado, de forma radicalmente diferente de antes de 2011. O Estado optou por fazer um ajuste fiscal que estão chamando de ‘austericídio’ – e creio que acertadamente. Sem gasto público, há queda de receita, o que acaba piorando o resultado fiscal brasileiro. Estamos numa situação complicada da nossa economia e de impopularidade do governo, que perdeu parte da base de apoio nos sindicatos e nas famílias de baixa e média renda atingidos pela reformulação da intervenção do Estado.”
A segunda mesa do evento, sob o tema “Crises da Urbanização: disseminação espacial e setorial do caos urbano”, teve a coordenação da professora Arlete Moysés Rodrigues, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH-Unicamp). Como debatedores, os professores Carlos Vainer, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Carlos Antônio Brandão, também do IPPUR; Ermínia Terezinha Menon Maricato, docente visitante do IE/Unicamp; e Nazareno Stanislau Affonso, coordenador do Escritório da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) em Brasília.
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