Nas últimas semanas, tem avançado o recurso à violência política como arma contra os direitos civis e políticos. Após a execução a tiros da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, avaliada pelo ministro da Justiça como crime político que desafiou a intervenção militar na Segurança Pública do RJ, a situação se agravou com os tiros contra a caravana de Lula no Sul do país. A política brasileira vai virar faroeste e a moribunda democracia irá a óbito? Haverá eleições nesse clima de violência, se as de 2014 já foram polarizadas, mas sem tiros?
Após as decisões do STF reconhecendo o pedido de habeas corpus de Lula e concedendo-lhe salvo-conduto contra um eventual mandado de prisão até que o mérito seja julgado, em 4 de abril, aumentou o ódio militante de algumas forças da direita que, inconformadas, mostram-se ainda mais descomprometidas com a ordem legal. Organizadas em milícias protofascistas, praticaram atos de violência contra a caravana, culminando com tiros de arma de fogo.
Lula é pré-candidato por direito legal e sua candidatura só não será formalizada se não for aceita pelo TSE ou se sua impugnação transitar em julgado. Goste-se um não das caravanas de Lula, elas se resguardam no mesmo direito democrático das ações legais de qualquer outro pré-candidato. Alckmin, Bolsonaro e Dória, pré-candidatos da direita, não hesitaram em dizer que Lula estaria recebendo aquilo que plantou. Muito preocupante esse posicionamento das próprias elites políticas. O que esperar das bases, senão algo pior? Alckmin, em seguida, recuou e condenou os tiros. Outros políticos da direita também incentivaram a violência, como a senadora Ana Amélia que, antes dos tiros, defendeu os ataques contra a caravana de Lula no RS.
A violência política tem guarida em atores institucionais, sendo a candidatura de Bolsonaro uma das principais, mas não a única. Para minimizar as agressões contra a caravana de Lula, o deputado federal trata bala como ovos. Incentiva sua base à truculência física. “Vão levar um cruzado da direita em outubro”. “Nós faremos voltar a valer a força”. A mensagem do candidato xerife aos seus apoiadores é clara: bandidos e esquerda são uma coisa só, bala neles. A condenação de Lula o ajuda nessa empreitada de alimentar a polarização política pela via da violência.
A violência é um dos resultados da polarização política movida pelo ódio, acionada por alguns atores da direita e das classes favorecidas nessa longa conjuntura de crise no Brasil. Veio, sobretudo, de cima para baixo na pirâmide social. Polarização política não significa violência política. A polarização ocorre em contexto de crise, de acirramento das contradições entre os atores sobre o papel do Estado, a economia, as preferências partidárias e ideológicas. Em vários cantos do mundo a polarização tem ocorrido, mas a relação das elites com a violência varia.
No Brasil, as sucessivas vitórias do PT nas eleições presidenciais, o envolvimento de seus líderes na Lava Jato e a recessão aberta em 2015 forneceram à direita institucional e social o mote do antipetismo como programa da polarização política. O combate jurídico-midiático à corrupção emergiu associado a uma justiça justiceira, salvacionista e populista, que comprometeu o funcionamento técnico das instituições do Direito e contaminou a cultura política com o veneno da intolerância.
O regime democrático depende de uma sociedade e de uma cultura política democráticas. A democracia requer também lideranças democráticas. O presidente Temer acaba de dizer que o povo brasileiro teria se regozijado com o golpe de 1964. Se os que deveriam ser exemplares na defesa dos valores democráticos e das respectivas instituições flertam com o autoritarismo e com a violência política, quem defenderá a democracia?
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