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Velha Matriz Neoliberal versus Nova Matriz Macroeconômica

Não há motivo para se tripudiar, exultando-se por uma suposta vitória com base em um golpe na democracia, humilhando ou zombando do rival ou concorrente: “a heterodoxia brasileira argumenta que o ajuste fiscal de 2011 tirou a economia dos eixos e que os estímulos fiscais de 2012-2014 foram ineficazes. Ou seja, colocaram os heterodoxos errados na Fazenda. Teremos de esperar um novo governo de esquerda para tentarmos a heterodoxia correta” (Samuel Pessoa, FSP, 05/06/16).

É atribuído a Paul Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda de Adolf Hitler na Alemanha Nazista, a orientação utilizada à exaustão no debate sobre política econômica no Brasil: “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”.

Uma mentira contumaz é “de 1994 até 2008, a política econômica seguiu receituário neoliberal”. Evidentemente, é contra factual dizer que, nesse período, houve sempre o mesmo uso dos instrumentos de política econômica. Não só porque a carga tributária e o gasto social se elevaram, mas também porque houve mudança do regime de banda cambial para câmbio flexível, em 1999, e política de crédito após 2003. Se isso não basta para caracterizar outro regime, acrescenta-se o argumento que um ajuste fiscal mais forte foi implementado a partir do primeiro mandato do Governo Lula.

Porém, a inteligência binária, tipo “2 neurônio (sic)”, dos debatedores midiáticos reduz tudo ao maniqueísmo entre “ortodoxia” e “heterodoxia”. Ora, se é para ser maniqueísta, isto é, adotar qualquer visão do mundo que o divide em poderes opostos e incompatíveis, o modelo Mundell-Fleming com o qual quase todos os economistas se orientam é ortodoxo (“neoclássico”) ou heterodoxo (“keynesiano”)?

De acordo com a síntese desse modelo, via análise combinatória entre quatro instrumentos – política monetária, política fiscal, política cambial e política de controle de capital –, obtém-se dezesseis arranjos possíveis para obter crescimento da renda e do emprego em conjunto com o equilíbrio do balanço de pagamentos. Qualquer economista bem formado sabe que esse modelo combina, racionalmente, pensamento de extração keynesiana com modelo de equilíbrio geral de origem walrasiana. Este exemplo ilustra como é empobrecedor esse debate surdo entre seitas econômicas.

Se é para fazer reducionismo, existe má ou boa política econômica apenas de acordo com a consistência do uso de diversos instrumentos de maneira adequada a determinada conjuntura econômica. Então, é demonstração de pobreza de espírito defender o “tripé macroeconômico” – superávit primário, câmbio flexível e meta inflacionária – como um dogma válido em todos os tempos e lugares.

O partidário apaixonado, extremado de uma doutrina ou posição religiosa, política ou filosófica que segue um ou outro pensador em seu modo de pensar e de agir, e lhe obedece cegamente, é antes de mais nada um intransigente e intolerante com (boas) ideias alheias. Arrogantemente, imagina-se com o monopólio da inteligência racional.

Economistas bem formados são plurais. Conhecem os raciocínios das diversas correntes de pensamento econômico, superando a dicotomia entre ortodoxia e heterodoxia. E assim sabem escolher os instrumentos certos, ou seja, tomar decisões práticas em determinadas conjunturas. É “vício ricardiano” deduzi-las diretamente da abstração.

Para ter um debate profícuo, é necessário afastar a mentira repetida a La Goebbels. O confronto entre as apelidadas, jocosamente, Nova Matriz Macroeconômica e Velha Matriz Neoliberal é válido apenas para a caricatura política. Empobrece as ideias.

Para não ser “engenheiro-de-obra-feita” (com a fácil sabedoria ex-post) e se entender a mudança no regime fiscal-monetário, no primeiro mandato do Governo Dilma, é necessário se recolocar no contexto de 2011. A estimativa oficial era a de que a relação entre dívida líquida e PIB, que estava em 36,4%, tenderia para 31,3% em 2014. Concluiu-se que poderia mudar o regime fiscal-monetário, fazendo inclusive desonerações fiscais. Somando a diminuição das tarifas de energia elétrica, abriria espaço relativo nos custos das empresas industriais que perdiam competitividade internacional, devido à moeda nacional apreciada – em 31/07/2011, a cotação era de apenas R$ 1,55/US$.

Observou-se o fluxo comercial e de capital com o resto do mundo e a dedução foi que a situação brasileira estava bem adequada para alterar a relação câmbio/juros. Só não se observou a tendência de queda da relação lucro/salário… E surpreendeu-se, depois do primeiro semestre, com o “regime macroprudencial”, com a explosão da bolha de commodities em setembro de 2011. Finalmente, a crise mundial tinha chegado.

Deu-se início à denominada “Cruzada da Dilma” contra os maiores juros reais do mundo. Isso era correto. O incorreto foi quando se impôs uma perda de capital aos investidores, inclusive empresas não-financeiras, ao forçar a troca de títulos pós-fixados por prefixados, e depois, em abril de 2013, voltando a elevar os juros. Eles reagiram cortando gastos, seja de consumo, seja de investimentos, para sua recomposição patrimonial. Com a consequente desaceleração econômica, mas ainda se mantendo baixa a taxa de desemprego até o final de 2014, naturalmente, caiu a produtividade.

Os neoliberais ainda não provaram a diferença da defasagem da NMM (Nova Matriz Macroeconômica) com seus efeitos imediatos positivos e da VMN (Velha Matriz Neoliberal) com seus resultados imediatamente negativos.

Afinal, houve dez anos (2005-2014) com taxa de inflação abaixo do teto da meta inflacionária (6,5%) contra 10,7% de inflação em 2015 (VMN), devido ao choque liberalizante de tarifas públicas e elevação dos preços de combustíveis quando a cotação do petróleo estava em queda.

Houve também queda contínua do desemprego de 12,3% da PEA em 2003 para 4,8% da PEA em 2014 contra taxa de desemprego de 10,2% em 2015 (VMN). Registrou-se a criação líquida de 14.453.000 vagas formais no mercado de trabalho entre 2003 e 2014 (1.204.416 vagas em média anual) contra perda de 1.625.000 vagas em 2015 (VMN). Finalmente, face à queda da taxa de juros real de 12,8% aa em 2003 para 2,2% aa em 2013 (NMM) contrapõe-se a elevação do juro real até 6,3% aa em 2016 (VMN). Pior, a VMN continua com o austericídio (austeridade + suicídio) após o golpe…

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