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  • Foto do escritorLucca de Rossi

Uma resposta para o inferno: por um ambientalismo popular

Atualizado: 9 de ago.


Em 2021, a Floresta Amazônica se tornou fonte líquida de emissão de carbono, ou seja, não conseguiu mais captar e absorver os gases emitidos pelo desmatamento. No mesmo ano, 42 novos bilionários brasileiros entraram na lista da Forbes. Não é só uma crise ambiental, é guerra de classes

“Estamos no caminho para o inferno climático – e com o pé no acelerador” foram as palavras do secretário geral da ONU ao abrir a COP-27. A situação climática e ambiental é crítica, não é mais um problema das futuras gerações. As consequências dessa crise já estão sendo sentidas por nós, aqui e agora, seja nas chuvas sem precedentes, nas regiões que já eram quentes que estão ficando ainda mais quentes, nas ondas de calor que deixam milhares de mortos ou tiram as pessoas de seus lares.


O desmatamento e as mudanças climáticas, dizem os especialistas, são responsáveis por nos deixar mais vulneráveis a epidemias e pandemias, tais como a de Covid-19.

Mas quem é o culpado por essa catástrofe que estamos vivendo? Na TV e nos jornais, a resposta parece ser muito simples: nós mesmos.


Os seres humanos estão consumindo muito e por isso estão destruindo o planeta. O foco das manchetes é consumo: de “saiba como sua geladeira contribui para o aquecimento global” até “sabia que lavar roupa contribui para a poluição de plástico nos oceanos”. A culpa é sempre sua. Todas as pessoas indiscriminadamente são responsáveis pela crise ambiental. Conceitos como pegada de carbono ou pegada ecológica são métricas individuais do quanto estamos poluindo.


Querem enfiar goela abaixo que a culpa é nossa, de todos nós. Todos nós temos uma pegada de carbono que devemos diminuir. Assim, a solução passa a ser individual, por mudanças de nossos comportamentos e hábitos de consumo. Isto é, devemos consumir cada vez menos. Todos devemos apertar os cintos e sobreviver dessa forma, eles dizem. Para que as gerações futuras consigam viver no planeta, devemos nos contentar com o mínimo e, às vezes, até menos.


Tendo isso como pano de fundo, cada vez mais são apresentadas medidas que transferem aos consumidores a gestão ambiental. Selos sustentáveis são colocados nos produtos, vendendo a possibilidade de o consumidor diminuir seus impactos ambientais. Caso não queiram comprar esse produto (quase sempre mais caro) – ou, o mais comum nas famílias trabalhadoras, não possam comprar –, estarão contribuindo para o desastre ecológico.

No entanto, o foco estrito e restrito ao consumo como raiz da catástrofe ambiental é, evidentemente, incompleta e falha, produzindo ilusões ao invés de soluções: ilude aqueles que podem pagar para ter sua consciência limpa e aprisiona os demais em um lugar cruel de culpa.


Sabemos que os países “desenvolvidos” emitiram e emitem muito mais gases do efeito estufa do que os da periferia. Mais ainda, em todo o mundo as burguesias lucram ao jogar esses gases na atmosfera, o que nos leva para um segundo aspecto: a maioria da população – que é a classe trabalhadora – não tem controle sobre o que é produzido e de como são produzidas as coisas que consomem.


A classe trabalhadora não tem controle dos meios de produção – afinal, quem manda nas indústrias são sempre os donos e seus interesses em lucrar sempre mais – e, assim, fica refém daquelas mercadorias que conseguem consumir de acordo com sua restrição financeira.


No Brasil, em específico, parece particularmente sádico colocar a culpa em uma classe que, desde o golpe de 2016, se vê cada vez mais desalentada pelo Estado e que vê seus direitos e conquistas paulatinamente destruídos. Como colocar no consumo dessa classe a causa do desastre ambiental se, a partir do golpe de 2016, não houve crescimento real do salário mínimo – vale lembrar que quase 40% dos trabalhadores e trabalhadoras vivem com até um salário mínimo –, tendo até em alguns anos o salário mínimo perdido poder de compra, segundo o próprio DIEESE?



Enquanto isso, do outro lado do ringue da luta de classes, as taxas de lucro das maiores empresas do Brasil cresceram significativamente, a despeito do pífio crescimento do PIB no período. Oras, se o PIB quase não aumentou, mas aumentaram os lucros, há somente uma forma para essa conta bater: superexploração e aumento do que chamamos de extração de mais-valia absoluta, a partir do corte de direitos trabalhistas e da situação de informalidade do mercado de trabalho brasileiro explicam esse crescimento. De forma mais simples, o trabalhador passou a receber menos e o patrão cada vez mais.


No que diz respeito ao desmatamento – principal problema ambiental brasileiro –, a situação só piorava a cada ano, expandindo-se em dimensão e em intensidade. O desmatamento acumulado anual superou 10.000 km² no ano de 2021 (mais de 68 mil Maracanãs em um ano). É preciso destacar que, nesse mesmo ano, pandêmico, aliás, a Floresta Amazônica se tornou fonte líquida de emissão de carbono. Ou seja, ela não consegue mais captar e absorver os gases emitidos pelo desmatamento.


No mesmo ano, 42 novos bilionários brasileiros entraram na lista da Forbes. Enquanto aceleramos em direção ao inferno climático, eles lucram e esbanjam sem pudores esse fato. Essa situação põe nossas vidas em jogo, não é só uma crise ambiental, é guerra de classes.


Por isso é urgente desnudar o papel do capital no desastre ambiental que vivemos e viveremos daqui para frente. É preciso trazer à tona o “lado oculto da produção” em detrimento da perspectiva superficial do consumo como causa da crise ambiental. A gestão capitalista dos recursos naturais é inerentemente contraditória com a conservação e a preservação do planeta Terra, afinal, ela é uma “máquina de devorar mundos”, como disse Ailton Krenak.


A resposta para essa contradição é somente uma: socialismo ou barbárie. Não estamos mais a “cinco minutos antes da meia-noite, já estamos cinco minutos depois da meia-noite”, como disse Slavoj Žižek. Nós já estamos vivendo a catástrofe ambiental na nossa pele e precisamos urgentemente de pensar uma forma popular de ambientalismo.


Um ambientalismo que não antagonize políticas de renda e emprego de políticas ambientais. Que não coloque defensores do meio ambiente contra a classe trabalhadora, mas que coloque a classe trabalhadora como a principal defensora do meio ambiente, como a protagonista dessa luta. Um ambientalismo radicalmente popular que defenda uma série de medidas que, em curto prazo, consigam mitigar os efeitos da crise ambiental e que, em longo prazo, construa um horizonte que garanta força social para que a classe trabalhadora consiga reverter esse quadro catastrófico.


Um ambientalismo popular que defenda um Projeto Ecológico da Classe Trabalhadora Brasileira, pois, nos versos de Mulamba, “com ou sem plateia o rumo tem que mudar”.


Lucca de Rossi é graduando em Economia pela FEA-USP. Seus interesses de pesquisa são Capitalismo, Imperialismo, Dependência, Crise Ambiental e Trabalho.

Crédito da foto da página inicial: Takumã Kuikuro (fogo na aldeia Kuikuro, iniciado pelas queimadas realizadas dentro de fazendas que ficam no entorno da terra em Mato Grosso)

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