Um dos pontos mais discutidos durante a campanha eleitoral foi a proposição de que a inflação voltou e/ou está descontrolada. Paradoxalmente, essa discussão ocorre analisando-se um período no qual o salário real cresceu no Brasil.
Desde 2010, último ano do governo Lula, a taxa de inflação brasileira tem oscilado entre 4,5% e 7% ao ano no acumulado 12 meses, ou seja, dentro de uma margem de 2,5 pontos percentuais, o que não sugere perda de controle. Ela está, de fato, mais elevada do que nos anos anteriores.
Dois fatores são os principais responsáveis por estas taxas mais elevadas: a evolução do preço, dentro do Brasil, das commodities, o que depende do preço internacional das mesmas e da taxa nominal de câmbio; e o crescimento do custo unitário do trabalho, que eleva, especialmente, a inflação de serviços.
Em relação ao primeiro fator, é inimaginável um mecanismo de política econômica a ser adotado no Brasil que afete substancialmente a cotação das commodities no mercado internacional a ponto de, isoladamente, reduzir a inflação brasileira.
Uma alternativa factível seria valorizar o câmbio nominal para reduzir o impacto do crescimento dos preços internacionais no mercado doméstico.
Essa estratégia foi bastante usada no governo Lula, porém revertida no governo Dilma com o objetivo de aumentar a competitividade da economia brasileira, em especial da indústria.
Temos, então, que o primeiro fator a explicar as taxas mais elevadas está associado à evolução dos preços internacionais e ao objetivo de elevar a competitividade por meio da taxa de câmbio.
O segundo fator está associado à mudança na distribuição dentro do mercado de trabalho. Desde 2006, o custo unitário do trabalho (salário nominal/produtividade) cresce no Brasil, principalmente no setor de serviços e, dentro do setor de serviços, cresce mais nos segmentos de menor qualificação, que são os de menor remuneração.
O setor de serviços é intensivo em trabalho e o crescimento da produtividade é baixo, o que faz com que o crescimento do salário nominal eleve o custo unitário do trabalho.
A inflação salarial está comandando um processo de mudança de preços relativos que acontece simultaneamente ao crescimento do salário real, como podemos observar na tabela acima.
A elevação do salário nominal tem como efeito, em princípio, a elevação do poder de compra dos assalariados. Entretanto, em uma economia, um agente produz o que o outro consome.
Uma grande elevação da renda dos assalariados do setor de serviços encarece a cesta de consumo dos agentes que consomem esses serviços, o que pode levar a uma redução do poder de compra de parte dos agentes.
A grande questão, então, é saber quais segmentos estão se beneficiando da mudança de preços relativos e quais faixas de renda apresentam crescimento do poder de compra.
Nos últimos anos no Brasil, a despeito da proposição genérica e equivocada de que a inflação sempre prejudica mais quem ganha menos, a inflação mais elevada ocorre concomitantemente a uma melhora na distribuição e crescimento do salário real.
Até 2005, por exemplo, diversas vezes ocorreram elevações do preço das commodities e a inflação ficava mais baixa que a atual, pois o crescimento do salário nominal, e do custo unitário do trabalho, era baixo, resultando em queda do salário real.
Esse não é o caso, porém, da trajetória recente. É justamente a inflação salarial que não apenas tem evitado a queda como promovido o crescimento do salário real dos segmentos de menor remuneração do mercado de trabalho e comandado a mudança na distribuição.
Cabe lembrar que a distribuição só muda se a remuneração de quem ganha menos crescer mais rápido do que a de quem ganha mais.
Em uma sociedade menos desigual, uma série de serviços ainda muito presentes na cesta de consumo da classe média brasileira necessariamente custam mais caro.
A tendência de longo prazo verificada nos países desenvolvidos é que estes serviços, especialmente os serviços domésticos, acabem tendo sua importância gradativamente reduzida na cesta de consumo das famílias.
Em boa medida, pode-se creditar a reação a elevação moderada das taxas de inflação a este fenômeno da redistribuição e a mudança de preços relativos.
Certamente, o encarecimento de serviços pessoais, que inexoravelmente levará à modificação dos padrões de consumo das classes de mais alto rendimento, explica ao menos parte do desconforto quanto ao comportamento da inflação.
Conviver com uma taxa de inflação um pouco mais elevada, ao redor de 6% ao ano, desde que estável, é um preço muito razoável a se pagar para caminharmos em direção a uma sociedade menos desigual, na qual necessariamente uma série de serviços prestados às famílias são mais caros.
REFERÊNCIAS:
MARTINEZ. T.S. Compatibilização de mudanças em classificações desagregadas do IPCA (1999-2014). Texto para Discussão do IPEA. No prelo. Brasília: IPEA, 2014.
SUMMA, R. (2014) Uma nota sobre a relação entre salário mínimo e inflação no Brasil a partir de um modelo de inflação de custo e conflito distributivo. Texto para Discussão n° 12, IE UFRJ, 2014. (Disponível AQUI ).
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