Jamais houve elite neste país. O que temos aqui não passa de uma classe dominante que, por preguiça intelectual, volta e meia é chamada “elite” – conceito que, em qualquer país, diz respeito a um extrato social que avoca para si a responsabilidade de traçar o destino da sua nação e fazê-lo cumprir. Nunca houve nada assim no Brasil, lugar em que os horizontes da classe dominante não passam da acumulação predatória e do consumo ostentatório.
As instituições brasileiras, historicamente construídas para atender aos interesses da classe dominante, encontram-se hoje irremediavelmente corrompidas em seu sentido.
Para que servem as instituições? Ao menos a título formal, elas existem para servir à sociedade e para edificar o futuro da nação. Como foi dito, no Brasil isso jamais aconteceu (para tanto precisaria haver elite), mas pelo menos ainda se guardavam as aparências. Agora, esfrega-se na cara da sociedade que as instituições existem tão somente para servir a si próprias, e ponto.
Nossas instituições funcionam normalmente. Elas cumprem seus ritos e protocolos, executam seus orçamentos, nelas se tomam decisões e se definem políticas públicas. Mas, perante a sociedade, instituições vivem de veracidade, ou ao menos de verossimilhança. Instituições até podem servir a si próprias enquanto fingem que servem ao bem comum, mas elas não podem simplesmente se cansar de fingir, colocando diante dos olhos da sociedade uma realidade que ela preferiria não ver. Desencanto é sem volta.
As instituições brasileiras têm funcionalidade, o que elas não têm é sentido.
Graças à insegurança, cegueira, afobamento, inconsequência e ganância sem freios da classe dominante brasileira (mais uma vez passando recibo de não ser merecedora do reconhecimento como elite), o conjunto da sociedade vai se dando conta de que as instituições são imprestáveis, e terão que ser transmutadas.
Para isso, falta ainda algo fundamental: a unificação da sociedade em torno de um projeto para essa transmutação.
Ora, o atributo número um para tal projeto será sua qualidade de, justamente, unificar a sociedade. Terá de ser este o ponto de partida para a concepção do projeto.
Ocorre que nenhum conteúdo político pode ser unificador. Qualquer unificação somente poderá se dar na forma política.
Por exemplo, os valores da classe média brasileira estão em geral longe de ser valores de esquerda. Com o que sonha um típico brasileiro da classe C? Com um emprego assalariado digno, respaldado por um sindicato forte (visão da esquerda)? Ou com um mínimo negócio próprio, ainda que na economia informal, que possa no futuro ser passado a um filho (visão pequeno-burguesa)?Por que deveria uma visão ser mais legítima que a outra?
Imperioso e urgente é conceber uma forma de participação política capaz de acolher distintos (e mesmo antagônicos) conteúdos políticos, em prol de um propósito maior que seja unificador de tais conteúdos: levar a sociedade a assumir nossas instituições, para transmutá-las em instituições verdadeiramente cidadãs.
Três formas políticas de unificação, para tal projeto de refazimento das instituições pela sociedade, encontram-se propostas no livro Uma Nova Utopia para o Brasil: Três guias para sairmos do caos (que pode ser livremente baixado no site www.brasilutopia.com.br):
– Uma Constituinte dos Cidadãos (não dos políticos!), inspirada na constituinte havida em 2010-11 na Islândia, para o dia em que sejam retomadas as jornadas de junho de 2013, de modo a que seja a bandeira unificadora que nos faltou naquela ocasião;
– Os assim chamados Grupos de Diálogo: uma metodologia a ser praticada localmente por todo o país, para, em um esforço de investigação e elucidação das raízes (que são de fundo cultural) para os conflitos sociais, encarar a miséria da mentalidade brasileira; e
– A implantação da Democracia Direta na forma de um espaço aberto a todos que queiram praticá-la, por meio de um partido político “cavalo de Troia” que venha a romper com o monopólio do sistema político-partidário.
Muita energia vem sendo gasta na busca de alguma solução mais imediata, como eleições diretas. Ora, de que poderão servir eleições diretas, se a classe dominante fará moldar a legislação eleitoral de modo a que vença o seu candidato (sem contar artimanhas como parlamentarismo)? Mesmo em um cenário altamente otimista, em que venha a ganhar algum candidato pró-restauração da democracia, como conseguiria ele ou ela governar, se o chamado presidencialismo de coalização foi liquidado, e se instituições como o judiciário, o ministério público e a polícia estão fora de qualquer controle exterior a elas próprias, e obcecadas em impor ao país as suas agendas?
Não é mais possível uma saída institucional, uma vez que as instituições já se encontram pervertidas a um ponto irrecuperável. Já passa da hora de substituir essa visão de curto prazo, das soluções superficiais, por uma visão de processo histórico a médio-longo prazo, das questões de fundo.
Crédito da foto da página inicial: Tomaz Silva/ABr (manifestações de junho de 2013)
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