O que é uma década perdida? Essa expressão foi originalmente utilizada para caracterizar os anos 1980, quando os impactos da crise da dívida externa e de seus desdobramentos culminaram com a reversão do longo ciclo de crescimento inaugurado no pós-guerra e provocaram um grave deterioro da situação fiscal do País.
Essa mesma expressão, por analogia, seria retomada nos anos 1990, em função das consequências da adesão dos governos da época ao receituário neoliberal, que colocou o Brasil sob a tutela do Fundo Monetário Internacional e produziu as maiores taxas anuais desemprego, “nunca antes” registradas pelo IBGE.
Em ambos os casos, o País viu regredirem acentuadamente vários indicadores críticos do dinamismo da sua economia, de sua inserção externa e das condições de vida e de trabalho dos setores majoritários da sua população. Nesse sentido, os anos 1980 e 1990 foram, de fato, décadas perdidas.
Não foi isso que aconteceu nos últimos dez anos. Ao contrário, de 2004 a 2013 as evidências disponíveis mostram que o País realizou avanços expressivos em diversas dimensões do seu processo desenvolvimento. Eis alguns indicadores desses avanços, referidos ao conjunto da década:
– reduzimos a pobreza em 54% e praticamente erradicamos a miséria;
– elevamos em 47% a renda domiciliar média e diminuímos a desigualdade social promovendo uma inédita redistribuição de renda no País, com o crescimento acumulado do rendimento domiciliar per capita dos setores de menor capacidade econômica da população muito acima da média, da ordem de 130% (para os 40% mais pobres) e 92% (para os 40% seguintes);
– elevamos em 70% o salário mínimo real e aumentamos em 22% a participação dos salários no PIB;
– reduzimos a taxa de desemprego aberto de 11,5% para 5,0%, geramos 12 milhões de novos postos de trabalho formais e aumentamos em 53% o número de trabalhadores com vínculo formal de emprego;
– aumentamos em 11% a cobertura previdenciária dos trabalhadores, que atinge agora 72% da população economicamente ativa entre 15 e 59 anos e elevamos em 50% o valor real médio do benefício por beneficiário da Previdência;
– elevamos o orçamento do Ministério da Educação em 132% em termos reais, ampliando o número de universidades públicas (as matrículas aumentaram em mais de 42%) e criando novas possibilidades para os segmentos de menores rendas (o Prouni atingiu, em 2013, cerca de 1.100.000 bolsas ocupadas e o número de escolas técnicas aumentou em 299%);
– aumentamos expressivamente a oferta de serviços de saúde pública, duplicando o número de atendimentos ambulatoriais e de atenção básica, e triplicando o número de atendimentos especializados;
– reduzimos a mortalidade infantil em 44%;
– aumentamos em 57% o número de pessoas que vivem em condições domiciliares satisfatórias;
– expandimos o gasto social, como porcentagem do PIB, de 13,1% para 16,8%;
– aumentamos o PIB total em 44,3% em termos reais, com o que o PIB real per capita acumulou um crescimento de 30%; no mesmo período, a Formação Bruta de Capital Fixo e o Consumo das Famílias acumularam um crescimento de 92% e 57%, respectivamente;
– ampliamos a oferta interna de crédito em 129% (a relação crédito total/PIB passa de 24,5% para 56,0%), com forte expansão do segmento de crédito direcionado (300%), do crédito a pessoas físicas (285%) e do crédito fornecido pelos bancos públicos (165%); os financiamentos do BNDES, em grande parte destinados a investimentos de longo prazo, somaram, no período, mais de um trilhão e cem bilhões de reais;
– expandimos a produção em setores chaves da economia (indústria de transformação 27%, produção de grãos 59%, produção de cana-de-açúcar 84%, produção de petróleo 40%, produção de veículos 75%);
– aumentamos em 72%, em termos reais, os dispêndios em Pesquisa & Desenvolvimento, que agora equivalem a 1,3% do PIB;
– ampliamos nossa participação no comércio mundial, expandindo as exportações em 230% (inclusive as de produtos manufaturados, que aumentaram em 75%), diversificando os mercados de destino e acumulando, no período, um saldo comercial positivo de 287 bilhões de dólares;
– fortalecemos o setor externo da economia, reduzindo o endividamento externo (a dívida externa bruta caiu de 30,3% para 13,7% do PIB) e aumentando em 17 vezes as reservas internacionais, com o que o País passou a ter uma inédita posição internacional de credor líquido (a dívida externa líquida passou de 24,3% para -4,1% do PIB);
– mantivemos o equilíbrio das contas públicas (a dívida pública bruta como porcentagem do PIB se manteve estável, enquanto que a relação dívida líquida/PIB caiu de 48,4% para 33,8% no período); o déficit nominal também se manteve relativamente estável, embora com tendência a um aumento moderado no período pós-crise;
– mantivemos a inflação sob controle, apesar das pressões externas, que se avolumaram no período pós-crise (com exceção de 2004, nos demais nove anos a taxa de inflação se manteve dentro das margens previstas no sistema de metas).
Trata-se, portanto, de um período em que se deram passos importantes em um caminho extenso e não livre de obstáculos, que teremos que percorrer para reduzir as desigualdades e carências ainda existentes na sociedade brasileira e superar nosso atraso econômico e tecnológico.
Mas é inegável que o País avançou, e muito, nessa década. Avanço que os problemas conjunturais atualmente existentes, reflexo, em boa medida, do deterioro das condições externas, não obscurecem.
Ora, se a economia cresceu, se o desemprego diminuiu, se as condições de vida e de trabalho da população melhoraram, se crônicos problemas com raízes na matriz histórica da sociedade brasileira começaram a ser equacionados, se fortalecemos o setor externo da nossa economia, não há como, malabarismos estatísticos à parte, pretender carimbar os últimos anos como uma década perdida. Melhor seria responder, de forma transparente e objetiva, uma questão mais simples: se é assim, para quem, afinal, foi perdida a década de 2004 a 2013?
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