O regime de metas de inflação (RMI), que foi implementado em vários países a partir da década 1990, tem como ponto de partida dois pressupostos. O primeiro está relacionado ao insucesso de outras estratégias de âncoras nominais visando ao controle da taxa de inflação, tais como as metas de taxa de câmbio e metas monetárias.
Já o segundo aos preceitos teóricos do chamado Novo Consenso Macroeconômico (NCM) de que a política monetária é inócua para afetar as variáveis reais da economia de forma duradoura, como os níveis de produto e de emprego.
Assim, a adoção de um RMI tem como característica o reconhecimento explícito de que o objetivo principal da política monetária é a manutenção de uma taxa de inflação baixa e estável.
Em versões mais flexíveis do regime de metas, o objetivo de estabilidade de preços pode ser acompanhado pelo compromisso de manter a estabilização do produto corrente em níveis próximos da taxa potencial de crescimento, mas somente naquelas condições em que a estabilidade de preços não seja violada.
De fato, em muitos países, a lei que rege o banco central (BC) estabelece, como objetivo subsidiário, que o BC dará suporte à prosperidade econômica e ao bem-estar social, de modo geral.
Por exemplo, o BC da Austrália tem um duplo mandato – estabilidade de preços e emprego -, enquanto que o BC do Canadá tem como objetivo promover o bem-estar econômico e financeiro do país. A partir da crise financeira de 2007, vários BCs, incluindo o Banco da Inglaterra, passaram a incluir a estabilidade financeira entre seus objetivos.
Na maioria dos países com RMI (15 em 27, incluindo o Brasil) a meta de inflação é estabelecida conjuntamente entre o governo e o BC, seguido de 9 países em que é o BC que define a meta (neste caso a maioria está na América Latina e na Europa do Leste), sendo que em apenas três países (África do Sul, Noruega e Reino Unido) cabe ao governo esta tarefa.
Quanto à definição do horizonte da meta – período no qual se espera do BC o alcance da sua meta de inflação -, a maioria dos países utiliza um prazo médio (dois anos ou mais ou um período móvel) que permite divergências de curto prazo entre a meta e os choques que afetam a economia, já que choques não previsíveis têm efeitos defasados na economia.
Deve ser destacado que o Brasil, neste particular, é dos poucos países que utilizam a meta anual (ano calendário) como horizonte da meta.
Existe um grande número de estudos que comparam a performance de países que adotam o RMI com países que não o adotam.
Muitos estudos empíricos não são conclusivos em encontrar evidências empíricas que países emergentes que adotam RMI têm uma performance melhor em termos de maior crescimento econômico e menor inflação (redução da volatilidade) em relação aos países que não adotam.
É importante destacar que as evidências de que o RMI não melhora necessariamente a performance de inflação e produto, e que ainda países emergentes em geral têm uma performance pior do que a dos países desenvolvidos quanto à taxa de inflação, estão relacionadas à ocorrência de problemas econômicos específicos inerentes aos países emergentes:
(i) tais economias têm um repasse cambial maior do que as economias desenvolvidas – a renda nessas economias é negativa e significativamente correlacionada com o repasse cambial uma vez que economias de renda mais baixa tem um porção maior de bens comercializáveis na cesta de consumo das famílias;
(ii) a maior dificuldade na previsão da inflação, uma vez que os choques são maiores e têm efeito mais forte, a diversificação produtiva é mais baixa e os mercados financeiros são pouco densos,
(iii) seus passivos externos são predominantemente denominados em moeda externa, criando um problema de “medo de flutuar” na taxa de câmbio.
Grosso modo, pode-se estabelecer a existência de três fases durante a vigência do RMI no Brasil.
Nos seis primeiros anos de sua adoção (1999-2004), o BCB teve dificuldades no cumprimento das metas, a despeito das altas taxas de juros, sendo o principal responsável a desvalorização cambial.
No período 2005-2009 (à exceção de 2008), as metas foram cumpridas com maior facilidade, favorecidas pelos efeitos positivos da apreciação cambial sobre os preços domésticos.
Já no período 2010-2013 a taxa de inflação aumentou, ficando perto do teto da meta. Além da elevação nos preços de alimentos e bebidas, devido ao crescimento do mercado interno e dos preços elevados das commodities, destaca-se o forte crescimento dos preços de serviços, que vem ocorrendo desde 2010, em decorrência de mudanças estruturais na economia brasileira relacionadas à melhoria na distribuição de renda e redução do desemprego.
Da análise acima, pode-se extrair cinco lições importantes. Em primeiro lugar, países emergentes estão sujeitos a uma volatilidade macroeconômica maior do que os países desenvolvidos.
Em segundo lugar, não há consenso que países que adotam o RMI tenham uma performance melhor do que países que não o adotam.
Em terceiro lugar, alguns países que utilizam o RMI começam a instituir um duplo mandato para o BC (crescimento do produto ou emprego; ou estabilidade financeira).
Em quarto lugar, o Brasil é dos poucos países que utilizam uma meta anual para a inflação. Em quinto lugar, taxa de inflação no Brasil acima da média de países com inflação baixa decorre em parte da elevação no salário real e melhoria na distribuição de renda, ou seja, é um fenômeno estrutural.
Em conclusão, já é tempo de começarmos a discutir mais seriamente a estrutura do regime de metas de inflação, incluindo, entre outros pontos, uma avaliação sobre o horizonte da meta e o duplo mandato.
Crédito da foto da página inicial: EBC
#volatilidademacroeconômica #volatilidade #distribuiçãoderenda #estabilidadedepreços #tetodameta #desemprego #metasmonetárias #taxasdejuros #PolíticaMonetária #BancoCentral #taxadecâmbio #economia #NovoConsensoMacroeconômico #emprego #apreciaçãocambial #Paísesemergentes #mercadointerno #CrescimentoEconômico #desvalorizaçãocambial #inflação #diversificaçãoprodutiva #economiasdesenvolvidas #regimedemetasdeinflação #cestadeconsumo #horizontedemetadeinflação
Comments