O Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho (GEPT) da Universidade de Brasília (UnB), coordenado pelo professor Sadi Dal Rosso, fez uma análise da Medida Provisória (MP) 936, já a vigor. A MP permite a redução de salário e jornada ou até a suspensão do contrato de trabalho e a complementação da remuneração do trabalhador pelo governo, tendo como base o seguro-desemprego. Segundo o texto dos pesquisadores, a MP retoma o ataque iniciado com a MP 927/2020 e revertido por curto período pela medida 928/2020. Estabelece que a União assuma a remuneração de assalariados, de obrigação contratual das empresas, e oferece compensação apenas parcial, de no máximo 80% da remuneração perdida para aqueles que recebam mais do que o salário mínimo, conforme regras adotadas.
“Logo, liberta-se o capital da obrigação contratual de pagar seus trabalhadores, sacrificando trabalhadores em até 20% ou mais dos custos da crise, além do restante que ser arcado pelo Estado, com os reflexos evidentes posteriores em aumento de endividamento e defesa diante disso de uma “crise fiscal” gerada pela entrega de recursos ao capital”, conclui.
Ainda segundo a análise, a MP 936 cria dois instrumentos para tentar garantir empregos e salários de trabalhadores e trabalhadoras por 90 dias: o primeiro é o Benefício Emergencial, custeado pelo governo federal, tem regras bastante estritas; o segundo é a Ajuda Compensatória Mensal, em princípio custeado pelos empregadores, podendo cobrir salários que o Benefício Emergencial não faz (até 20%). “Vê-se, pois, que, a despeito dos dois instrumentos, trabalhadores e trabalhadoras poderão ter perdas significativas. Acordo individual e negociação coletiva deixam o trabalhador em desvantagem”.
A análise conclui que não dá para prever qual será a reação das empresas à MP 936: se manterão empregos e salários ou se demitirão mão de obra, já que existem, por exemplo, custos para as empresas por arcar com a Ajuda Mensal.
Leia a nota do GEPT na íntegra:
Mais liberdade ao capital, sacrifício aos trabalhadores
ANÁLISE DA MEDIDA PROVISÓRIA 936/2020 QUE “INSTITUI O BENEFÍCIO EMERGENCIAL DE PRESERVAÇÃO DO EMPREGO E DA RENDA E DISPÕE SOBRE MEDIDAS TRABALHISTAS COMPLEMENTARES”
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS PARA O TRABALHO – GEPT. Departamento de Sociologia, Universidade de Brasilia.
Brasília, 04 de abril de 2020
Participaram da análise:
Sadi Dal Rosso[1]
Aldo Antonio de Azevedo[2]
Rodrigo Emmanuel Santana Borges[3]
Ricardo Festi[4]
CONTEXTO E ANÁLISE CRÍTICA GERAL
Mais um fruto de documento da Confederação Nacional da Indústria, sem representação dos trabalhadores, a Medida Provisória (MP) 936 retoma o ataque iniciado com a MP 927/2020 e revertido por curto período pela medida 928/2020. Estabelece que a União assuma a remuneração de assalariados, de obrigação contratual das empresas, e oferece compensação apenas parcial, de no máximo 80% da remuneração perdida para aqueles que recebam mais do que o salário mínimo, conforme regras adotadas. Logo, liberta-se o capital da obrigação contratual de pagar seus trabalhadores, sacrificando trabalhadores em até 20% ou mais dos custos da crise, além do restante que ser arcado pelo Estado, com os reflexos evidentes posteriores em aumento de endividamento e defesa diante disso de uma “crise fiscal” gerada pela entrega de recursos ao capital.
A MP 936 cria dois instrumentos para tentar garantir empregos e salários de trabalhadores e trabalhadoras por 90 dias: o primeiro é o Benefício Emergencial, custeado pelo governo federal, tem regras bastante estritas; o segundo é a Ajuda Compensatória Mensal, em princípio custeado pelos empregadores, podendo cobrir salários que o Benefício Emergencial não faz (até 20%). A segunda medida é uma AJUDA, este é o nome que lhe dá a MP título, sujeita a negociação com entidades sindicais. Vê-se, pois, que, a despeito dos dois instrumentos, trabalhadores e trabalhadoras poderão ter perdas significativas.
Acordo individual e negociação coletiva deixam o trabalhador em desvantagem.
Não se sabe qual será a reação das empresas à MP 936: se manterão empregos e salários ou se demitirão mão de obra. Como existem custos para as empresas por arcar com a Ajuda Mensal e como está prevista a negociação coletiva para diversos itens, a intervenção da Auditoria Fiscal do Trabalho com possibilidade de aplicar multas, a manutenção das normas regulamentadoras de segurança e de saúde, as possibilidades de perda de empregos e salários são reais.
ANÁLISE DE ASPECTOS ESPECÍFICOS
CAPÍTULO 2 – SEÇÃO 2 – DO BENEFÍCIO EMERGENCIAL
A instituição do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda a ser custeado com recursos da União, com grandes facilidades para empregadores (prazo de 10 dias para informar após ‘celebração de acordo’), reflete a orientação de agressão aos trabalhadores já conhecida do governo atual.
Concentram-se no Ministério de Economia do neoliberal Paulo Guedes a regulação e a execução do benefício. Na escolha de se pautar pelas regras do seguro-desemprego, na prática transfere os custos da crise em pelo menos 20% da renda perdida aos trabalhadores. Um máximo de 80% é assumido pela União, libertando o capital mesmo de suas obrigações contratuais nos marcos da legislação trabalhista vigente.
Por fim, é estabelecido um teto de 3 meses para contratos intermitentes e a não cumulatividade do recebimento em caso de mais de um vínculo desse tipo. Aos trabalhadores mais vulneráveis, dessa forma, que compuseram mais de 1 em cada quatro empregos formais gerados de novembro de 2017 a maio de 2019 (entre intermitentes e precários), pode ser imposto até mesmo um sacrifício maior em termos de perda de renda proporcional.
SEÇÃO III – REDUÇÃO PROPORCIONAL DA JORNADA E DO SALÁRIO.
Art 7º – A Medida Provisória estabelece a possibilidade da redução proporcional de 25%, 50% ou 70% de jornadas e salários durante 90 dias.
Acordo individual e negociação coletiva deixam o trabalhador em desvantagem. No início da MP o acordo é individual. Como o acordo é individual, pergunta-se qual o grau de resistência que o trabalhador poderá oferecer. Mínimo. Praticamente nenhum. Sendo assim, o empregador é quem tomará a efetiva decisão sobre tudo. O acordo individual fortalece o patronato, reforça-o, pelo controle institucional que mantem.
O fato de que o acordo é escrito não atenua o desequilíbrio das forças na assinatura do documento. A reforma trabalhista reduziu as possibilidades do-a trabalhador-a recorrerem ao tribunal. Se perder a causa ele terá que pagar as custas do tribunal.
Desta maneira, os empregadores terão uma medida ao alcance de sua mão para passar uma limpeza no quadro da mão de obra.
Mais à frente na MP, no Art. 11, as relações entre empregadores e empregados “poderão ser celebradas por meio de negociação coletiva” (grifo nosso). No entanto, logo abaixo, no Art. 12, a MP permite que convenções ou acordos coletivos de trabalho celebrados anteriormente poderão ser renegociados para adequação aos termos por meio de novos acordos individuais ou coletivos. O prazo para esta renegociação é de 10 dias, contado da data de publicação da MP.
Ainda que a MP tenha incluído a possibilidade de negociação com os sindicatos, ela também reafirma a possibilidade desta ocorrer em caráter individual. Portanto, a MP desprotege os trabalhadores de múltiplas formas, impondo o tempo de 10 dias para a renegociação dos contratos, o que dificulta a mobilização e ação dos sindicatos e facilita as renegociações entre empresas e indivíduos. Qualquer que seja a via, o trabalhador está em desvantagem.
A redução da jornada e do salário será nas proporções de 25% 50% ou 70%. Que trabalhador ou que trabalhadora poderá viver com a diminuição de 50% ou 70% dos salários? Eis a questão. Esta Medida Provisória leva o empregado a uma situação de penúria. E não há indicadores de serem poucos os trabalhadores a serem afetados por 50 ou 70 % de cortes de jornada e salários .
No neoliberalismo tupiniquim do Brasil, cobra-se o pagamento dos trabalhadores para manter direito ao trabalho. Quem não lembra do artigo 18 da MP 927/2020 que precisou ser extirpado por prever o não pagamento dos salários. Foi a primeira grande tentativa, frustrada sim, do neoliberalismo de repassar os custos da pandemia a trabalhadores e trabalhadoras. Nesta MP, 20% dos salários ficam pendentes de negociação com as empresas para conseguir toda a Ajuda Mensal ou pelo menos uma parte dela.
A vigência é por 90 dias. Por que 90 dias? É o período para uma Medida Provisória caducar e perder seu efeito. Portanto, a MP 936 não passará pelas já cegas vistas do Congresso Nacional.
Quem garante que trabalhadores retornarão a seus postos e salários anteriores? Como o andamento da economia não estará nada bem 90 dias à frente, pode-se imaginar o poder de retorno de trabalhadores para suas jornadas e seus salários no futuro.
SEÇÃO IV DA SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DO CONTRATO DE TRABALHO
Na Seção IV, Art. 8º, atribui-se ao empregador o poder de acordar a referida suspensão por até sessenta dias, com possibilidade de fracionamento em dois períodos de trinta dias. Diante desse pressuposto, pode o empregador pactuar a suspensão por intermédio de acordo individual, o que pode ensejar desvantagem ao trabalhador, considerando que se trata de uma livre negociação ou supremacia do negociado sobre o legislado.
Em que pese o estado temporário de calamidade pública, ainda que o empregador seja obrigado a arcar com todos os benefícios pagos aos seus empregados, o recolhimento da previdência é facultativo e não obrigatório. O empregador deverá manter benefícios, como vale-alimentação e auxílios, sem que empregado faça trabalho remoto ou a distância.
Também, só com a cessação do período de calamidade pública, da data definida no acordo individual ou da data da comunicação definida pelo empregador, a título de antecipar o fim da suspensão do contrato de trabalho, o contrato suspenso será retomado.
Tais dispositivos podem implicar em desemprego, considerando que o empregador poderá no curso do acordo pactuado individualmente, demitir o empregado, deixando-o em situação de insegurança e vulnerabilidade, exceto no caso de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho à distância, condição que impede o empregador de fazer uso da suspensão temporária, estando este sujeito às penalidades legais, além do pagamento imediato da remuneração pactuada no contrato de trabalho e dos demais encargos trabalhistas previstos.
Dentre as prerrogativas do trabalhador, em face da situação temporária, há que se caracterizar o tipo de empresa onde trabalha, no que se refere à receita bruta auferida em 2019, pois, se esta for superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), para poder suspender o contrato, terá que pagar uma ajuda compensatória no valor de 30% do valor do salário do empregado e o Governo Federal terá que bancar 70% relativo ao seguro-desemprego, durante o período da pandemia. No entanto, se a receita bruta for abaixo, o empregador poderá dispensar temporariamente os trabalhadores, ficando a cargo do Governo Federal arcar com 100% do seguro-desemprego.
Por fim, a MP prevê uma garantia “provisória” do emprego durante o período da suspensão do contrato de trabalho, que implica em insegurança ao trabalhador.
SEÇÃO V – DISPOSIÇÕES COMUNS ÀS MEDIDAS DO PROGRAMA EMERGENCIAL.
As disposições comuns contém regulamentações para implementar as medidas do programa emergencial. A expressão de negociação coletiva pode ser encontrada em várias dessas disposições. Entretanto, diversas vezes limitada por prazos muito restritos para desenvolver a consulta aos sindicalizados. A tal ponto que em uma disposição (Art. 17) ficar registrado o uso de meios eletrônicos para possibilitar a “convocação, deliberação, decisão, formalização e publicidade de convenção ou de acordo coletivo de trabalho”.
CAP III – Disposições finais
São três artigos: 1) dispõe sobre qualificação profissional, sobre uso de meios eletrônicos para viabilizar a negociação coletiva e sobre redução de prazos legais exigidos pela CLT para deliberação da negociação coletiva; 2) inclui o intermitente no acesso ao benefício, não acumulável, de R$ 600,00 durante três meses e outras disposições; e 3) O disposto no Capítulo VII da Medida Provisória nº 927, de 2020, não autoriza o descumprimento das normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho pelo empregador.
E por que banqueiros e empregadores pagam tão pouco pela solução da crise? Já os trabalhadores…
[1] Doutor em Sociologia pela University of Texas at Austin, USA. Professor titular do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, fundador e coordenador do Grupo GEPT/UnB. E-mail: sadidalrosso@gmail.com
[2] Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília. Professor Associado da Faculdade de Educação Física, Universidade de Brasília. E-mail: aldoantonioaz@gmail.com
[3] Doutor em Economia Internacional e Desenvolvimento pela Universidad Complutense de Madrid. Bolsista de pós-doutorado (EDITAL FAPES/CAPES N. 10/2018 – PROFIX 2018) no Programa de Pós-Graduação em Política Social (PPGPS) da UFES. E-mail: rodrigo@borges.net.br
[4] É professor adjunto do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasilia, doutorado na UNICAMP. E-mail: festi@unb.br.
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