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Uma agenda de desenvolvimento de longo prazo para o País

O debate sobre o crescimento da economia brasileira normalmente fica restrito aos temas conjunturais. Fala-se em variações de um trimestre em relação ao anterior, ou mesmo em estimativas sobre o crescimento de um mês. Mas este texto se concentrará em discutir uma agenda de longo prazo.

Isso não significa que o debate da conjuntura não seja importante, mas é fundamental ter uma discussão sobre estratégias e políticas de desenvolvimento.

Alguns economistas convencionais têm feito o debate do longo prazo por meio da chamada “armadilha da renda média” (termo cunhado em texto do Banco Mundial de 2007, “An East Asian Renaissance”).

A ideia resulta de uma observação empírica: desde o pós-guerra até a década de 1970, um conjunto de países saiu de níveis de renda per capita “baixos” e atingiu níveis “médios”, ou seja, de 1950 até 1970, alguns países chegaram aos níveis de renda per capita entre US$2.000 e US$12.000.

No entanto, desde a década de 1970 até o presente, poucos conseguiram se tornar países de renda “alta”, ou superior a US$12.000. O Brasil elevou sua renda per capita nos últimos anos e aproximou-se dos US$12.000, mas junto a quase toda a América Latina e outros países estaria, ainda, preso em uma “armadilha” da renda média desde os 1970s.

Diante dessa “armadilha”, a interpretação mais comum é a de que os países de renda baixa têm altas taxas de crescimento porque são competitivos em produtos intensivos em trabalho, produzidos com tecnologia trazida do exterior.

Os ganhos de produtividade nessas economias decorrem do deslocamento da mão de obra de atividades agrícolas de baixa produtividade para atividades de alta produtividade na manufatura.

No entanto, à medida que o país atinge um patamar de renda per capita “média”, se reduz o espaço para ganhos de produtividade resultante dessa transferência de mão de obra, a abundância de mão de obra se reduz, isso pressiona salários para cima, o que afeta a competitividade dessas economias, que finalmente perdem seu potencial de crescer aceleradamente.

Além dos limites do fator trabalho, pelo lado do capital poderia também haver um limite sobre o processo de importação ou “imitação” de tecnologia, que se não for substituído por processos internos geradores de inovação, não haveria ganhos de produtividade, o que também afetaria a capacidade de crescer aceleradamente.

As saídas dessa chamada “armadilha”, segundo os economistas convencionais, transitam por temas mais consensuais, por exemplo: ampliar investimento em infraestrutura; educação e treinamento de mão de obra; ou mesmo adotar regulações prudenciais para evitar influxos e saídas de capitais exagerados.

Mas também há recomendações que se inserem em agendas historicamente alinhadas à direita no espectro político, tais como: flexibilização de regulamentações do trabalho (assumindo que dificuldades para demitir desestimulam atividades inovadoras e intrinsecamente mais arriscadas); fortalecer garantias sobre a propriedade intelectual; maiores níveis de abertura comercial e financeira etc.

Parece importante que correntes progressistas da sociedade aprofundem o debate sobre como consolidar uma economia capaz de ser inovadora, produtiva, geradora de progresso técnico, com novas tecnologias e capaz de empregar trabalhadores com salários cada vez maiores.

O desafio seria viabilizar a construção de uma agenda progressista, que não prejudique os avanços sociais e que pode ser assumida pelo setor privado para que o país possa superar o subdesenvolvimento, ou sair daquilo que economistas chamam de “armadilha da renda média”.

A agenda liberal não é a saída. Observando o México, que tem seguido fielmente a cartilha liberal há décadas, esse país celebrou tratados de livre comércio com países desenvolvidos, fez ampla abertura econômica, vários “choques de gestão”, desregulamentação de mercado do trabalho e se especializou em produzir manufaturas de baixo valor agregado, com emprego de mão de obra de baixo salário, produzindo itens com alto conteúdo importado, cuja produção é majoritariamente vendida aos Estados Unidos.

Com o desenvolvimento da indústria na China, essa estratégia de inserção externa passou a disputar o mercado americano com a manufatura chinesa, altamente produtiva e pagadora de baixos salários.

O México, hoje, é extremamente vulnerável à dinâmica de crescimento dos EUA e quase todos os produtos ofertados a este país perderam mercado para a produção chinesa. Resultado: além de o México continuar na “armadilha da renda média”, os indicadores sociais e mesmo de produtividade ou crescimento do PIB do México ou se deterioram, ou avançam menos que outros países da América do Sul (incluindo o Brasil).

A experiência de países asiáticos que escaparam da “armadilha” também não respalda o modelo liberal, pois são países que se utilizaram de empresas e bancos públicos, crédito dirigido, política cambial, até mesmo restrições comerciais, políticas macro, microeconômicas e setoriais voltadas a desenvolver setores produtivos mais dinâmicos e com maior conteúdo tecnológico, se integraram regionalmente de forma profunda, reformaram estrutura agrária, distributiva etc.

Contudo, não é suficiente comparar o Brasil com o México e com a Ásia para atestar que a estratégia liberal não serve para a economia brasileira. É igualmente insuficiente defender conquistas do passado no mercado de trabalho e na política social. É importante consolidar um debate sobre uma estratégia progressista de desenvolvimento de longo prazo para o Brasil, que seja alheia ao misticismo liberal e sólida o suficiente para enfrentar a agenda conservadora.

A base construída por Dilma e Lula amplia o horizonte de possibilidades para o desenvolvimento brasileiro.

Pelo lado da demanda, as políticas de crescimento da renda, elevação dos salários, formalização do mercado de trabalho e expansão do crédito permitiram a consolidação de um mercado de consumo de massas, o que abre espaço para ampliar a produção de bens de consumo – é natural que num primeiro momento haja pressão para importar, mas há a oportunidade de a produção doméstica seguir ampliando para atender esse mercado.

Pelo lado da oferta, a experiência recente mostrou que é possível cometer as “heresias liberais” e fazer políticas setoriais por meio de uma série de instrumentos específicos, tais como: incentivos fiscais; o crédito direcionado e os bancos públicos; regras de conteúdo local; etc.

E também por meio de políticas com impacto generalizado na economia, tais como: ampliação da infraestrutura e logística; formação e qualificação profissional; assegurar recursos do pré-sal para educação; políticas para conter fortes oscilações no câmbio; gestão da oferta e preço de energia; etc.

Resta, mirando para o futuro, fazer um balanço crítico acerca de quais instrumentos de política foram mais eficientes e adotar uma estratégia sobre quais são os setores e quais são as cadeias produtivas que o País deve perseguir.

Atualmente a indústria do petróleo apresenta-se como a estratégia mais em evidência, a qual tende a puxar encadeamentos produtivos importantes. Há também o caso da indústria naval, ou mesmo o caso dos biocombustíveis, biotecnologia, ou da indústria de saúde, processamento de alimentos, entre outros exemplos.

Outra dimensão central para pensar o desenvolvimento de longo prazo é a integração regional. É grande o desafio de competir com as escalas asiáticas, em um mundo em que as cadeias de produção são globais, as estratégias de investimento das empresas e os problemas da capacidade ociosa estão no plano internacional (não no doméstico). Assim, uma estratégia de desenvolvimento nacional torna-se insuficiente e é preciso pensar em uma escala econômica regional.

Portanto, seja para a consolidação de um grande mercado de consumo regional, seja para a viabilização de ganhos de escala, o espaço econômico da América do Sul é imprescindível.

Mais do que isso, esse mesmo espaço sul-americano também é chave para a política externa, em que o Brasil tem maior peso nos fóruns internacionais quando, articulado a seus vizinhos, defende interesses regionais – estratégia que as diplomacias Lula e Dilma deram ênfase.

O desafio de planejar como o Brasil pode construir vantagens comparativas é monumental. Não há receita pronta, nem fácil, sobre como consolidar uma economia capaz de ser produtiva, geradora de novas tecnologias e que empregue trabalhadores com altos salários.

Construir uma agenda consensual na sociedade para que o País possa superar o subdesenvolvimento, ou sair da “armadilha da renda média”, é tarefa a ser enfrentada.

O Brasil tem avançado social e economicamente, o que fez o País voltar a dar passos na sinuosa trilha da construção do desenvolvimento. Outros passos mais precisam ser dados e a construção não pode ser interrompida.

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