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Um pouco mais de ousadia para a esquerda brasileira

Passados pouco mais de dois milênios no nosso calendário atual, é notório que, cada vez mais, acumulamos diversos tipos de conhecimento e experiências. Consequentemente, atribuir rótulos fica cada vez mais difícil, devido à complexidade com que enxergamos e percebemos o mundo à nossa volta.

Sendo assim, classificar agentes políticos por apenas duas ideologias como esquerda e direita é uma tarefa árdua (para ilustrar: a brilhante resposta que Jean Wyllys certa vez concedeu ao limitado Constantino) e, às vezes, um pouco incoerente.

Em prol de facilitar de alguma forma meus argumentos, no entanto, peço licença para tentar utilizar essa lógica binária, mesmo sabendo das limitações inerentes, de maneira a ser a mais verossímil possível, de acordo com a realidade brasileira.

Tem-se assim a direita como a parte da sociedade que deseja uma economia liberal, porém com pensamentos sociais conservadores, i.e. são contra a legalização do aborto e das drogas; assumem posições sexistas, racistas e homofóbicas naturalmente; são contra políticas assistencialistas (como o sistema de cotas e o Bolsa Família) e defende a meritocracia como panaceia.

Essa direita poder ser representada por Reinaldo Azevedo, Rachel Sheherazade, Danilo Gentilli, Olavo de Carvalho, Merval Pereira, Eliane “massa cheirosa” Catanhêde e políticos como Álvaro Dias, Ronaldo Caiado e Bolsonaro.

Já a nossa esquerda (na qual orgulhosamente me incluo) representa a parte da população que defende uma economia intervencionista, no sentido de, principalmente, diminuir a desigualdade social do Brasil. Marx, Myrdal e o próprio Keynes podem ser considerados como referências teóricas enquanto Guevara ou Lula representariam símbolos políticos.

Em termos de comportamento social, esse grupo defende ações como a descriminalização de certas drogas, o aborto como questão de saúde pública, leis mais rigorosas com relação a atos preconceituosos e programas de assistência social para corrigir o déficit histórico entre etnias e classes. Leonardo Sakamoto, Cynara Menezes, Emir Sader, Fernando Britto, Paulo Nogueira e José de Abreu seriam algumas referências, além de Patrus Ananias, Eduardo Suplicy e o próprio Jean Wyllys.

É verdade que o Brasil avançou de uma certa maneira que agrada parcialmente a esquerda. A renda dos mais pobres cresceu em boas taxas (absolutas e relativas), pessoas saíram da miséria e fome, a desigualdade social caiu e políticas de assistência social cresceram.

Todavia, a grande realidade é que a direita nunca deixou o efetivo poder para que esse progresso acontecesse: o tripé da escola neoliberal continuou sustentando a economia, juros altíssimos foram pagos aos bancos, ideias reacionárias continuaram a inundar a opinião pública e o debate progressista praticamente inexistiu em torno de assuntos importantes como violência contra minorias ou reforma agrária.

Em outras palavras, o desenvolvimento presenciado pelo País nos últimos anos foi, de maneira a não atrapalhar os frutos colhidos pela direita, representada, principalmente, pelo mercado, pelo capital e pela elite. Nos resultados de grandes conflitos de interesses, a impressão que fica é de que os conservadores tendem a levar a melhor na maioria das vezes.

Consideremos, por exemplo, o mote da mudança, que foi presença constante em todas as campanhas das eleições de 2014. Consideramos, ainda, o fato de estarmos passando por situações inéditas no País, como o combate contundente a corruptos e corruptores. Temos, assim, a perspectiva de que haverá uma transformação significativa no Brasil.

Mas vale a reflexão: com o cavalo da mudança passando selado, quais dos perfis apresentados está mais próximo de montá-lo? A resposta, bem desanimadora pra mim, é que a direita está mais perto de assumir essa mudança. Escolhas como Levy, Kátia Abreu e Ellen Gracie (para a nova diretoria da Petrobrás) são exemplos de mais uma vitória da direita.

Obviamente, a luta entre as duas forças não é justa. Enquanto a direita tem maiores recursos – inclusive financeiros – e passe-livre midiático, a esquerda se segura principalmente na fidelidade de seus militantes, sempre dispostos a encarar, com alegria e disposição, as inúmeras argumentações e discussões acerca dos assuntos de momento, principalmente nas redes sociais.

Indiferentemente aos obstáculos, uma autocrítica não faz mal a ninguém. Nesse sentido, podemos dizer que falta à nossa esquerda, entre outras coisas, um pouco mais de ousadia. Deixar, em alguns momentos, o pragmatismo de lado e assumir as consequências de um enfrentamento mais agudo a hegemonia de direita.

Assim, se houver mudanças na tributação, lembremos Piketty ao cobrar maiores taxas aos mais ricos. Se a reforma política sair do papel, que seja para garantir maior participação popular e menos dependência do nosso jogo político. Além de que, não podemos aceitar cortes de orçamento que prejudiquem a população em geral, enquanto servidores públicos aumentam seus salários e benefícios sem dificuldade.

Sindicatos, movimentos sociais e até mesmo os próprios partidos devem enfrentar seus demônios para cobrar e pressionar por ações coerentes das instituições pertinentes, inclusive o executivo federal. Para tanto, está na hora de trazer a linha pragmática, que divide o sonho e a realidade, um pouco mais para a esquerda.

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