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Theotonio dos Santos: partiu um ser humano e intelectual transcendente

Neste 27 de fevereiro de 2018, descansou um dos expoentes máximos do pensamento crítico latino-americano, Theotonio dos Santos. Um ser humano transcendente, de virtudes incomuns, de honestidade intelectual e generosidade desprendida, sua conduta foi marcada por uma coerência inquebrantável em seu compromisso teórico-político com o socialismo, firmemente assentado em profundo conhecimento histórico.

O falecimento de Theotonio marca a partida do último grande mestre fundador da teoria marxista da dependência, imortalizando-se no panteão junto a Ruy Mauro Marini e Vania Bambirra, geração de intelectuais que marcará definitivamente a história brasileira e latino-americana.

Natural de Carangolas (Minas Gerais, 1936), Theotonio foi responsável pela primeira aproximação do marxismo com a questão do subdesenvolvimento e da dependência, a partir de um refinado rigor teórico. Com Vania Bambirra e Ruy Mauro Marini, impactados pela Revolução Cubana, fundou a Organização Revolucionária Marxista – Política Operária, ORM-POLOP (1961), responsável pelo rompimento com a orientação de conciliação de classe, hegemônica na esquerda de então.

Tornando-se professor na recém-fundada Universidade de Brasília (UnB), sob a direção de Darcy Ribeiro, foi incluído na primeira lista de perseguidos pela ditadura militar-empresarial instalada no Brasil em 1964. Exilado no Chile, foi diretor de pesquisa no Centro de Estudos Socioeconómicos da Universidade do Chile (CESO), onde, cercado de intelectuais de primeira grandeza, lançou as bases da teoria marxista da dependência (TMD). Também no Chile, militou no Partido Socialista e se converteu em um intelectual de influência mundial. O golpe contra o governo da Unidad Popular e a ascensão de Pinochet levariam-no a um segundo exílio, no México.

Antes disso, a residência em que vivia no Chile foi convertida em sede ampliada da Embaixada do Panamá para abrigar um sem-número de asilados e ajudar a salvar suas vidas. Essa mesma casa, como retaliação por parte do regime de Terror de Estado de Pinochet, foi confiscada e convertida em centro de tortura pela ditadura no Chile. Mais tarde, com a redemocratização, daria lugar a um centro de memória dos desaparecidos.

Seu segundo exílio, no México, foi muito profícuo. A UNAM foi o espaço onde sua obra frutificou, sendo adotada em cursos de graduação e pós-graduação e influenciando a formação de mais de uma geração de estudantes e pesquisadores, bem como de organizações militantes.

No México, esteve presente nas discussões que, juntamente com Leonel Brizola, levaram-no a participar da fundação do Partido Democrático Trabalhista (PDT). O retorno do exílio ao Brasil se deu em 1979. Ao chegar em seu país, encontrou uma universidade reformada pelos acordos MEC-Usaid, pelo Relatório Meira Matos e pelo Plano Atkon, com as portas firmemente cadeadas à penetração do pensamento crítico, como havia preconizado, também, o acadêmico adversário dos socialistas, Fernando Henrique Cardoso.

Theotonio nunca cedeu às pressões por renunciar às categorias de imperialismo, dependência, socialismo e luta de classes. Nem esteve ao alcance do modelo departamentalizado do saber e de quantificação da produção acadêmica, que impera desde então e, cada vez de forma mais brutal, nas universidades brasileiras. Ao contrário, legou-nos um labor intelectual sem concessões éticas ou teóricas ao reformismo ou às diversas formas de liberalismo.

Sua obra, além de contribuir para o desenvolvimento do conceito de “dependência”, como continuidade da teoria do Imperialismo, pensou as formas da dependência (comercial, financeira e tecnológica) e temas chave para a análise de tendências do capitalismo contemporâneo, como a revolução científico-técnica. Teve, ainda, um pioneirismo na ruptura teórica com o eurocentrismo entre a esquerda mundial. Entre os fundadores da TMD, incumbiu-se de buscar totalizar as relações imperialismo-dependência, abrindo novas sendas para o campo do saber da crítica da economia política da economia mundial, quer dizer, o estudo das contradições históricas e sociais do capitalismo no nível de abstração do mercado mundial.

Com uma obra publicada em dezessete idiomas, seu livro “Imperialismo e Dependência” tem diversas edições em espanhol e inclusive em mandarim, mas nenhuma edição em português. Entusiasmado com as possibilidades históricas abertas para uma nova geopolítica mundial, frente ao que entendia como decadência do imperialismo estadunidense, militava pela articulação das forças do Sul na retomada do espírito de Bandung, sob a base do fortalecimento político e social de forças comprometidas com o socialismo. Essa era a condição para a superação das mazelas da superexploração e das expropriações que caracterizam as formações sociais dependentes, e para conter tendências “fascistizantes” desta decadência histórica do imperialismo. Algo raro nas Ciências Humanas, Theotonio tornou-se, assim, simultaneamente um dos maiores expoentes mundiais em duas teorias, a TMD e a teoria do sistema mundial.

Autor de 38 livros, coautor ou colaborador de 78 livros, além de inúmeros artigos, Theotonio era Mestre em Ciência Política pela UnB e Doutor “notório saber” pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor emérito da UFF, atualmente era Pesquisador Nacional Sênior da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Presidente da Cátedra e Rede da UNESCO sobre “Economia Global e Desenvolvimento Sustentável” – REGGEN.

Era também Doutor Honoris Causa pelas universidades de Buenos Aires (Argentina), Ricardo Palma (Peru), Nacional Mayor de San Marcos (Peru) e recebeu a Ordem do Rio Branco (Brasil), a Medalha Pedro Ernesto (Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro), Haya de la Torre (APRA, Peru), Luiz Carlos Prestes (Inverta, Brasil) e Bernardo O’Higgins (Chile). Em 2013, foi agraciado com o Prêmio Mundial de Economia Marxista pela Associação Mundial de Economia Política (WAPE), Hong Kong.

A preservação da memória de Theotonio dos Santos é fundamental como parte dos esforços coletivos por dar continuidade ao seu labor teórico-político, cientes de que sua grandeza não pode ser igualada, mas exige um trabalho coletivo de larga envergadura. Theotonio dos Santos, PRESENTE!

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