O debate está capturado e intencionalmente bloqueado pelos interesses voltados para o retorno financeiro imediato garantido, impondo uma visão de resultados em curto prazo ao sistema produtivo e prevalência do retorno aos acionistas
É essencialmente político o imperativo da igualdade social e da sustentabilidade ambiental. Sua promoção requer um projeto de desenvolvimento econômico e social assentado no investimento produtivo, de industrialização, de inovação espraiada para todos os setores de atividade, de agregação de valor, de incremento da produtividade e de acesso aos direitos sociais.
É um imperativo político porque se trata de afirmar uma visão de futuro coletiva, declarar compromissos e fazer escolhas que se quer compartilhar. Há no Brasil, e no mundo, bloqueios intencionais contrários a essa possibilidade histórica.
Por isso, o desafio é mobilizar vontade política – visão, compromissos e escolhas – para construir uma agenda da transformação produtiva que difunda em todo o território as capacidades e condições para gerar produtos e serviços tanto para atender a demanda interna quanto para exportá-los. Trata-se de uma nova agenda que requer uma construção política entre os agentes econômicos do setor empresarial, dos trabalhadores e do governo.
As eleições reabriram portas e janelas para novas possibilidades históricas. Colocar a igualdade como eixo ético e estético da utopia que pode nos mobilizar coletivamente significa afirmar a nossa vontade política de enfrentar e superar as causas das brechas estruturais que historicamente continuam a ser produzidas.
Trata-se de incluir a todos no campo de direito coletivo, superando prioritariamente a miséria e a pobreza, e compartilhar os cuidados para com tudo aquilo que nos é comum, convergindo para ganhos de eficiência econômica e de produtividade, distribuindo seus resultados, construindo o sentido de pertencimento coletivo e de participação na vida democrática.
A reprimarização da economia, com a exploração dos recursos naturais e de grãos em natura, o desinvestimento em educação e inovação, o abandono da industrialização, a queda contínua do investimento para o incremento da produtividade, o desleixo com a capacidade produtiva de transformação e exportação, entre outros, são algumas das causas que explicam a dramática situação presente de aumento da miséria, da pobreza e da desigualdade.
Tragicamente, também em nosso país estamos reféns dos poderosíssimos interesses dos rentistas, agentes econômicos que controlam a vida coletiva e dominam o sistema produtivo para aumentar sua riqueza financeira. A hegemonia asfixiante da estratégia do rentismo, do pensamento único e do debate público orientado para garantir os ganhos exorbitantes do rentismo exige superação.
O presente se abre para essa superação, se aqueles que almejam um outro padrão de desenvolvimento estiverem dispostos a construí-la. Não será possível colocar o país em uma trajetória de crescimento econômico virtuoso, que alavanque a renda média pelo aumento dos salários e a geração de emprego, por políticas públicas de proteção universal, sem que sejamos capazes de sair do corner em que formos colocados pelo rentismo e suas estratégias de reprodução e de ganhos crescentes.
A hegemonia da economia financeirizada em escala global tem produzido, de forma ainda mais intensa desde a crise de 2008, distorções dramáticas para a produção, para o desenvolvimento, para as democracias e para a igualdade.
O debate está capturado e intencionalmente bloqueado pelos interesses voltados para o retorno financeiro imediato garantido, impondo uma visão de resultados em curto prazo ao sistema produtivo e prevalência do retorno aos acionistas.
Faz parte dessa estratégia manter um processo violento e descomunal de transferência de renda através de taxas de juros de altíssimo custo para o consumidor, para o empresário, para o investimento, para o orçamento público e a receita fiscal.
O rentismo realiza a captura gananciosa da riqueza produzida pelo trabalho de todos. No Brasil essa captura se dá em escala escandalosa. Trata-se de um crime contra o desenvolvimento econômico e social e contra a democracia. O rentismo viabiliza regras e um ambiente econômico que desincentiva o investimento e a atividade produtiva.
A independência do Banco Central para a determinação da taxa de juros e da política monetária é um exemplo de escolha orientada por interesses e que se transformou em dogma, verdade irrefutável, que deve responder às expectativas racionais formuladas pelos próprios rentistas e seus prepostos.
Nosso desafio e tarefa é ousar, enfrentar dogmas e superar interdições para, como afirma a Cepal, implementar uma política econômica que vá além das políticas de metas de controle da inflação, combinando políticas anticíclicas com uma estratégia de diversificação produtiva e de boas práticas fiscais para geração de bens e serviços públicos e o fomento das diversas capacidades econômicas e sociais.
Clemente Ganz Lúcio é sociólogo, assessor técnico das Centrais Sindicais, professor, ex-diretor diretor técnico do DIEESE (2004-2019) e membro do CDES entre 2004 e2016.
Crédito da foto da página inicial: Fernando Frazão/Agência Brasil
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