Publicado no blog do Fernando Nogueira da Costa em 19-6-2016
Pedro Rossi, um dos mais talentosos colegas da nova geração de professores do IE-UNICAMP, acaba de lançar seu primeiro livro, Taxa de Câmbio e Política Cambial no Brasil, pela FGV Editora. Para um professor universitário, ter seu livro lançado por editora de outras Universidades ou Faculdades é motivo de orgulho, pois significa que o reconhecimento profissional vai além dos seus colegas-amigos mais próximos. Pedro Rossi possui não só o saber teórico, mas reúne uma personalidade cativante, porque é muito educado e cordial no trato pessoal. Encontrar economista acadêmico sem arrogância não é tão fácil…
O livro é excepcional em sua capacidade de síntese de assunto que se situa entre os mais complexos encontrados no conhecimento profissional dos economistas. Na Parte I, trata da taxa de câmbio em seus aspectos teóricos, históricos e conceituais. Na Parte II, refere-se ao sistema monetário internacional e as taxas de câmbio. Na Parte III, apresenta a taxa de câmbio e a política cambial no Brasil.
Humildemente, porém não sendo correto, Pedro diz que “as eventuais contribuições deste livro se encontram principalmente nos capítulos 6 [O Mercado de Câmbio Brasileiro], 8 [Especulação e Arbitragem no Brasil: Um Estudo de Caso] e 9 [Política Cambial no Brasil], que derivam diretamente de artigos publicados em revistas acadêmicas”. Talvez seja o viés desta nova “geração Qualis”, que acha bom só o que foi publicado por revistas acadêmicas, ou seja, só observa o sucesso de crítica e não o sucesso de público. Para ser lido por público mais amplo, os artigos-sínteses, os artigos-resenhas e os artigos-de-combate em rede social são muito mais apreciados.
Na verdade, todo o livro de Pedro Rossi é extraordinário (fora-do-comum) em sua capacidade de síntese de temas intricados como derivativos, cupom cambial e especulação. Apresenta os diferentes mercados: primário, interbancário, derivativos e offshore de reais. Mostra o significado do preço do dólar futuro e a relação entre arbitragem e o cupom cambial. Revela a motivação dos agentes no mercado futuro de câmbio. Focaliza, especialmente, o circuito especulação-arbitragem.
Como amostra de sua excelência, apresentarei abaixo o resumo e as conclusões do primeiro capítulo. Resumir é a forma que uso para estudar e atualizar-me sobre matéria em que fui professor durante mais de uma década: os determinantes da taxa de câmbio em uma macroeconomia aberta. Recomendo enfaticamente a leitura deste livro por todos que desejam conhecer mais profundamente tanto a economia brasileira quanto o sistema monetário internacional.
No Capítulo 1, quando Pedro Rossi trata dos aspectos gerais da taxa de câmbio, ele a define com o preço de uma moeda – um equivalente geral de um espaço econômico e referência de uma estrutura de preços relativos – em relação a outra moeda. Nesse sentido, o câmbio é o elemento que permite comparar estruturas de preços relativos de espaços monetários distintos.
No que se refere à competitividade, o movimento da taxa de câmbio tem efeito análogo a uma combinação de políticas tarifárias, por exemplo, uma desvalorização da moeda nacional equivale a um aumento generalizado das tarifas de importação somado à redução das tarifas de exportação.
A desvalorização cambial não deve ser entendida como uma simples geradora de pressão inflacionária, mas como uma fonte de alteração de preços relativos no âmbito de uma economia nacional que aumenta os preços dos bens comercializáveis em relação aos preços de serviços e aos preços monitorados. O efeito inflacionário direto é restrito a um dos grupos de preços, a saber, os preços livres de bens agrícolas e industriais.
Em princípio, a desvalorização cambial é um impulso para um aumento relativo do lucro dos setores produtores de bens em relação ao setor que vende serviços. Evidentemente, neste ponto Rossi teria que advertir que via elevação dos custos, por exemplo, de transportes, por causa da alta dos preços da matéria prima importada (petróleo) dos combustíveis, esse choque cambial pode se espraiar por toda a economia.
Então, Rossi alerta que a medição do efeito da taxa de câmbio sobre a estrutura produtiva depende da temporalidade da análise. No curto prazo, os efeitos são ambíguos uma vez que há uma enorme rigidez na estrutura produtiva.
Se um longo período de apreciação da moeda nacional pode quebrar cadeias produtivas e desindustrializar, a desvalorização cambial não necessariamente remonta essas cadeias e reconstrói o caminho da industrialização.
A desvalorização cambial pode ser virtuosa a ponto de, por um lado, preservar o poder de compra dos salários e, por outro lado, evitar que o dinamismo econômico provocado pelo processo distributivo seja consumido pelo aumento das importações. Quanto a isso, é válido o questionamento: se é assim tão bom, porque não fizeram antes?!
Provavelmente, como essa medida “virtuosa” não é unilateral, ela poderia desencadear uma reação ou “guerra cambial” com os parceiros comerciais. O comércio é, no mínimo, bilateral…
Os economistas não conseguem se livrar do conceito de “poupança”. Lembro que o jargão profissional chama de déficit no balanço de transações correntes de “poupança externa” e a contrapõe, equivocadamente, à “poupança doméstica”, um resíduo contábil ex-post entre fluxos de renda e de consumo que não seria objeto de decisões individuais diretamente ligadas a esse resultado.
Rossi utiliza-se desse jargão convencional para afirmar que “o nível de poupança doméstica não é restrição para uma desvalorização cambial. Pelo contrário, uma desvalorização cambial pode tornar um país ‘exportador líquido de poupança’ por meio de um aumento de competitividade do setor exportador que torne o resultado das transações correntes positivo”. Novamente, depende de “combinar com os russos”…
Mas a tentativa canhestra de manipular os preços relativos básicos – câmbio, juros, tarifas, tributos, salários –, no sentido de beneficiar o lucro, é a receita novo-desenvolvimentista para o “aprendiz de feiticeiro”.
No fundo, a velha abordagem do Fundo Monetário Internacional (FMI) com o Modelo da Absorção domina ainda “corações e mentes” da maioria ortodoxa dos economistas. A absorção (A) é a parte da renda nacional (RN) que é absorvida pelos gastos internos: A = C + I + G. Se o produto interno bruto é PIB = RN – RLrm, na qual RLrm é a renda líquida recebida do resto do mundo, RN = C + I + G + X – M + RLrm. Logo, RN = A + BTC e BTC = RN – A.
Se houver superávit no balanço de transações correntes (BTC > 0), a absorção estará menor do que a renda nacional (A < RN), então a chamada “poupança nacional” estará positiva, com o país demonstrando capacidade de financiamento. Se houver déficit no balanço de transações correntes (BTC < 0), a absorção estará maior do que a renda nacional (A > RN), o país teránecessidade de financiamento, ou seja, de usar “poupança externa”, para gastar mais do que sua renda.
Podemos continuar a manipulação das contas nacionais, definindo: RN = C + S + Tl onde S é poupança e Tl são os impostos líquidos de subvenção. Substituindo, BTC = RN – A = C + S + Tl – C – I – G => BTC = (S – I) + (Tl – G).
A dedução do enfoque pela absorção é que o déficit do balanço de transações correntes (BTC < 0) é um efeito do excesso do investimento privado sobre a poupança privada ( [S – I] < 0 ) e/ou do déficit fiscal ( [Tl – G] < 0 ). Em outras palavras, o excesso de gastos (ou insuficiência de poupança), correspondente ao déficit externo, é devido às escolhas privadas e/ou àpolítica fiscal. Não seria devido à apreciação da moeda nacional…
Pior, coeteris paribus (RN dada ou pleno emprego), os seguidores dessa abordagem deduzem que uma política fiscal expansionista (via déficit fiscal) provoca um déficit do balanço de transações correntes. Vice-versa, umapolítica fiscal restritiva (com superávit fiscal) resulta em superávit do balanço de transações correntes. Viva o austericídio (austeridade + suicídio) econômico!
Comparado com este, o mal é menor quando os novos-desenvolvimentistas adotam a mão-visível de O Estado, para manipular preços, e não a mão-invisível de O Mercado, para manipular quantidades via depressão.
Todos os economistas parecem buscar o nirvana, isto é, o “equilíbrio geral” a la tradição walrasiana. Nas religiões indianas, o nirvana é o estado permanente e definitivo de beatitude, felicidade e conhecimento, meta suprema do homem religioso, obtida através de disciplina ascética e meditação. No budismo, é a extinção definitiva do sofrimento humano alcançada por meio da supressão do desejo e da consciência individual…
O desafio para os economistas é aprender a pensar a economia como um Sistema Complexo. Para tanto, é útil a Teoria do Caos para perceber que a dependência de trajetória caótica leva ao progressivo afastamento das condições iniciais. Na realidade, a economia constitui um sistema cujo estado inicial não se sabe bem qual é…
Nele, as decisões ex-ante são vistas ex-post, isto é, a partir do “ponto de chegada” atual composto de fatos transcorridos em um processo socioeconômico e político ainda em andamento. Esta imprecisão dos dados iniciais irá se refletir na qualidade da previsão que os economistas são capazes de fazer sobre o estado futuro desse Sistema Complexo que a economia constitui. Em outras palavras, não há como prever convergência para o pressuposto equilíbrio geral com a manipulação dos preços relativos básicos!
Crédito da foto da página inicial: EBC
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