No mundo financeiramente globalizado, os parâmetros de qualidade são todos voltados à solvência dos créditos e débitos gerados pela economia, pouco importando, na maioria das vezes, o perfil operacional das empresas e das instituições. Por isso, criam-se os mais diversos selos para acreditarem a “qualidade” das entidades públicas e privadas por meio dos critérios “saudáveis” do mercado financeiro internacional.
As classificações se dividem em dois grandes grupos, um primeiro que compreende o Grau de Investimento representativo do“bom pagador” e um segundo que diz respeito ao Grau Especulativo e indicativo do “mau pagador”, cuja a probabilidade do calote é considerável.
Suas respectivas gradações mudam de acordo com a agência de risco que faz a classificação.Por exemplo, a Moody’s classifica a partir dos conceitos de “Aaa” (mais elevado) até o “C” (mais baixo) e as agências Fitch e Standard Poor’s, as quais possuem conceituação bem similar, variam do “AAA” (mais alto) até “SD” e “D” (mais baixo).
Muito embora a regulamentação dos planos de saúde não esteja mais sob responsabilidade da Superintendência de Seguros Privados (Susep), exclusive a corretagem, o setor ainda é visto conceitualmente como parte da composição e segmentos do Sistema Financeiro Nacional. Por isso, talvez, seja interessante fazer a seguinte pergunta: Qual será o grau de investimento das operadoras dos planos de saúde?
Em termo sistêmicos, o Art. 32 da Lei nº 9.656 determina que o sistema público de saúde será ressarcido, pelas operadoras de saúde, daqueles “serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde – SUS”.
O mote da lei é garantir a universalidade do acesso aos cuidados em saúde, cobrando do setor privado que esse cumpra com suas obrigações contratuais e não deixe o seu beneficiário descoberto. A missão primordial do ressarcimento ao SUS é de fiscalizar a prestação dos serviços do setor privado de saúde.
Dessa forma, a normativa legal está para além da arrecadação, pois não é vista como fonte de recursos à luz da sustentabilidade financeira do sistema público de saúde e, sim, como norma fiscalizatória do cumprimento do contrato das operadoras de saúde.
Sistematicamente, os planos de saúde são beneficiados fiscalmente (desonerações para produtos médico hospitalar), orçamentariamente (renúncia do imposto de renda para pessoa física e jurídica) e operacionalmente (beneficiário dos planos que utilizam o SUS).
Resumidamente, as desonerações aos produtos médico hospitalares são realizadas por meio dos principais tributos que compõem o orçamento da seguridade social (previdência, saúde e assistência), a COFINS e a CSLL.
Já a renúncia fiscal é feita a partir do orçamento federal da união cujo impacto é instantâneo aos recursos públicos da saúde, além do que, o SUS beneficia operacionalmente o setor privado quando presta o serviço que deveria ser da responsabilidade contratual do plano. Sendo assim, o sistema público de saúde vem financiando o setor privado de todas as maneiras possíveis, deixando claro que o setor privado não desafoga o SUS, muito pelo contrário, é o SUS que desafoga o setor privado.
As recentes pesquisas realizadas no setor confirmam que 30% dos usuários dos planos de saúde utilizam o SUS. Na Figura1 estão demonstradas as internações dos Segurados dos Planos de Saúde no SUS 2014, ou seja, mostra o mapa regional do que vem acontecendo no sistema através do valor total das Autorizações de Internação Hospitalar (AIH).
Desde a criação da ANS em 2000,autilização do SUS pelos beneficiários dos planos de saúde vem aumentando ao longo dos anos, sendo que os estados onde há as maiores ocorrências, são: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul. Isso devido a uma maior cobertura privada nessas regiões.
Figura.1- Internações dos Segurados dos Planos de Saúde no SUS 2014 (valor total AIH/valores correntes em R$)
A maior incidência de internações de beneficiários no SUS acontece na modalidade de plano coletivo empresarial, sendo que, em termos monetários da AIH, houve um aumento de 2.688% no período de 2001 a 2013. Acompanhado pelos planos por adesão e familiar cujas variações estão em torno dos 804% e 720%, respectivamente, para o mesmo período de anos.
A explicação para tal fenômeno decorre da regulamentação do plano individual ou familiar, enquanto, o plano coletivo empresarial e por adesão conta com baixo nível de controle (Gráfico 1), deixando majoritariamente a decisão sobre os preço e margem de lucro do setor à orientação do laissez faire.
Gráfico.1 – Internações dos Segurados dos Planos de Saúde no SUS 2001 a 2014 (valor total AIH/valores correntes em R$)
A ligeira redução das AIHs na virada do ano 2013 para 2014 foi o resultado dos trabalhos desenvolvidos pelo Tribunal de Contas da União que cobrou da ANS maior efetividade do ressarcimento ao SUS.
Nos dez primeiros anos da ANS, a efetividade na cobrança girou em torno dos 26%, ou seja, de tudo que foi cobrado apenas um pouco mais de um quarto foi pago. De 2011 para 2013 a efetividade aumentou para 46%. Isso sem mencionar a atual incorporação dos procedimentos de média e alta complexidade no ressarcimento, as APACs (Autorizações de Procedimentos Ambulatoriais de Alta Complexidades), que, segundo o TCU, teriam valor quatro vezes maior do que a AIHs, tendo um diferencial de R$ 10 bilhões.
Dentre as justificativas para o não pagamento encontra-se o custo gerencial e metodológico do banco de dados, mas, principalmente a judicialização por parte das operadoras que se negam a pagar os débitos.
Em 2015, a ANS incorporou as APACs, tendo como referência janeiro de 2014 e relegando o passivo desde sua criação de tais procedimentos. Entretanto, mesmo com esses desafios e a recente melhoria na cobrança, o ressarcimento ao SUS corre sério risco devido às recentes propostas que buscam alterar sua institucionalidade.
Um exemplo de ações que podem enfraquecer o ressarcimento são os atuais encaminhamentos que estão tentando orientar a descentralização do ressarcimento aos entes federativos estaduais. Essa descentralização fragilizaria ainda mais o processo, pois elevaria sobremaneira os custos operacionais por estado, criaria problemas ainda maiores para gestão e enfraqueceria a efetividade na cobrança. Portanto, toda a evolução na operacionalidade do ressarcimento ao SUS pode fazer água caso tal alteração seja realizada.
Aí sim, talvez, o “mau pagador” deixe de existir, não pela solvência, mas, pelo fim da cobrança.
Crédito da foto da página inicial: Mateus Pereira/AGECOM/ Gov/BA
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