A Nomenklatura (Nomenclatura) é palavra de origem latina russificada. Designava a classe dirigente da União Soviética, ligada à gestão administrativa do Partido Comunista.
A Nomenklatura constituía a lista dos postos mais importantes: as candidaturas indicadas por “camaradas” (ou “companheiros”) eram previamente examinadas, recomendadas e sancionadas por um comitê do Partido do bairro, da cidade, do estado etc. Era preciso igualmente a concordância do Comitê Central para atribuir e demitir de funções administrativas as pessoas admitidas a ocupar esses postos-chave.
Desde os anos 20 do século XX, formou-se uma camada social particular por camaradas filiados e burocratas do SOREX – Socialismo Realmente Existente. A URSS constituiu o primeiro modelo totalitário de direção de Estado sobre todas as atividades econômicas. Começou a divulgar seu fracasso em 1956, quando no XX Congresso do PC foram revelados os crimes da era stalinista. Até a derrocada total desse regime totalitário, em 1991, foi ficando claro, para a esquerda democrática, a URSS não corresponder ao socialismo de sua utopia, isto é, crítica à realidade do capitalismo.
O SOREX era sim uma sociedade de classes, ou melhor dito, de castas de natureza ocupacional, dominada por determinada casta de oligarcas governantes – a Nomenklatura – relativamente pouco numerosa. Explorava a maior parte da população, mas não conseguia entregar a abundância econômica planejada.
Stalin foi a emanação desta Nomenclatura, quando o órgão do secretariado do PC realizava as nomeações, não somente no aparelho do partido, mas em todos os organismos administrativos, seções do Governo, polícia política, Exército Vermelho, economia, cultura etc. O fenômeno burocrático foi a característica dominante do chamado stalinismo.
Antes mesmo da má experiência soviética já havia questionamentos do marxismo quanto à unilateralidade da concepção materialista da história, à insuficiência da Teoria da Mais-Valia para explicar o valor adicionado e apropriado inteiramente em “atividades improdutivas”, à análise da concentração progressiva, ao “objetivo último do socialismo”. Abandonado o marxismo, a realidade passa a ser vista pelos revisionistas como permanente “movimento social”: a ampliação gradual de conquistas de direitos (civis, políticos, sociais, econômicos e de minoria) da cidadania, isto é, para todos os cidadãos, independentemente de classes sociais ou castas profissionais.
Em decorrência, esses revisionistas foram taxados de renegados. Seus “camaradas” logo cuidaram de expulsá-los do Partidão. Entretanto, a revisão do marxismo era fato: depois de “inventadas as ideias” não é possível mais as “desinventar”.
O revisionismo aparece em todos os lugares, de tempos em tempos, de modo mais ou menos independente por distintos seres pensantes autônomos. Qual é o conteúdo ou o núcleo do revisionismo teórico? Quais são os aspectos do marxismo sempre revistos?
Referente à teoria econômica, o revisionismo supera (no sentido hegeliano de manter o válido e avançar em relação ao inválido) a Teoria Marxista do Valor, restrita à esfera produtiva. Se contabiliza o valor adicionado pela diferença entre o valor da produção (faturamento de empresas não-financeiras) e o consumo intermediário, não contabiliza o valor de mercado atribuído pelas expectativas futuras de valer mais no futuro, por exemplo, ativos como ações, divisas estrangeiras, imóveis, saldos ou estoques dados (existentes) de maneira geral. Esse valor apropriado é base da concentração da riqueza. No entanto, a Teoria do Valor-Trabalho afirma a mera troca de propriedade não acrescentar nenhum valor. Adiciona sim valor de mercado – e este é apropriado.
A produção de mais-valia constitui para marxistas a explicação essencial da luta de classes. Esta, mais cedo ou mais tarde, levaria à derrubada “necessária” do modo de produção capitalista. É espécie de determinismo histórico.
Os revisionistas, então, afastam a crença na revolução – um golpe de Estado – para a evolução democrática de um sistema complexo como é o capitalista. Ele tem múltiplos componentes interagindo permanentemente entre si, via mecanismos de mercado, instituições, normas sociais, leis, regras formais ou informais etc. Esta emergência o configura de distintas maneiras ao longo do tempo e lugares particulares. Por exemplo, há variedades de capitalismo, entre outros, o do livre-mercado, o do Estado e o da mistura em Estado de bem-estar ou de mal-estar social. Isto sem falar em particularidades étnico-nacionais.
Surgiu uma “classe média de renda”, cuja cultura consumista hoje é assumida pelos próprios trabalhadores manuais ou artesãos criativos por conta própria, inclusive proprietários de empresas (CNPJ) com ou sem sócios e empregados. É vista como uma prova de não ocorrer uma polarização da luta de classes binária (trabalhadora e capitalista) em direção a uma revolução capaz de destruir o sistema capitalista e erguer um socialismo democrático. Por exemplo, a massificação do Ensino Superior, o crédito para o consumo massivo de bens industriais antes considerados “de luxo”, o financiamento habitacional para condomínios populares, tudo isso ocorre em países capitalistas após a II Guerra Mundial em meados do século XX.
Houve a evolução de um capitalismo competitivo para um oligopolista ou monopolista com trustes e carteis. Mas a evolução sistêmica continua com a avaliação do custo de oportunidade financeiro de cada ação como fixar preço e estabelecer margens de lucro, crédito abundante para alavancagem financeira, ganhos de capital pelo fundador com elevação de participações acionárias, universalização dos meios de comunicação via redes de relacionamento social etc. Vão surgindo instrumentos propícios à maior capacidade de adaptação e enfrentamento das flutuações econômicas e políticas.
A auto-organização sistêmica não segue um processo linear, é mais caótico ao se afastar das condições iniciais sem se saber “onde vai parar”. Aliás, pararia inevitavelmente em um idílico mundo futuro do comunismo utópico? Ou em uma distopia?
Na Filosofia, os revisionistas se apoiam em um neoidealismo ao não se restringirem ao materialismo dialético. Immanuel Kant (1724-1804) propicia uma síntese entre o racionalismo continental, onde impera a forma de raciocínio dedutivo, e a tradição empírica inglesa, valorizadora da indução materialista. De acordo com o idealismo transcendental, todos nós trazemos formas e conceitos a priori, como os matemáticos, não obtidos com os sentidos, para examinar a experiência concreta do mundo.
Os revisionistas sentem a necessidade de poderes ideais, por exemplo, a luta social por conquista de direitos ao cumprir certas obrigações éticas, comportamentais e fiscais. Conjuntamente com construção de instituições reguladoras da economia de mercado, são motores da evolução sistêmica. A estratégia dessa luta deixa de ser uma súbita mudança revolucionária e passa a ser o gradualismo, lento ou rápido a depender das circunstâncias, em um processo incremental de luta em defesa de ideais éticos. A história deixa de ser vista com um processo causal, submetido a leis de movimento social necessariamente deterministas. Passa a ser vista como resultado de aspirações humanas para realização de suas ideias a respeito de justiça social.
A imagem dialética do mundo de tudo estar constituído à base de contradições e toda a evolução se achar condicionada por “luta” dos contrários não deve obscurecer o mundo real, onde há, em algumas conjunturas, conciliação de classes antagônicas, ou melhor, aliança temporária entre certos interesses comuns das castas de natureza ocupacional. As motivações, sejam econômicas, sejam políticas, não devem ser vistas como suspeitas, como é comum fazerem os marxistas extremistas, mas como pragmáticas por uma esquerda democrática.
Ao afastar leis e causas na história, os revisionistas rechaçam também a teoria marxista dos estágios inapeláveis: comunismo primitivo-escravismo-feudalismo-capitalismo-socialismo-comunismo ou “reino da abundância”, capaz de prover cada ser humano de acordo com suas necessidades. Eles enxergam o desenvolvimento socioeconômico em termos de um processo evolutivo no qual “o velho” se torna gradualmente “o novo” em um processo caótico sem equilíbrio e qualquer fim predeterminado.
O socialismo não substituirá o capitalismo por meio de uma revolução. Ele será superado, pouco a pouco, por um novo modo de produção e de vida, podendo até ser apelidado de socialista se for comunitário e cooperativo em substituição à economia de mercado. Mas deixa de haver uma meta final, esta se dissolve em movimento eterno. Meta, para os revisionistas, seria ideal abstrato, como a utopia crítica do mal-estar presente no capitalismo. Em última análise, o termo final (ou “paraíso”) é um mito.
Politicamente, a teoria evolucionária do desenvolvimento socioeconômico sustentada por revisionistas corresponde a um reformismo consequente e resistente contra a ideia de revolução violenta. Esta destrói sem construir uma democracia pacífica.
Se é necessária violência para a transformação – uma ditadura do proletariado –, o sintoma é o organismo social não estar maduro para a mudança. Haverá reação de anticorpos. A democracia supõe auto-organização social negociada em acordo coletivo ou contrato social estabelecido em uma Constituição justa com os direitos de maioria e das minorias. O socialismo democrático é conscientemente evolucionista e reformista.
Crédito da foto da página inicial: Yuri Kadobnov/AFP. Comemoração do 100º aniversário da revolução bolchevique, em Moscou.
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