A coligação PT, PCdoB, PROS, PCO registrou a chapa Lula-Haddad no TSE. O evento foi respaldado por uma marcha de apoiadores vinculados ao MST e por lideranças petistas. Afirmar a candidatura de Lula – objeto-chave da perseguição jurídico-política das forças golpistas, tendo sido o outro objeto-chave a deposição presidencial de Dilma Rousseff, em 2016 – é, simultaneamente, um ato de resistência democrática, no campo jurídico e político, e um ato de demonstração de força para a disputa especificamente eleitoral. Várias avaliações indicam que há uma boa chance de essa chapa chegar ao segundo turno.
Por um lado, a ação e a decisão políticas, provenham elas dos atores institucionais do Estado ou dos atores sociais, dependem dos recursos políticos disponíveis e utilizados, ou seja, dependem de poder. Por outro lado, apesar dos ataques sofridos e dos erros cometidos, o PT é a principal organização de esquerda no Brasil e a mais empoderada para levar à frente a resistência democrática contra o retrocesso político, econômico e social em curso no país, capitaneado pela ofensiva das forças que se alinham na direita neoliberal. E o maior trunfo individual do PT é Lula, líder inconteste da corrida presidencial. Por que o partido deveria se curvar, de antemão, ao arbítrio em curso? Para não atrapalhar os planos de quem se sente incomodado com a sua candidatura?
Como previsto, houve reação imediata das forças institucionais do bonapartismo-jurídico que, desde 2014-2015, emergiram – Sergio Moro, STF e MPF à frente – com a pretensão salvacionista de sanar a crise de legitimidade do Estado. Raquel Dodge, a Procuradora Geral da República, imediatamente entrou com pedido de impugnação da presença de Lula na chapa da esquerda competitiva, apoiando-se na Lei da Ficha Limpa: “Segundo a lei vigente, o cidadão que tenha sido condenado por órgão colegiado nos últimos oito anos perde a capacidade eleitoral passiva”, diz sua petição. Em outra frente da luta jurídico-política, os procuradores da força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba, pediram à juíza Carolina Lebbos, da 12ª Vara Federal de Curitiba, responsável pela execução da pena de Lula, a restrição de visitas de Fernando Haddad e Gleise Hoffmann, que são advogados e obtiveram procuração para defender o ex-presidente. No caso de Gleise, os procuradores querem a proibição de suas visitas a Lula, com base em decisão judicial de que parlamentares não podem exercer a advocacia.
Óbvio ululante: a condenação de Lula é, acima de tudo, política. A motivação política atropela o devido processo legal, tal como se deu no golpeachment: a deposição presidencial e a prisão de Lula são duas faces da mesma moeda. A perseguição de Moro ao ex-presidente é muito anterior à sua condenação. Houve vários abusos nos últimos anos, dois deles ocorridos em março de 2016, na conjuntura que desaguou no golpeachment: a condução coercitiva, dia 4, e a divulgação ilegal de conteúdo de grampo de telefônico entre Dilma e Lula, dia 16, que serviu de pretexto para Gilmar Mendes, monocraticamente, inviabilizar a posse do ex-presidente na Casa Civil. Não é o caso aqui de descrever todas as exceções jurídicas que envolvem os processos contra o líder das pesquisas eleitorais para o pleito presidencial que se aproxima. A defesa de Lula acionará os tribunais superiores (STJ, TSE e STF).
Parece imprópria a crítica de atores à esquerda do PT de que a sigla estaria presa à ilusão institucional. Entre este tipo de ilusão e a ilusão do levante das massas supostamente combativas comandadas por lideranças hipoteticamente autênticas e não burocratizadas há muito a ser explorado. A agremiação está combinando as frentes de ação sociopolítica, político-eleitoral e jurídico-política. O partido não está virando as costas para a esfera institucional e tampouco se curvando ao estado de exceção.
Ademais, cabe uma referência à crítica de Ciro Gomes de que a candidatura de Lula é uma fraude e uma manipulação do eleitorado. Mesmo preso, o líder petista é o primeiro colocado nas preferências eleitorais. Fraude e manipulação são as ações que a direita têm patrocinado contra a democracia, a começar por ela ter forjado um golpe, uma troca de governo por meio não previsto, apoiada em uma interpretação casuística e politizada da lei do impeachment, ao mesmo tempo em que vocaliza hipocritamente para a opinião pública que a deposição de Dilma foi legal. O custo dessa farsa tem sido o agravamento da crise de legitimidade do Estado, especialmente do sistema representativo. Fraude e manipulação estão também presentes na perseguição contra Lula, movida por ações jurídico-policiais altamente midiático-dependentes, em um país onde os meios de comunicação conformam oligopólios, apesar da Constituição proibi-los nesse setor de atividade. Ora Ciro Gomes critica o PT por ter aceitado Temer como vice-presidente de Dilma, em 2010 e 2014. Ora o mesmo candidato faz uma crítica legalista e formalista à candidatura de Lula. O candidato progressista Ciro Gomes acaba fazendo coro com a indignação da direita contra a candidatura da coalizão PT-PCdoB.
Críticas à parte, a conjuntura é de intensa luta política na frente jurídica e na frente político-eleitoral, sem prejuízo de outras formas de luta dos movimentos sociais, dos sindicatos etc. Há duas semanas, sete militantes estão em greve de fome, nas imediações do STF, em prol da liberdade de Lula. Recentemente, uma delegação de juristas e ativistas dos direitos humanos, tendo à frente Adolfo Pérez Esquivel, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, reuniu-se com a ministra Carmen Lúcia, presidente do STF, para pedir que seja respeitado o princípio constitucional da presunção de inocência, que, por decisão da Suprema Corte encontra-se violado, uma vez que a prisão após condenação em segunda instância está em vigor. A presidente do STF, em sintonia com os prazos e ritmos calculistas do processo de fraude e manipulação contra as instituições do Estado Democrático de Direito, está engavetando a necessária e já certa reavaliação da matéria.
Crédito da foto da página inicial: Ricardo Stuckert
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