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Renda mínima básica: um direito de todos

Novamente a economia mundial está atravessando por um período de desaceleração da atividade econômica. As previsões econômicas dos organismos internacionais (FMI, OCDE, OMC e UNCTAD) são as mais pessimistas possíveis. Quanto a isto, nada de novo. É da “natureza” do capital seu caráter antagônico, isto é, de um lado progressivo e de outro regressivo. Dito com outras palavras, ao mesmo tempo em que a acumulação capitalista modifica e transforma a sociedade, ela também aniquila e impõe a violência da destruição.

A crise é a contradição em processo das relações sociais. A crise é a expressão que caracteriza o regime capitalista de produção. É também na crise que o capital tende a se concentrar e centralizar com mais força. Porém, desta vez, com o anúncio da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o novo coronavírus (Covid-19) é diferente. Devido à sua capacidade de contágio, produziu uma combinação de crise sanitária, econômica e social sem precedentes na história recente.

A crise chegou ainda mais abruptamente do que se poderia imaginar. À medida que a crise sanitária avança, acaba condensando as contradições imanentes da produção capitalista, fazendo emergir a intervenção do Estado, para desespero pandêmico dos economistas austríacos fãs de Mises, Hayek e companhia limitada.

Com a declaração da OMS sobre a pandemia do Covid-19, diversos países, Estados e cidades paralisaram suas atividades econômicas e inibiram a circulação de pessoas. Na segunda quinzena de março, governadores e prefeitos decretaram quarentena para evitar o contágio. Com enorme capacidade de contaminação, o número global de casos confirmados de Covid-19 no mundo é de 1.309.439 e 72.638 mortes, até a tarde de 6 de abril de 2020. Até esta data, o Brasil confirmou 11.450 casos e 492 mortes, fora os casos subnotificados.

A nova doença provocada pelo Covid-19 vem despertando preocupação à população e comunidade científica. O novo vírus é dinâmico e hoje já temos no Brasil contaminação comunitária. Devido a sua enorme capacidade de contágio e consequências letais, “fique em casa” passou a ser a recomendação das autoridades sanitárias e públicas. Porém, o presidente Jair Bolsonaro, e seus seguidores, seguem contrariando as recomendações da OMS e dos infectologistas, mesmo com 76% da população apoiando o isolamento, segundo pesquisa Datafolha.

Devido à quarentena, o isolamento social acabou por interromper a produção, a circulação, a troca e o consumo de mercadorias, culminando assim em paralisia da atividade econômica. Desta forma, a articulação da instabilidade do investimento com a instabilidade dos portfólios negociáveis na bolsa de valores tem produzido uma série de crises e traumas sem precedentes na história econômica recente do mundo. Logo, Banco Central do Brasil (Bacen) zerou a expectativa da “vaca sagrada dos economistas” para 2020 de 2,21% para 0,02%.

No olho do furacão da crise econômica, social e sanitária, o governo brasileiro se exime de avaliar devidamente a importância de um programa de distribuição de renda pela tributação progressiva, taxação de remessa de lucros e dividendos e regulamentação do imposto sobre grandes fortunas. Assim como “não se pode fazer um calhambeque sem aço” (Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo), não se pode fazer justiça social sem tributar os ricos.

Em tempos de crise econômica, as desigualdades sociais e as injustiças se metamorfoseiam, principalmente, na periferia do sistema capitalista. A miséria e a pobreza não podem ser mais ignoradas pelas autoridades. Devido a isto, emerge cada vez mais a importância da constituição, pelo governo federal, de uma renda mínima vitalícia mensal de, no mínimo, dois salários mínimos a todos os trabalhadores brasileiros, isto porque a renda mínima é o direito inalienável dos trabalhadores receberem uma parcela da riqueza nacional. A renda mínima básica já foi instituída (Lei N.° 10.835, de 8 de janeiro de 2004) no Brasil, mas nunca implementada pelo governo federal.

Fundamentada no direito inalienável de justiça social e garantia fundamental, aqui, empresários, fazendeiros, banqueiros, agentes econômicos, funcionários públicos e até trabalhadores tendem a se manifestar contrários à proposta de uma renda mínima universal. Interpretam mal a renda mínima básica porque insistem em julgar os beneficiários como “vagabundos”.

Para ilustrar este ponto, diria que se os fazendeiros são beneficiados com subsídios financeiros bilionários dos bancos públicos, os empresários acariciados com generosas desonerações tributárias da União e dos Estados, os banqueiros contemplados com medidas de trilhões de reais de socorros pelo Bacen, os agentes econômicos favorecidos com os juros e amortização da dívida pública nacional, o funcionalismo público com estabilidade e gratificações, por que o trabalhador brasileiro em situação de vulnerabilidade não tem o direito de receber uma renda mínima cidadã?

Se, pelo menos, cada um dos 75 milhões de brasileiros inscritos no Cadastro Único (CadÚnico) passar a ter o direito de receber do governo federal uma renda mínima básica de dois salários serão necessários R$ 156 bilhões, isto é, 2,16% do PIB. Nada impossível para a nona maior economia do mundo.

De qualquer forma, este valor (R$ 156 bilhões) está muito abaixo dos R$ 382 bilhões (5,21% do PIB) pago pela União com juros da dívida aos acionistas, dos R$ 306 bilhões (4,12% do PIB) de impostos federais renunciados em favor do empresariado e dos R$ 1,2 trilhão (16,71% do PIB) anunciado pelo Bacen aos banqueiros. A síntese é: socialismo para os ricos e capitalismo para os pobres. Numa analogia a Harper Lee, o sol não é para todos.

No que se refere à renda mínima básica, ela é um princípio justiça social que é negado pela violência da exclusão capitalista a mais de 50% da população brasileira. O tecido social de nosso país está esfarrapado, destruído pela ferocidade da meritocracia capitalista e pelo individualismo egocêntrico dos coaching. Isto sem considerar a precariedade das relações trabalhistas e o direito previdenciário negado, que constituem um verdadeiro abismo da degradação humana.

Portanto, a renda mínima básica vitalícia de, no mínimo dois salários, ainda mais em tempos de Covid-19, é capaz de garantir segurança alimentar, moradia e o mínimo de dignidade humana.

Crédito da foto da página inicial: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

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