A Proposta de Emenda à Constituição número 287 cumpre os objetivos da agenda neoliberal, de um projeto político que foi derrotado pelo povo brasileiro nas últimas quatro eleições presidenciais, mas que insiste em atropelar a vontade popular e consolidar um golpe contra a sociedade brasileira e a democracia.
Ao contrário do que argumentam os seus defensores, a reforma não tem nenhuma relação com a sustentabilidade do nosso modelo de proteção social, mas sim com o seu desmonte, sua total destruição. Manipulam os dados e as informações para convencer a sociedade de que “ou fazemos a reforma, ou a Previdência Social acaba”.
O que está escondido por trás dessas medidas é a real disputa pelos recursos da União. Nos Governos do Presidente Lula e da Presidenta Dilma, houve a clara decisão de colocar os pobres no orçamento e destinar recursos para a proteção social dos trabalhadores, fortalecendo a Previdência Social, a Saúde e a Assistência Social como políticas essenciais, consolidando o conceito de Seguridade Social, inserido na Constituição de 1988. Agora, através do Golpe midiático-parlamentar, buscam reverter essa decisão e retomar a agenda neoliberal de concentração de renda e riquezas do país para as mãos de poucos privilegiados e retirar direitos sociais e trabalhistas, duramente conquistados através de décadas de lutas.
O verdadeiro objetivo das medidas propostas é privilegiar o modelo privado de previdência, que desprotege o trabalhador mais pobre e gera enormes lucros aos Bancos e aos donos do capital especulativo. Nesse contexto, somam-se as medidas neoliberais de precarização das relações trabalhistas, aumentando o desemprego e a pobreza no país.
A PEC 287 foi elaborada sem discussão alguma com os atores sociais, especialmente com os representantes dos trabalhadores urbanos e rurais e com os aposentados e pensionistas. Foi construída a toque de caixa, sob o pretexto de um déficit incontrolável e ameaçador das contas públicas. Falso pretexto, pois não há descontrole nas despesas, já que elas têm se mantido estáveis, apenas com crescimento vegetativo natural. O que acontece de fato é uma queda brutal na arrecadação das contribuições previdenciárias, fruto da crise econômica que vivemos, a qual não é responsabilidade dos trabalhadores. Para estancar a queda de arrecadação, precisamos de crescimento econômico, geração de empregos e distribuição de renda, tendo o estado como indutor desse crescimento e não da recessão.
As novas regras contidas na PEC atacam duramente tanto os atuais como os futuros trabalhadores, em especial as mulheres e os rurais. Atinge de forma muito cruel os deficientes e idosos pobres que recebem o Benefício de Prestação Continuada – BPC/LOAS e aniquilam os direitos de várias categorias de profissionais, conquistados por anos de lutas, como professores do ensino fundamental e policiais.
As discussões sobre o nosso modelo de proteção social são necessárias como forma de democratizar as informações e provar sua viabilidade. Em todas as partes do mundo se discute formas de garantir proteção previdenciária aos trabalhadores e suas famílias, e o embate tem sido bastante duro entre os interesses do capital e os direitos da sociedade.
Precisamos responder a alguns questionamentos que são utilizados de maneira distorcida pelos interessados no desmonte das políticas sociais, dentre eles:
Há déficit na Previdência Social?
Qual a diferença entre Seguridade Social e Previdência Social?
As aposentadorias são precoces?
Quais são as fontes de financiamento?
Elas são utilizadas corretamente?
Os devedores são cobrados efetivamente?
São necessárias outras fontes de financiamento?
Nosso modelo de proteção social é seguramente um dos mais abrangentes e eficientes do mundo. Baseia-se na solidariedade e no pacto entre gerações, onde os trabalhadores da ativa contribuem para custear os benefícios de quem já não consegue se manter no mercado de trabalho, seja por idade avançada, viuvez ou por incapacidade ocasionada por doença ou acidente. Mais de 70% dos benefícios pagos pela Previdência Social têm valor igual ao salário mínimo. A idade média das aposentadorias por tempo de contribuição é de 55 anos, entre homens e mulheres, e correspondem a cerca de 25% do total de benefícios de aposentadoria. No entanto, são apenas 6% do total de benefícios da Previdência. Esses são apenas alguns elementos que desmontam a tese de falência do nosso sistema.
É verdade que a melhoria da qualidade de vida da nossa população, os avanços da medicina e a evolução tecnológica tem permitido o aumento da nossa longevidade. Além disso, a forte redução da taxa de natalidade e o envelhecimento da população também são fenômenos observados na sociedade, que também impõem desafios ao modelo atual.
Mas é de fundamental importância compreendermos a enorme diferença entre enfrentar os desafios da transição demográfica, com envelhecimento da população e aumento da longevidade, e a pura e simples retirada de direitos a que se propõe a PEC 287. Essa transição é gradual e por isso exige tempo e necessidade de debate com todos os atores da sociedade, afinal, uma política de proteção social tão importante como a nossa Previdência, construída ao longo de mais de 100 anos de lutas, não pode sofrer uma mudança brutal sem discussão com os interessados.
Para enfrentar esses desafios com transparência e de forma democrática, tanto o Presidente Lula, em 2007, quanto a Presidenta Dilma, em 2015, editaram Decretos criando o Fórum Nacional de Trabalho e Previdência Social, com a participação de Trabalhadores, Empregadores, Governo e Aposentados e Pensionistas, para debater profundamente nosso modelo de proteção social e encontrar mecanismos para garantir sua sustentabilidade, com a premissa de não retirar ou reduzir direitos conquistados através de anos de reivindicações e lutas.
Essas discussões trouxeram luz ao tema e ajudaram a desfazer enormes confusões conceituais acerca dos caminhos a serem trilhados, reafirmando a confiança na viabilidade do nosso modelo de proteção social e apontando a necessidade de atualizarmos sim as regras de acesso e manutenção dos benefícios da Previdência Social, mas não com o objetivo de enfraquecê-los ou mesmo destruí-los, e sim com o claro propósito de consolidar sua capacidade de proteção à nossa sociedade.
* Carlos Eduardo Gabas é ex-ministro da Previdência Social
Crédito da foto da página inicial: Valter Campanato/Agência Brasil
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