O mês de maio tem grande significado histórico para a comunidade negra nacional e internacionalmente. Trata-se do mês em que foi abolida a escravidão formalmente no Brasil, dia 13 de maio de 1888, e do mês em que comemoramos 25 de maio de 1963, quando é celebrado o Dia Mundial da África, fato que representou a unidade africana e Afrodiaspórica na luta contra o colonialismo e o neocolonialismo. A população brasileira reconhece o 13 de maio como um mero ato oficial, mas não como um ato de simbolismo nacional na formação de um povo, e pouco conhece o 25 de maio, um ato em defesa da África e dos descendentes de africanos no mundo.
Todos sabem, a opressão à população negra (e parda) brasileira continuou no dia 14 de maio e até hoje lutamos por liberdade, dignidade e sobrevivência, mesmo com os importantes avanços nas políticas de ação afirmativa. Sabem, outrossim, que o processo africano de independência ainda não se realizou plenamente, devido às divisões nacionalistas perpetradas pelas políticas imperialistas europeia e estadunidense. Porém, tais processos não se movem apenas no interior dos países. Há uma geopolítica do racismo a ser combatida. O fio condutor da luta contra a opressão negra é, nesse sentido, internacionalista. Daí o “maio negro” ser, principalmente, um mês de lutas pela unidade dos povos contra o racismo e suas formas de opressão.
O maio negro neste ano de 2020 foi muito especial por duas razões fundamentais. A explosão de mortes pelo coronavírus nas periferias das grandes cidades e o protesto de milhares de pessoas denunciando mais um crime hediondo contra negros. Nesse contexto, dois casos expuseram a forma como opera o genocídio, seja pelo descaso com que a pandemia do Covid-19 é tratada pelo Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, seja pelos crimes perpetrados pela ação de policiais, no Brasil e nos EUA. O primeiro foi no dia 18 de maio, João Pedro, jovem negro de 14 anos, durante uma operação policial no Salgueiro (RJ), teve sua casa alvejada por 74 tiros, onde um deles atingiu fatalmente o jovem.
O outro, no dia 25 de maio, dia Mundial da África, George Floyd foi abordado pela polícia de Minneapolis (Minnesota, EUA) e o policial Derek Chauvin imobilizou e sufocou Floyd durante 9 minutos até este falecer. Floyd estava na rua e comprou cigarros com uma nota falsa; João Pedro brincava no quintal de casa, estava em isolamento.
Os negros no Brasil são pouco ouvidos pela imprensa, mas a voz de Floyd ecoou a frase que aqui quase não se houve: “não consigo respirar”. A ativista negra estadunidense Tamika Mallory foi clara ao dizer que aquela frase dizia respeito a toda comunidade negra, historicamente descartada, sufocada e assassinada. As mortes de João Pedro (Brasil) e George Floyd (EUA) são dois exemplos recentes, mas não são os únicos, em que as estruturas do Estado coagem e eliminam a população negra, sobretudo homens negros.
É importante chamar a atenção para a fala da ativista Mallory quando afirma: “Façam valer o que vocês dizem sobre esse país ser uma terra livre para todos”. A frase penetrou fundo porque as pessoas se deram conta que o modelo de democracia estadunidense é um faz de conta. Mallory denuncia a violência que estrutura as relações dos aparelhos do Estado com a população negra quando diz (e aqui faço uma tradução livre) que em vez de pagar instigadores da violência nas manifestações de rua, infiltrando-os entre a gente, prendam os policiais. Indiciem os policiais em todas as cidades onde o nosso povo está sendo assassinado. Vocês são os saqueadores. Nós aprendemos violência com vocês. Em resumo, impeçam a barbárie.
O maio negro produziu, a partir desses fatos e falas, uma série de protestos nos EUA e mundo afora sob um slogan unificador: Black Lives Matter ou “Vidas Negras Importam”. Mas, no Brasil, infelizmente a mobilização ainda é tímida, mesmo tendo acontecido uma série de casos semelhantes ao de George Floyd e até piores, especialmente quando são crianças que se tornam alvo das armas de policiais. A frase cínica que é ouvida por aqui quando uma criança negra morre da bala policial é a seguinte: “para se fazer uma omelete é preciso quebrar os ovos”. Ou seja, para enfrentar a violência, é preciso agir com a violência mais brutal possível porque, segundo esses agentes do ódio, violência se combate com violência maior. O que justifica a morte de crianças negras ou de qualquer criança? É a covardia e a crueldade? Somente uma sociedade brutalizada mata seus filhos. Uma mobilização contra o racismo no Brasil e em outros países se justifica por várias razões, mas sobretudo do ponto de vista civilizatório.
Todos queremos respirar! Não os pesares do mundo, mas novas perspectivas de mundo. Respirar para nos mantermos vivos, para manter a esperança, para cuidar dos filhos, para trabalhar e estudar em paz, para tomar a democracia em suas faces reais, para fazer as mudanças que impeçam o encarceramento em massa, o feminicídio, a homofobia, o preconceito e o racismo. A população negra seguirá construindo uma nova utopia coletiva e abrindo uma nova etapa civilizatória. Aos que querem nosso luto, oferecemos luta pela vida. Follow us! Acompanhe-nos!
Crédito da foto da página inicial: Pedro Nelgri/Agência de Notícias das Favelas (ANF)
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