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Quem é quem no organograma agrário e ambiental do novo governo

Medidas tomadas nestes primeiros dias de janeiro dão o tom e a direção do novo governo nas áreas socioambiental e agrária. Apesar das mudanças drásticas, há que se registrar que não há espanto, afinal todas ou quase todas as medidas haviam sido anunciadas na campanha eleitoral e no período de transição.

A medida provisória (MP) 870, publicada em 2 de janeiro de 2019, e os posteriores decretos sobre pastas específicas, definiram nova estrutura governamental com 22 ministérios e 19 secretarias especiais. A fusão de ministérios e a criação dos chamados superministérios – Economia, Agricultura, Cidadania – não resulta propriamente em redução da máquina e da burocracia. Vale mencionar, por exemplo, que o Ministério da Cidadania, antigo Ministério do Desenvolvimento Social, que anexou Cultura e Esportes, prevê em sua estrutura até 19 secretarias. Da mesma forma, o novo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que anexou a antiga secretaria especial da Pesca, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário (Sead), por sua vez ex-Ministério do Desenvolvimento Agrário, conta agora com sete secretarias.

A nova responsável pelo Mapa é a deputada federal Tereza Cristina (DEM-MS), atual presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), uma das maiores agremiações do Congresso, que conta com 44% dos deputados e 33% dos senadores. A deputada é também conhecida como Musa do Veneno, devido ao trabalho desenvolvido na presidência da Comissão Especial da Câmara dos Deputados que aprovou o Projeto de Lei (PL) 6.299/2002 de autoria do então senador e ex-ministro da agricultura de Michel Temer, Blairo Maggi, de liberação do uso de agrotóxicos, conhecido como PL do Veneno.

Tereza Cristina foi ainda relatora da MP que criou o Refis do Funrural, medida que refinanciou e anistiou dívidas dos fazendeiros com o Fundo de Apoio ao Trabalhador Rural, aprovada em 2018; uma das autoras do pedido da criação da CPI da Funai/Incra e sub-relatora para a questão indígena da mesma CPI. Filiada ao PSB até outubro de 2017, a deputada migrou para o Democratas e capitaneou o apoio dos ruralistas à campanha de Jair Bolsonaro ainda no primeiro turno das eleições de 2018, contrariando a decisão de seu partido em apoiar o PSDB de Alckmin.

Sua indicação para a Secretaria Executiva do Mapa é o ex-deputado federal Marcos Montes (PSD/MG), que concorreu a vice na chapa de Antonio Anastasia (PSDB) ao governo de Minas Gerais em 2018. Membro da bancada ruralista, Montes é ex-presidente da FPA e um dos autores do PL 6.787/2016 que solicitou abertura da polêmica Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai e do Incra. Foi também vice-presidente da Comissão Especial que analisou o PL 1.610/1996, de autoria do então senador Romero Jucá (MDB/RR), que dispõe sobre atividades de mineração em áreas indígenas.

Para as demais sete secretarias do Mapa foram indicados nomes alinhados à FPA. A secretaria de Inovação, Desenvolvimento Rural e Irrigação será comandada por Fernando Silveira Camargo, conterrâneo da Ministra, ex-funcionário da Caixa Econômica Federal, do Tribunal de Contas da União do Mato Grosso do Sul (TCU-MS) e do Supremo Tribunal Federal (STF) na presidência do então ministro Joaquim Barbosa.

Jorge Seif Junior é o novo secretário de Agricultura e Pesca, empresário catarinense do setor da pesca, Seif é dono de terminal pesqueiro e de embarcações.

A secretaria de Comércio e Relações Internacionais ficou com o economista e diplomata Orlando Leite Ribeiro, que já ocupou o cargo de diretor do Departamento de Promoção Comercial e Investimentos do Ministério das Relações Exteriores.

Para a secretaria de Política Agrícola foi indicado Eduardo Sampaio Marques, engenheiro agrônomo e ex-secretário de defesa agropecuária do Mapa desde agosto de 2017.

A indicação da secretaria de Defesa Sanitária é José Guilherme Tollstadius Leal, que desde janeiro de 2018 ocupava a chefia de gabinete da secretaria de Defesa Agropecuária do Mapa e é ex-presidente da Emater e ex-secretário de Agricultura do Distrito Federal.

Para a secretaria de Assuntos Fundiários, que abarca a gestão do Incra, foi indicado Luiz Alberto Nabhan Garcia, pecuarista e presidente da União Democrática Ruralista (UDR). Sua indicação rendeu comentários críticos, que apontam situação semelhante ao que seria “uma raposa cuidando do galinheiro”, em referência a um ruralista responsável pela pasta da reforma agrária.

Também está a cargo do ruralista a identificação e demarcação das terras indígenas e quilombolas. Por fim, a secretaria da Agricultura Familiar e Cooperativismo (ex-Sead e MDA) está com Fernando Henrique Kohlmann Schwanke, engenheiro florestal de formação, antigo superintendente regional da Companhia de Pesquisas e Recursos Naturais de Santa Catarina, ex-prefeito de Rio Pardo (RS) e indicado pelo deputado ruralista Alceu Moreira (MDB/RS), que presidiu a CPI Funai/Incra.

Conforme Decreto 9.9667/2019, esta secretaria deverá ter quatro departamentos, cujas indicações não foram publicizadas até o momento. São eles: i) Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater); ii) Cooperativismo e acesso a mercados; iii) Estruturação produtiva; e iv) Gestão e crédito fundiário. Vê-se, portanto, que estão ausentes muitos dos temas construídos e apoiados durante os governos Lula/Dilma, fruto da luta de movimentos sociais do campo. Não há lugar previsto para as agendas e os sujeitos ligados à agroecologia, aos povos e comunidades tradicionais, às mulheres rurais, à juventude do campo, das florestas e das águas, bem como à política de desenvolvimento territorial.

A indicação para a Presidência do Incra ainda não foi anunciada. Já o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), até então pertencente ao MMA, tem como novo diretor Valdir Colatto (MDB/SC), deputado federal não reeleito no pleito de 2018. Colatto é membro atuante da bancada ruralista e autor do PL 6.268/2016, que, dentre outras medidas, visa a liberar a caça de animais silvestres, proibida em todo o território nacional desde 1967. Pouco conhecido, o SFB é um órgão estratégico do governo federal, pois além de gerir a concessão das florestas públicas, é responsável pela gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR), instituído pelo novo Código Florestal de 2012. Na prática, o SFB detém o controle dos dados fundiários de todo o território nacional.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) foi deslocada do Ministério da Justiça para o novo Ministério das Mulheres, Família e Direitos Humanos. Mudança que tem sido apontada como um enorme retrocesso na política indigenista brasileira. No entanto, a parte de licenciamento ambiental desempenhada pela Funai foi para o Mapa, medida essa que atende pedido antigo dos ruralistas.

No que diz respeito às superintendências regionais do Ministério da Agricultura nos estados, a novidade foi a revogação do Decreto 8.762/2016, que exigia a nomeação de servidores para o comando das superintendências. Tal exigência havia entrado em vigor em maio de 2017, dois meses após a deflagração da Operação Carne Fraca.

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), criado ainda no governo FHC, seguiu com a antiga Sead, agora secretaria da Agricultura Familiar e Cooperativismo, para o Mapa. Porém não houve manifestações oficiais sobre a situação orçamentária e o funcionamento do Conselho, que já havia sido bastante esvaziado e descaracterizado desde a publicação do Decreto 9.186/2017, que alterou a composição, a estrutura, as competências e o funcionamento do Conselho, na contramão dos interesses das organizações da sociedade civil do campo.

A Secretaria de Patrimônio da União (SPU) migrou junto com o Ministério do Planejamento para o novo Ministério da Economia. O indicado para a pasta é Sidrack Correia Neto, tido como afilhado político de Romero Jucá, que já ocupava o mesmo cargo no governo Temer. Responsável pela gestão dos imóveis (rurais e urbanos) da União, a SPU é estratégica para os planos do Ministro Paulo Guedes, que pretende vender imóveis da União para fazer caixa, conforme já vinha sendo anunciado desde a campanha eleitoral.

Ainda ligados à pauta ambiental e agrária, há que se destacar a desidratação do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o enfraquecimento de políticas e ações ligadas à segurança alimentar, à agroecologia e aos direitos dos povos originários e tradicionais. Cogitou-se inclusive a extinção do MMA, o qual permaneceu de pé após mudanças que o colocaram na condição de linha auxiliar do agronegócio. Tal alteração de rumo pode ser comprovada pelas decisões de desvinculação da Agência Nacional de Águas (ANA) do MMA; a extinção das secretarias de Extrativismo, Desenvolvimento Rural e Combate à Desertificação; e Articulação Institucional e Cidadania, esta última responsável pela interlocução do MMA com a sociedade civil; bem como da extinção do Departamento de Educação Ambiental.

A migração do SFB para o Mapa foi outra mudança muito sentida. A indicação do nome de Ricardo Sales para a pasta do MMA é mais um indício do enfraquecimento da agenda ambiental na Esplanada. Ex-secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo na administração de Geraldo Alckmin (PSDB), Sales tem defendido uma política mais voltada às áreas urbanas e assegurou não trazer problemas aos colegas do agronegócio.

A primeira medida do novo presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão ligado ao MMA, Ricardo Bim, foi garantir o licenciamento ambiental automático para a agricultura do agronegócio. Bim também já anunciou que pretende acabar com o chamado ato tendente, garantido pela lei dos crimes ambientais (Lei 9.605/1998), que coíbe e prevê sanções penais para práticas tendentes à retirada, extração, apreensão e captura de espécimes dos grupos de peixes, crustáceos, moluscos, entre outros.

A nova administração do MMA relativiza assuntos ligados à agenda das mudanças climáticas e flerta com interpretações do tipo negacionistas. Ainda que não tenha sido anunciada a saída do Brasil do Acordo de Paris, o país já informou que não deverá sediar a próxima Conferência do Clima – COP 25 – que ocorrerá em novembro próximo.

No que diz respeito às políticas de segurança alimentar, ressalta-se o limbo em que se encontra o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), após a revogação de incisos e artigos da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan) pela MP 870. A revogação extingue o Consea e, a despeito de manifestação contrária do Ministro da Cidadania, Osmar Terra, não aponta a nova casa do Conselho, bem como as fontes de recursos para sua manutenção. Criado em 1993 pelo governo Itamar Franco, o Consea havia sido extinto por FHC em 1994 e recriado por Lula em 2003. A partir de então foi protagonista na estruturação de toda a política de segurança alimentar e nutricional brasileira, de amplo reconhecimento internacional e responsável pela retirada do Brasil do Mapa da Fome da FAO/ONU em 2014.

A política de agroecologia e produção orgânica, que data de 2012, também foi colocada no limbo, não tendo sido mencionada nenhuma ação referente à Política ou ao Conselho Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo) na MP e nos decretos subsequentes. O mesmo ocorreu com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), um dos mais importantes programas de apoio à agricultura familiar e de garantia do abastecimento alimentar do país, o qual também não se encontra previsto na estrutura de nenhum órgão do governo.

Por fim, destaca-se que se encontra na mesma condição de indefinição a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae). Com o fim do Ministério do Trabalho, terá sido extinta a Comissão responsável pela publicação da lista suja do trabalho escravo no país?

As medidas estão publicadas, a equipe está indicada. Não há porque ter dúvidas sobre o lado da nova administração federal do país. Protagonista das turbulências políticas que levaram ao golpe da Presidenta Dilma em 2016, a bancada ruralista conseguiu se organizar para ditar a agenda de retrocessos durante o governo Temer. Tudo indica que no governo de Jair Bolsonaro o peso dos ruralistas não foi apenas mantido, como se ampliou em termos de cargos e influência política.

Não existe mais a disputa interna entre agronegócio e agricultura familiar que teve lugar nos governos Lula e Dilma, ou até antes, desde 1996, com a criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário em resposta ao massacre de Eldorado dos Carajás. A agenda da produção agrícola em larga escala é um dos carros chefe do novo governo e está assegurada por aliados em outras pastas ministeriais.

Travas ambientais, trabalhistas e de reconhecimento de direitos humanos ligadas aos povos do campo, das florestas e das águas foram retiradas no plano institucional. Estas e outras medidas – como a liberação da posse de armas em áreas rurais pelo Decreto 9.685/2019 – autorizam todo tipo violência de fazendeiros contra posseiros, pequenos agricultores, assentados e acampados da reforma agrária, quilombolas e indígenas nos territórios e rincões de nosso país.

Crédito da foto da página inicial: Arquivo Agência Brasil/Rede Brasil Atual

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