No último dia 26 de setembro, a editora Fundação Perseu Abramo lançou o livro “Crescer e distribuir é possível! Confrontando a narrativa golpista sobre a economia e o PT”, uma publicação oportuna para este período eleitoral, que pode ser baixada gratuitamente (veja o link no pé do artigo).
São 28 artigos escritos pelos economistas Eduardo Fagnani (doutor em Economia pela Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho, CESIT-UNICAMP), Gerson Gomes (membro do Conselho do Centro de Altos Estudos do Brasil para o Século 21, assessor econômico no Senado e na Câmara dos Deputados) e Guilherme Mello (professor do IE-Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica, CECON-UNICAMP). O livro contou ainda com a participação especial da jornalista e cientista política Maria Inês Nassif.
Selecionamos um dos artigos para reproduzir aqui, “O desastre econômico e social veio com Temer e Bolsonaro” (pág. 109). Leia a seguir:
O desastre econômico e social veio com Temer e Bolsonaro
Depois de a oposição ter apostado suas fichas no golpe e na instabilidade política, os governos Temer e Bolsonaro radicalizaram a agenda neoliberal e mergulharam o país na mais grave crise socioeconômica e sanitária da história. Assim, se tornou claro que as promessas e narrativas dos que apoiaram a farsa do impeachment não se cumpriram.
Atualmente, o Brasil atravessa a maior crise socioeconômica da sua história. Já fracassaram espetacularmente todas as muito alardeadas ‘certezas’ de que o afastamento sem crime de responsabilidade, de uma presidenta eleita democraticamente, geraria nos investidores algum ‘choque de confiança’, do qual havia quem esperasse que, milagrosamente, recuperasse a economia.
Com o golpe, a agenda neoliberal foi retomada, e hoje só se vê avanço no desmonte do Estado de bem-estar social, na destruição dos instrumentos do Estado desenvolvimentista e nas mais ensandecidas ameaças contra o Estado Democrático de Direito.
O Brasil só não foi à bancarrota porque pôde recorrer aos mais 360 bilhões de dólares de reservas externas deixadas pelo Partido dos Trabalhadores (PT). São essas reservas que, ainda, mantêm o país em posição credora em moedas internacionais, a despeito da deterioração ocorrida nos últimos anos. Nos governos Temer e Bolsonaro, por conta da ortodoxia liberal, a economia permanece estagnada. O PIB de 2020 (dólares correntes) retrocedeu ao patamar de 2007. Na comparação internacional, saímos da 6ª (governo Lula) para a 12ª economia do mundo. O PIB per capita de 2020 retrocedeu ao patamar de 2009. A taxa de investimento caiu de 20,9% do PIB (2013) para 14,6% do PIB (2017) e 16,4% do PIB (2020), mesmo nível observado em 2003. O crédito público caiu sensivelmente, com destaque para o financiamento do BNDES que declinou de 188 bilhões de reais (2014) para 64 bilhões de reais (2020), recuando aos parâmetros de meados da década de 2000.
A dívida pública líquida passou de 33,8% do PIB (2013) para 67% do PIB (2020), patamar superior ao verificado em 2002 (60% do PIB). A escalada da dívida bruta também impressiona. Em cinco anos ela passou de 65,5% do PIB (2015) para 89,2% do PIB (2020), um acréscimo de 23,7 pontos percentuais. A geração de superávit primário, perseguido e alcançado ao longo dos governos petistas (média anual de 3,5% do PIB, entre 2003/2015) contrasta com os elevados e consecutivos déficits primários registrados nos governos de Temer e Bolsonaro (média anual de -1,6% do PIB entre 2016 e 2020).
No tocante ao resultado nominal, os governos Temer e Bolsonaro fizeram com que o déficit saltasse para -7,4% do PIB, em média, entre 2016-2019, quase o dobro da média anual verificada durante os governos do PT (-3,86% do PIB entre 2003-2015).
A inflação projetada para 2022 é uma das maiores do mundo, e devora o poder de compra das camadas pobres. A inflação atingiu 12,1% no acumulado em 12 meses em abril de 2022. Entre as economias do G20, o Brasil tem a quarta maior inflação atrás, apenas, da Rússia, que sofre sanções relacionadas à guerra, Turquia e Argentina. Entre as economias das Américas, o Brasil, a terceira maior inflação, atrás apenas de Venezuela e Argentina (1).
A despesa com pessoal e encargos sociais, após cair, progressivamente, para 3,8% do PIB (2014), volta a subir para 4,3% do PIB em 2020. O Gasto Social Federal Total como proporção do PIB caiu de 17,5% (2015) para 13,7% (2018).
Com a estagnação da economia, houve destruição de postos de trabalho com carteira assinada e aumento dos postos de trabalho precários. A taxa de desemprego do Brasil deve ficar entre as maiores do mundo em 2022. No ranking, que inclui as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) para um conjunto de 102 países, o Brasil aparece com a 9ª pior estimativa de desemprego no ano (13,7%). É a 2ª maior entre os membros do G20 – atrás só da África do Sul (35,2%) (2).
O governo Temer marca o aumento da população estrutural de desempregados. Em mais de 20 anos desde o Plano Real, a população absoluta de desempregados oscilou entre 4 e 9 milhões de pessoas; este número saltou para quase 14 milhões em 2017 e mantêm-se perigosamente estável, com ligeira redução no último ano.
O novo contingente de desempregados no Brasil demanda políticas públicas e programas políticos distintos, pois cresce a dinâmica própria da vida para o desemprego – entendida como desalento ou desemprego de longa duração – de parte expressiva da população economicamente ativa, uma porta de entrada irresistível às formas precárias e à superexploração do trabalho.
Nos governos Temer e Bolsonaro, número de desalentados subiu mais de três vezes entre 2015 (1,6 milhões) e 2020 (5,5 milhões); e a taxa de subutilização da força de trabalho mais que dobrou entre 2014 (14,9%) e 2020 (32,0%). O baixo crescimento e seus reflexos no mercado de trabalho, combinado com a reforma trabalhista implantada por Temer, que reduziu direitos laborais e sindicais, fez com que a “necessidade de financiamento” da Previdência Social quadruplicasse entre 2014 (72 bilhões de reais) e 2020 (296 bilhões de reais).
A pobreza e a desigualdade da renda do trabalho voltaram a subir e o Brasil voltou a entrar no Mapa da Fome da ONU (do qual havia saído no ciclo petista): em 2020, a insegurança alimentar atingia 55,2% da população total (116 milhões de pessoas); em 2013, atingia 22,6%.
Assim se vê que a agenda neoliberal para cuja retomada o golpe foi concebido e praticado, só tem promovido ameaças contra o Estado democrático de direito; só contribuiu para desmontar o Estado de bem-estar social, para suprimir direitos trabalhistas e previdenciários, para restringir a capacidade de atuação do Estado e para facilitar a privatização de empresas estratégicas. A farsa do impeachment, e a narrativa falaciosa que a engendrou, deu voz a uma extrema direita obscurantista, gerou um Estado autoritário, promoveu o arbítrio e a perseguição política e dividiu a Nação. Como mencionado, o Brasil só não voltou a quebrar nos governos Temer e Bolsonaro por conta das reservas cambiais acumuladas pelos governos do Partido dos Trabalhadores (PT).
Assim, a suposta “crise terminal” da economia provocada pelo “populismo” petista não passa de delírio, sem qualquer confirmação em indicadores econômicos e sociais. O que se observa é uma dupla crise econômica e sanitária provocada pela interrupção abrupta e ilegítima do governo Dilma, a restauração neoliberal de Temer e o governo negacionista de Bolsonaro.
O livro está disponível para download. Baixe aqui.
Referências:
(1) “Brasil tem 3ª maior inflação ao consumidor das Américas”. Folha de S.Paulo, 11.mai.2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/05/brasil-tem-3a-maior–inflacao-ao-consumidor-das-americas.shtml.
(2)Ver “Taxa de desemprego do Brasil deve ficar entre as maiores do mundo em 2022”; ranking. Globo, 28.abr.2022. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/04/28/taxa-de-desemprego-do-brasil-deve-ficar-entre-as-maiores-do-mundo-em-2022-veja-ranking.ghtml
Crédito da foto da página inicial: Nara Quental (grafite/cartaz do “Beco do Batman”, em São Paulo)
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