A inércia nos empurra para um futuro próximo pouco animador. É o que indica o cenário Vai Levando, concebido no âmbito do projeto Brasil 2035, cujo resumo se pode assistir no vídeo abaixo. O projeto Brasil 2035 mobilizou cerca de 880 especialistas da academia, da sociedade civil e da administração pública em oficinas presenciais e consultas virtuais sobre possíveis caminhos para que tenhamos um país desenvolvido, com uma sociedade mais livre, justa e solidária.
A iniciativa foi coordenada pela Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento (Assecor) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e contou com o apoio de instituições como CGEE, Embrapa, BNDES, Petrobras, Fiocruz e Previ, entre outras, na elaboração de quatro cenários prospectivos. Os achados da iniciativa estão disponíveis aqui.
Nesse cenário batizado de Vai Levando prevalecem no país a fragmentação social e a cultura curto-prazista, resultando em retrocesso social e manutenção da economia tradicional primário-exportadora. Dois outros cenários apresentam avanços parciais: Crescer é o Lema tem como foco o crescimento econômico, sem maiores preocupações com inclusão social; enquanto no Novo Pacto Social prevalece o enfrentamento da dívida social, sem que se consiga estimular o dinamismo econômico e a geração de emprego e renda. Já no cenário Construção as agendas social e econômica convergem, estabelecendo os alicerces para o surgimento de uma sociedade mais inclusiva, dinâmica e inovadora.
O estudo mostra que estratégias de desenvolvimento focadas no crescimento econômico, sem a devida atenção à inclusão social, tendem a apresentar avanços modestos. Da mesma forma, estratégias focadas na inclusão social, que não promovam a dinamização da economia, tendem a ser insuficientes. Afinal, neste caso a aposta nas políticas sociais é prejudicada pela insuficiência de recursos para financiá-las, tendo em vista que as atividades econômicas realizadas no país continuariam pouco inovadoras, com baixa capacidade de geração de emprego, renda e arrecadação tributária.
É possível, no entanto, fazer convergir as políticas sociais e econômicas em torno de uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo que integre ainda as dimensões territorial e político-institucional. É isso o que indica o cenário Construção, no qual o planejamento governamental é fortalecido, resultando em maior coordenação entre os investimentos públicos e privados.
De acordo com o estudo, o comportamento de atores relevantes diante das incertezas-chave é a variável central que moldará nosso futuro, fazendo com que ele se aproxime mais de um ou outro cenário. A incerteza-chave mais importante identificada no trabalho é se o Brasil terá, até 2035, um sistema de planejamento consistente de curto, médio e longo prazos. Essa incerteza está associada a outras igualmente importantes, como, por exemplo, se deixaremos de ter taxas de juros entre as mais altas do mundo e se construiremos um arranjo federativo mais cooperativo e eficiente.
No conjunto das políticas públicas do Brasil contemporâneo nota-se a falta de planejamento integrado, de capacidades estatais adequadas (especialmente, mas não somente, nos municípios) e de indicadores de desempenho que permitam controle social satisfatório. Como agravante, a tendência no curto prazo é a manutenção do gap tecnológico em relação aos países desenvolvidos, em decorrência da persistência de problemas estruturais na nossa economia.
Quando o mundo vai bem, e os preços das commodities internacionais estão elevados, o Brasil se beneficia da demanda externa. Mas quando a demanda externa se retrai, e os preços das commodities caem, o mix de políticas macroeconômicas aplicado no país tem se mostrado incapaz de garantir o dinamismo da economia doméstica.
Reverter esse quadro exigirá a consolidação de um sistema de planejamento consistente, capaz de promover mudanças estruturais na sociedade e na economia. A seu favor, o país conta com um amplo mercado interno, abundantes recursos naturais e uma extensa carteira de investimentos a serem realizados em infraestrutura econômica e social. Essas três frentes de expansão precisam ser potencializadas, no entanto, por medidas que fortaleçam os encadeamentos produtivos e estimulem sinergias entre as áreas de educação, cultura, ciência, tecnologia e inovação.
A restrição estrutural decorrente da disparidade tecnológica entre centro e periferia exige estimularmos inovações tecnológicas e sociais que sejam adequadas às necessidades da população brasileira. Nosso desafio é potencializar as energias criadoras de nossa gente, integrando os sistemas de inovação e bem-estar social, fortalecendo o mercado interno e ampliando a produtividade do trabalho, como condições necessárias para que o país vá além dos periódicos voos de galinha impulsionados pela demanda externa.
Assim será possível ampliar a produtividade e a competitividade da economia, criando as condições para que o país ingresse de forma ativa na era do conhecimento.
A evolução para um regime fiscal anticíclico, a redução das despesas com juros e a ampliação da progressividade do sistema tributário estão entre as medidas inadiáveis para que o Brasil encontre espaço fiscal para a realização dos investimentos necessários. Isso demandará uma verdadeira revolução cultural e política, que seja capaz de superar a lógica curto-prazista predominante em nossa sociedade. Sem que mudanças estruturais como essas sejam efetivadas, a economia brasileira seguirá dependente dos ciclos internacionais de preços de commodities, o que a impossibilitará de prover os recursos necessários para avanços mais céleres do país rumo a uma sociedade mais livre, justa e solidária.
Ainda há tempo, mas precisamos ter coragem para enfrentar os desafios que nos aguardam, sem temer as ações contrárias dos que se beneficiam da mesmice!
Crédito da foto da página inicial: Reprodução do vídeo “Brasil 2035 – Cenários para o Desenvolvimento”
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