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Quanto ‘custa’ a USP? Quanto ‘custa’ um aluno na USP?

Publicado no Correio da Cidadania em 29-6-2016

O objetivo deste texto é fazer uma contraposição à afirmação de que o Estado não tem dinheiro e é por isso que a educação vai tão mal em São Paulo. De fato, a educação básica paulista é muito ruim: os professores são mal remunerados e sobrecarregados, as escolas são insuficientemente equipadas e os alunos são tratados de forma indigna. A combinação desses e de muitos outros problemas que conhecemos levam a um baixo desempenho escolar dos estudantes e a altas taxas de abandono escolar antes da conclusão do ensino médio.

Quanto ao ensino superior, o grande problema em São Paulo é a privatização: apenas 7% das vagas de ingresso estão em instituições públicas, sejam elas universidades, faculdades isoladas ou faculdades de tecnologia. Essa pequena participação do setor público é inferior à metade do que se observa nos demais estados e não encontra par em nenhum país. Mas nada disso tem a ver com falta de possibilidades econômicas: essas coisas são frutos de uma política deliberada. Os números falarão por si mesmos.

Quanto custa uma universidade como a USP e qual o investimento por estudante? Para responder a essas perguntas, vamos tomar o ano de 2014 como referência. A razão da escolha desse ano é que já há dados consolidados das contas públicas, das estatísticas de matrículas da USP e informações, ainda que preliminares, suficientemente precisa do PIB e do PIB per capita estaduais. Quando necessário, os valores serão atualizados para meados de 2016.

Dissecando o orçamento

Em 2014, o orçamento total da USP foi de aproximadamente 5,5 bilhões de reais, 4,4 deles originários do governo estadual e o restante de receitas próprias. Entretanto, perto de um bilhão de reais corresponde a pagamentos de pessoal inativo; portanto, tal valor deve ser atribuído à previdência, jamais à educação, à Ciência & Tecnologia (C&T) ou à extensão de serviços à sociedade. Assim, o gasto com ensino, pesquisa e extensão na USP foi, em 2014, da ordem de 4,5 bilhões de reais (1).

Outro aspecto importante a se considerar é que parte dos gastos com os serviços públicos gera, imediatamente, rendas ao próprio ente pagador. Uma dessas rendas corresponde ao IR recolhido sobre os salários dos servidores públicos, que pertence ao estado, não indo ao governo federal. Outra fonte de renda é a contribuição previdenciária dos servidores estatutários (situação típica dos docentes, sendo que os trabalhadores técnico-administrativos são contratados, na quase totalidade, em regime de CLT), recolhida para o próprio estado.

Considerando as informações disponibilizadas pelo Conselho de Reitores das Universidades Paulistas (Cruesp) e os valores dos salários pagos com base nos sítios de transparência, é possível estimar em R$ 1,5 bilhão a receita gerada ao próprio governo estadual quando este remunera os docentes e funcionários técnico-administrativos. Em outras palavras, quando o valor R$ 4,5 bilhões é colocado na coluna de despesas do governo estadual, 1,5 bilhão de reais é colocado na coluna de receitas.

Caso a USP não existisse, não haveria aquele gasto de cerca de 4,5 bilhões de reais, mas também não teria essa receita de 1,5 bilhão. Portanto, o custo efetivo da USP em 2014 foi da ordem de R$ 3 bilhões, pouco mais do que a metade daqueles 5,5 bilhões que aparecem nos orçamentos.

Ensino, pesquisa e extensão

A universidade faz ensino, pesquisa científica e tecnológica e atividades de extensão. O custo da atividade de pesquisa está diluído de muitas formas em uma universidade: equipamentos, prédios, pessoal, organização de e participação em congressos, viagens de campo, publicações etc. Entrar no detalhe de que parte das despesas de cada área de conhecimento, instituto ou departamento corresponde à pesquisa seria praticamente impossível. Assim, um padrão comumente adotado para estimar o custo da pesquisa em uma universidade é considerar 82,7% dos salários dos docentes com doutoramento e contratados em regime de dedicação integral (2). Usando tal método e considerando os dados dos anuários estatísticos da USP de 2014 e as informação salariais disponibilizadas pelo Cruesp, é possível estimar em cerca de 30% os gastos com pesquisa e em 70% os gastos com ensino e extensão. Portanto, daqueles 3 bilhões de reais, cerca de 900 milhões correspondem à pesquisa e 2,1 bi ao ensino e à extensão.

Assim como a pesquisa, as atividades de extensão estão diluídas em toda a universidade e no dia a dia de seus trabalhadores. Essas atividades correspondem à prestação de serviços diversos à sociedade, manutenção de hospitais, museus, centros de exposição e rádios, organização de seminários, palestras e cursos de extensão universitária, produção e edição de livros e outros materiais, manutenção de sítios de internet com conteúdo didático, paradidático ou de divulgação científica, manutenção de centros de saúde e clínicas para atendimento da população, assessoria (não remunerada) a órgãos públicos, colaboração na elaboração de legislações, manutenção de bibliotecas, acervos bibliográficos e centros de divulgação científica e cultural abertos à toda a população etc.

Entretanto, diferentemente do que ocorre com a pesquisa, não parece haver um padrão comumente adotado para estimar os custos das atividades de extensão em uma universidade. Assim, com alguma arbitrariedade, vamos estimar as atividades de extensão em 200 milhões de reais em 2014 (3).

Combinando essas informações, é possível estimar os gastos da USP em 2014 como sendo, em bilhões de reais, de 0,2 em extensão, 0,9 em pesquisa e 1,9 em ensino, como aparecem na tabela 1. A atualização monetária para abril de 2016, pelo INPC/IBGE, também aparece na mesma tabela.


tabela1 usp

A USP é cara?

Esses custos são muito altos? Para se ter uma ideia de quão pouco significavam 3 bilhões de reais para a economia paulista em 2014, notícias do final daquele ano apontavam que havia R$ 4,6 bilhões “esquecidos” no programa Nota Fiscal Paulista – ou seja, as pessoas preencheram formulários, pediram algumas notas fiscais e simplesmente esqueceram de resgatar os créditos dentro do prazo máximo de 5 anos. Ou seja, alguns poucos bilhões de reais é um valor que as pessoas sequer notam na economia de um estado com mais do que 40 milhões de habitantes e um PIB superior 1,5 trilhão de reais.

Apesar do fato descrito no parágrafo anterior ser suficiente para se perceber quão irrelevante são alguns bilhões de reais em uma economia como a do estado de São Paulo, uma forma mais ortodoxa de responder àquela questão é comparar os valores com as receitas correntes do governo estadual e o PIB do estado. Em 2014, as receitas correntes do estado foram de 178 bilhões de reais e o PIB foi estimado em 1,6 trilhão de reais. Assim, concluímos que o custo total da USP, de 3 bilhões de reais, corresponde a cerca de 1,7% das receitas correntes do governo estadual, sendo 1,1% destinado ao ensino em nível de graduação e pós-graduação, 0,5% à pesquisa e 0,1% às atividades de extensão, como é mostrado na tabela 2.


tabela2 usp

Quando o termo de comparação é a produção econômica total do estado, vemos quão irrisório é o custo de uma universidade: apenas 0,18% do PIB, sendo que o ensino corresponde a cerca de 0,12%.

Quanto custa um aluno na USP?

A USP tinha, em 2014, cerca de 94 mil alunos (62% em nível de graduação, 32% em nível de pós-graduação e 6% com matrículas não definidas). A divisão entre o investimento em ensino da tabela 1 e esse número de alunos indicaria um custo mensal médio pouco inferior a R$ 1.700 por mês a valores de 2014 ou perto de R$ 2.000 a valores de abril de 2016.

Para saber se esses valores são razoáveis, um padrão adequado de comparação é a renda per capita do país. O custo típico do ensino superior em um país, rico ou não, é da ordem da renda per capita nacional e aqueles valores estão cerca de 25% abaixo da renda per capita brasileira e, grosso modo, correspondem a cerca da metade da renda per capita paulista. Portanto, e como têm insistido as entidades representativas dos docentes da USP, da Unesp e da Unicamp, os orçamentos das universidades públicas paulistas precisariam ser significativamente aumentados.

Mas essa simples comparação do custo médio de um aluno na USP ainda não conta toda a história. Cursos em áreas diferentes têm custos diferentes por várias razões, particularmente pela exigência ou não de laboratórios e do nível de complexidade deles. Assim, os cursos superiores poderiam ser separados, para uma análise mais detalhada, em três grupos: aqueles que têm laboratórios complexos, com equipamentos e seres vivos (medicina seria um bom exemplo); aqueles cujos laboratórios são de complexidade intermediária (engenharias, por exemplo); e aqueles cujas atividades não exigem equipamentos e pessoal especializado em grande proporção (como os cursos de humanidades, matemática, economia etc.). Os custos relativos desses três tipos de cursos estão, aproximadamente, na proporção 4:2:1 (4). Considerando que os estudantes estão distribuídos da USP por esses três tipos de cursos nas proporções de 15%, 35% e 50%, um cálculo mais detalhado levaria aos valores indicados na tabela 3.


tabela3 usp

Dentro de cada um desses grupos há variações e estudantes de graduação e de pós-graduação podem exigir investimentos diferentes. Entretanto, os valores, embora aproximados, são suficientes para uma conclusão qualitativa. Uma busca na internet mostra que esses valores estão muito abaixo dos valores das mensalidades das instituições privadas que oferecem os mesmos cursos e com a mesma qualidade da USP. Em muitos casos, aqueles valores são inferiores à metade das mensalidades cobradas nessas instituições.

Ainda que não fossem excluídas dos cálculos do custo da USP – e, portanto, dos estudantes – o imposto de renda na fonte e as contribuições previdenciárias, o custo estimado de um estudante no setor público seria inferior ao do setor privado com igual qualidade.

Conclusão

Estimativas feitas com metodologias diferentes, como as indicadas na nota 4, podem levar a resultados ligeiramente diferentes, mas as conclusões qualitativas são as mesmas. Diferentemente do que se costuma afirmar, o custo real da USP – o mesmo valendo para as demais instituições públicas de ensino superior no Estado – é muito pequeno, seja o termo de comparação a arrecadação estadual, o PIB ou o PIB per capita.

O abandono do ensino superior pelo setor público e a consequente entrega ao setor privado nada tem a ver com dificuldades econômicas do estado de São Paulo ou com problemas orçamentários. Como mostra a tabela 4, a privatização do ensino superior no estado de São Paulo é maior do que nos demais estados, qualquer que seja o critério para medi-la, apesar de este ser um dos estados com maior orçamento público estadual por habitante. Privatizar é um projeto, não uma coisa inevitável.


tabela4 usp

Quanto à educação básica, a política do governo estadual se manifesta na forma do subfinanciamento, da sub-remuneração dos trabalhadores e do tratamento desrespeitoso dado aos estudantes e trabalhadores do setor. Nesse nível educacional, a política de privatização ocorre de outra forma: como a educação é tratada como uma mercadoria, cada um que compre a que puder. Nas palavras do secretário de educação paulista, apenas segurança e justiça deveriam ser função do setor público e “tudo o mais deveria ser providenciado pelos particulares” (5).

O custo para manter um estudante na USP é inferior, e bem inferior, ao custo de um estudante no mesmo curso e em uma instituição privada de qualidade equivalente. Além disso, a USP, bem como muitas das instituições públicas de ensino superior, oferecem, ainda que de forma insuficiente, diversos serviços e recursos necessários para a permanência dos estudantes, contribuindo para um melhor desempenho destes e a redução da evasão. Sob este último aspecto, vale observar que a evasão nas instituições públicas de ensino superior é muito menor do que nas instituições privadas (6), fato que faz com que o custo de um aluno formado seja ainda mais favorável no setor público quando comparado com o setor privado.

Não pode haver dúvidas, portanto, que o ensino público superior em uma universidade de qualidade é totalmente compatível com a economia do estado e, comparativamente, muito melhor do que o ensino privado.

Finalmente, vale lembrar que os investimentos em educação, além de promoverem o desenvolvimento cultural e social, têm altos retornos econômicos, pagando-se em períodos que podem ser tão curtos quanto cinco ou dez anos.

Notas:

1)  Os valores correspondentes aos pagamentos de salários incluem o 13º salário e adicional de 1/3 nas férias.

2) Ver, por exemplo, a publicação da Fapesp Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo 2010.

3) O valor arbitrado corresponde a cerca de um décimo das despesas atribuídas ao ensino ou à metade dos orçamentos dos hospitais. Qualquer outro valor que se queira adotar não irá alterar as conclusões qualitativas que se pretende obter.

4) Em um antigo trabalho, publicado resumidamente na Folha de S. Paulo,http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1308200309.htm e cujos detalhes e metodologia estão descritos aqui,

http://blogolitica.blogspot.com.br/2002/08/quanto-custa-uma-boa-universidade.html os custos por estudante foram estimados nas diferentes unidades da USP. Um revisão posterior da metodologia,

5) Essa e outras opiniões do secretário de educação paulista aparecem em um artigo de sua autoria divulgado no sítio da própria Secretaria de Educação,http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/a-sociedade-orfa, consultado em junho de 2016. Nesse artigo, ele discorda do que é previsto nas constituições federal e estadual.

6) A evasão no ensino público paulista é da ordem de 40%, enquanto no setor privado, é da ordem de 60%.

Leia também:

Otaviano Helene é professor no Instituto de Física da USP, ex-presidente da Adusp e do Inep, autor do livro “Um diagnóstico da Educação Brasileira e de seu financiamento”.

Crédito da foto da página inicial: USP Imagens

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