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Qual o efeito da austeridade sobre a saúde?

Do ponto de vista formal, a saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Apesar de se tratar de uma determinação constitucional, o SUS não recebeu recursos suficientes para ampliar sua universalidade e integralidade nesses 30 anos, considerando o baixo volume de recursos aplicados em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS) pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, também nas comparações internacionais.

Nesses 30 anos, houve uma primeira regra para o financiamento do SUS, estabelecida nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, que reservava 30% do Orçamento da Seguridade Social para saúde, mas não foi cumprida. A regra constitucional que acabou vigorando, por um longo tempo, foi a Emenda Constitucional nº 29/2000, que estabeleceu o limite mínimo (piso) de aplicação em ASPS. Para a União, deveria ser no mínimo igual à despesa empenhada no ano anterior atualizada pela variação percentual do valor nominal do Produto Interno Bruto do ano anterior; para os Estados e Distrito Federal, 12% da Receita de Impostos e Transferências Constitucionais de Impostos do exercício da aplicação; para os Municípios, 15% da Receita de Impostos e Transferências Constitucionais de Impostos.

Em 2015, essa regra havia mudado para União pela EC 86/2015, que fixou o piso em 15% da Receita Corrente Líquida (RCL), que seria atingido de forma escalonada até 2020. A Emenda Constitucional 95/2016 alterou essas regras, o que agrava o subfinanciamento do SUS. Se houve um ganho – aparente – em 2017, com a antecipação do piso de 15% da RCL, a partir de 2018, a nova regra de cálculo desvincula o piso tanto da variação nominal do PIB (EC 29/2000) e da RCL (EC 86/2015). De 2018 em diante, o valor mínimo aplicado será equivalente ao piso do ano anterior corrigido apenas pela inflação, sem qualquer ganho real e com queda per capita.

Com a mudança imposta pela Emenda Constitucional 95, apesar do piso, os recursos federais alocados para saúde devem cair de 1,7% do PIB para 1,2% do PIB em 2036 e, por conseguinte, 2/3 das despesas do Ministério da Saúde transferidas para Estados, Distrito Federal e Municípios serão reduzidas, afetando o financiamento das ações de saúde desenvolvidas pelas esferas subnacionais. Nos três primeiros anos da sua implantação, a EC 95 dará um prejuízo de R$ 6,8 bilhões ao SUS, se comparada com o nível de aplicação que teria ocorrido com a manutenção da EC 29. Para mensurar os possíveis efeitos da política de austeridade fiscal sobre o gasto público em saúde nos próximos anos, realizamos um exercício contrafactual. Considerando tudo mais constante entre 2001 e 2015, compara-se o montante que foi empenhado na vigência da EC 29 com a estimativa do piso, caso estivesse vigente a EC 95.

Na Figura 5, a avaliação retrospectiva demonstra que haveria uma queda acentuada do gasto em relação ao Produto Interno Bruto – PIB (0,5 pp.), tornando mais grave o quadro de redução do já insuficiente financiamento do SUS, dada a importância do governo federal no financiamento das ações e serviços públicos de saúde. Em termos per capita, descontada a inflação a preços médios de 2015, enquanto a EC 29 apresentou uma tendência de recuperação do gasto, caso aplicada a EC 95, o gasto per capita diminuiria acentuadamente (R$ 150) com consequências preocupantes sobre a qualidade da atenção à saúde do SUS e sobre as condições de saúde da população brasileira, em especial dos estratos inferiores de renda.

É importante dizer que Estados e Municípios, importantes executores dos gastos em saúde, não escapam das restrições orçamentárias e financeiras decorrentes da Emenda Constitucional 95/2016: o financiamento das ações de atenção básica e vigilância em saúde dos municípios com menor poder econômico deve ser prejudicado e devem ser acirradas as pressões dos hospitais privados e filantrópicos, das corporações de especialistas, das organizações sociais de saúde e dos laboratórios farmacêuticos quanto à prioridade de contratação de despesas e pagamentos. Essa mudança pode piorar também o monitoramento e a avaliação da utilização descentralizada dos recursos oriundos do Fundo Nacional de Saúde, tanto pelo gestor federal, como pelo controle social.

Quanto aos impactos nas condições de saúde da população, segundo Rasella et al. (2018), caso a política de austeridade fiscal fosse revogada, 20 mil mortes de crianças até cinco anos de idade e 124 mil internações seriam evitadas até 203044: “A implementação de medidas de austeridade fiscal no Brasil pode ser responsável por uma morbidade e mortalidade substancialmente maiores do que o esperado sob a manutenção da proteção social, ameaçando atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para a saúde infantil e reduzir a desigualdade.” (Rasella et al., 2018, tradução livre)

A austeridade, para além de promover cortes, aumenta a demanda por serviços públicos de saúde. Segundo a pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (2018) a proporção de brasileiros que utilizou algum serviço em hospital público cresceu de 51%, em 2011, para 65% em 2018. Esse aumento da busca de serviços em hospital público é fruto, em parte, da crise econômica que se instaurou no país a partir de 2015, que fez com que muitas famílias ou perdessem os planos de saúde empresariais ligados ao emprego ou perdessem a capacidade de pagar planos individuais.. Mais além, para evitar uma piora das condições de saúde seria preciso mitigar o crescimento da pobreza, garantindo, por exemplo, a sustentabilidade de dois programas sociais como o Bolsa Família e a Estratégia Saúde da Família.

Portanto, com o subfinanciamento da saúde, agora agravado pela Emenda Constitucional 95, haverá um descompasso alarmante com cada vez mais brasileiros procurando hospitais públicos. Além disso, o aumento do desemprego e da pobreza, provocado pelas políticas de austeridade, já teve e poderá ter ainda mais impacto no número de pessoas que passam a depender exclusivamente do SUS em relação à assistência à saúde, aumentando a demanda no curto prazo.

Por fim, a aplicação da política de austeridade fiscal assume contornos dramáticos, ameaçando a saúde como direito social seletivo, pois ela acaba penalizando principalmente as classes de renda baixas e médias, justamente os setores sociais que mais precisam do SUS.

Leia a íntegra do documento aqui.

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