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Por que o Brasil acerta ao valorizar a integração sul-americana

Muito se tem criticado a postura brasileira no que tange à integração regional, sobretudo no que diz respeito à sua preferência por reforçar o Mercosul, a integração sul-americana e a cooperação Sul-Sul.

Adjetivos como isolacionismo ou exclusivismo são repetidos amiúde para caracterizar a política externa brasileira. Uma grande parte dessas afirmativas apenas repete slogans de uma postura liberal que ficou sem propostas desde a derrota do projeto da Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Para testar a relevância dessas críticas, cabe avaliar como as inserções do Brasil e da região modificaram-se nos últimos anos, impulsionadas pelas transformações globais.

Há dois grandes grupos de mudanças recentes na região: o primeiro refere-se às modificações ocorridas na articulação das suas economias com a economia global, conformando duas Américas Latinas; o segundo diz respeito à consolidação de um mercado de consumo de massas na região.

O advento da China como potência global em simultâneo à permanência dos Estados Unidos como economia principal gerou estímulos e incentivos diferenciados para a região. Para as economias localizadas acima do Panamá, estreitaram-se os laços comerciais, produtivos e de integração do mercado de trabalho com os EUA. Além disso, uma parcela das atividades produtivas dos EUA e Canadá (maquilas) foi deslocada para esta parte da região.

Para aquelas situadas abaixo do Panamá, a grande fonte de dinamismo foi a China, por meio das importações de matérias-primas (commodities). Neste caso, as relações comerciais, investimentos diretos e financiamento se aprofundaram e, em alguns países, deslocaram os EUA. As duas Américas Latinas têm, portanto, perfis de articulação profundamente distintos com as duas economias centrais.

A relocalização de parte da indústria dos países avançados na Ásia em desenvolvimento com a consequente incorporação de enormes contingentes de mão de obra barata à produção acarretou um expressivo barateamento dos bens de consumo duráveis.

Essa tendência associou-se, em vários países da região, mas principalmente naqueles da América Latina do Sul, com os ganhos resultantes do crescimento e das políticas distributivas na formação e expansão de um mercado de consumo de massas, generalizando um perfil de consumo antes restrito às classes de média e alta renda.

As economias da América Latina, principalmente as do Sul, foram muito beneficiadas pelo ciclo de expansão da primeira década dos anos 2000, mas a crise financeira de 2008 iniciou uma nova conjuntura no âmbito da economia global, na qual se prevê um menor dinamismo como resultado da estagnação europeia, do menor crescimento americano e da desaceleração da China.

Além disto, mudanças substantivas criam estímulos e bloqueios ao crescimento da região e à sua integração. Do ponto de vista positivo, deve-se considerar que a posição financeira das economias da região é atualmente muito mais sólida do que no passado, com níveis de endividamento externo e interno mais baixos e patamares elevados de reservas internacionais. Isto afasta as possibilidades de crise generalizada tal qual ocorrido em ciclos pregressos.

Ainda como estímulo, pode-se apontar a preservação do crescimento da China, mas com modificação de características: menor intensidade a maior ênfase ao mercado interno e ao consumo neste país, que deslocará a sua demanda para alimentos em detrimento dos minerais, com efeitos diferenciados na parte Sul da região latino-americana.

Como desestímulo, pode-se considerar o ambiente de concorrência mais acirrada, sobretudo nos mercados de manufaturas, o que representa um desincentivo para as economias mais industrializadas. O menor crescimento das economias centrais induzirá uma maior disputa dos mercados globais e regionais por parte das empresas que produzem em escala global, estreitando a margem de manobra das empresas locais.

A primeira década do século 21 presenciou a multiplicação de iniciativas político-institucionais visando a dar suporte ao processo de integração da região, em substituição aos acordos de inserção subordinada, mormente à economia americana.

No âmbito latino-americano, os grandes destaques foram a criação da Comunidade dos Estados Latino Americanos e Caribenhos (Celac) e a consolidação da Comunidade Sul-Americana de Nações (Unasul), com ações já efetivas no campo da política e economia regionais.

De uma perspectiva desintegradora, nota-se o surgimento da Aliança do Pacífico, um acordo abrangente de liberalização entre países que possuem tratados de livre comércio com os EUA (Chile, Colômbia, México e Peru) e que, à exceção do México, possuem, paradoxalmente, baixa integração, devido ao grande peso da produção de commodities em suas estruturas produtivas. O risco desse acordo será o de transformar-se num instrumento de promoção na região dos interesses das grandes empresas industriais americanas baseadas no México.

Cabe lembrar que os países em questão, além de possuírem tratados de livre comércio com os EUA, podem vir a participar do Trans Pacif Patnership (TPP), um amplo acordo de liberalização comercial, de serviços e financeira, sem a presença da China, por meio do qual os EUA pretendem integrar a região da Ásia Pacífico e parte da América Latina sob a hegemonia das suas empresas.

Ainda baixa integração regional

A despeito da ampliação dos acordos comerciais, a integração regional permaneceu estável e num patamar relativamente baixo, quando comparado a outras regiões; em média, menos de 20% das exportações dos países da América Latina e do Caribe tem destino regional. Os números são menores no caso do Mercosul (15%) e irrisórios na Aliança do Pacífico (4%). Este resultado decorre, sobretudo, das características da estrutura produtiva tanto da América Latina do Norte quanto da do Sul.

No caso da primeira, a atividade industrial concentrada na montagem (maquilas) favorece a articulação com os centros fornecedores e mercados consumidores, com grande destaque para os EUA. Na segunda sub-região, o menor peso relativo da indústria vis a vis a produção de commodities favorece a articulação para fora, em particular com a China, em detrimento dos fluxos de comércio intrarregional, cujo crescimento dependeria, em grande medida, do aprofundamento das cadeias de valor.

A despeito dessas trajetórias de baixa integração comercial e produtiva, observou-se, nas duas últimas décadas, mormente na América Latina do Sul, um intenso processo de articulação patrimonial com fusões e aquisições de empresas entre países e a formação, em vários segmentos, das empresas translatinas.

À luz do que foi dito acima, as críticas à política externa brasileira perdem substância. Dentre outras posturas, privilegiar o comércio intrarregional de qualidade, baseado em manufaturas, como é o caso do Mercosul, é essencial para o País e para a indústria brasileira; apoiar a expansão das translatinas brasileiras – construtoras, bancos, indústrias – também é medida crucial para assegurar-lhes escala e competitividade.

Em contrapartida, evitar que iniciativas disfarçadas de integração subordinada, como é o caso da Aliança do Pacífico, prosperem, atende os interesses de amplos setores econômicos na região e apontam para um projeto alternativo de integração. Numa perspectiva ainda mais ampla de cooperação Sul-Sul, os recentes acordos de constituição de um Fundo de Contingência e de um Banco de desenvolvimento com o grupo dos BRICs possuem valor estratégico inquestionável.

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