Nos debates sindicais sobre os bloqueios e obstáculos ao crescimento com geração de empregos de qualidade e aumento dos salários se destacam as altas taxas de juros praticadas no Brasil pela política monetária do Banco Central
As Centrais Sindicais apresentaram na Pauta da Classe Trabalhadora 2022 um conjunto de 63 diretrizes para orientar e promover o desenvolvimento brasileiro, no qual indicam que a estratégia estruturante é a promoção e a sustentação do crescimento econômico com geração de empregos de qualidade e aumento dos salários. Nos debates sindicais sobre os bloqueios e obstáculos a esta estratégia se destacam, entre outros, as altas taxas de juros praticadas no Brasil.
Há um entendimento de que a política monetária está orientada para impedir o desenvolvimento econômico do país. Pergunta-se: o Brasil está proibido de crescer? O crescimento faz mal à economia e à sociedade? Crescimento causa mal-estar e desconforto ao mercado? Por que no Brasil o crescimento econômico é perigoso?
Isso se apresenta, por exemplo, nas projeções econômicas que os analistas de mercado fazem, e os veículos de comunicação divulgam com manchetes, de taxas de crescimento muito menores do que as efetivadas. Erram continuadamente!
Mesmo assim, são esses mesmos analistas de mercado que projetam, também com manchetes, constantes ameaças de alta da inflação, apesar de as taxas anuais permanecerem dentro das bandas da meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional. Também são os mesmos que propagam o mantra do risco fiscal no Brasil e impõem uma agenda de ajuste do orçamento do Estado. Remédio? Elevar os juros!
Pedro Cafardo cravou, no jornal Valor Econômico de 24/09, que o PIB superou as expectativas do mercado neste ano, algo que ocorre desde 2020, quando se projetava uma recessão de -6,5%, mas foi de -3,3%. Em 2021, a expansão prevista era de +3,4% e foi de 4,8%. Em 2022, estimava-se +0,3% e foi de 3,0%. Em 2023, o esperado era +1,4% e chegou a 2,9%. No início deste ano, previa-se +1,6% e estamos caminhando para +3%.
A quem interessa esses persistentes erros, que metodicamente se repetem, na estimativa do crescimento do país? Por que os meios de comunicação continuam a divulgar esses prognósticos dos analistas do mercado? Por que não veiculam prognósticos de outras fontes?
Os resultados alcançados são muito robustos: a taxa básica de juros segue nas alturas. Pedro Cafardo foi certeiro (Valor Econômico, 25/06) ao afirmar: debelada a hiperinflação em 1995, o país viveu quase sempre sob as taxas de juros reais mais altas do mundo.
Um cálculo do professor Carlos Alberto de Augustini (FGV), publicado pela Folha de S. Paulo, mostra que as aplicações em renda fixa (CDI) deram retorno de 7.927% nos 30 anos do Plano Real, período em que a inflação (IPCA) acumulou alta de 704%. Ou seja, os ganhos foram mais de 11 vezes superiores à inflação.
Outro exemplo, agora deste século, indica que, desde 2005, os juros reais de cinco anos no Brasil foram, em média, de 6,5% ao ano. Esse nível permite a um rentista dobrar seu capital em 11 anos. Nos EUA, com juros reais de 0,4% ao ano no mesmo período, seriam necessários 173 anos para o investidor dobrar seu capital.
Cabe ao Banco Central do Brasil (BC), nas reuniões regulares do Copom (Conselho de Política Monetária) realizadas a cada 40 dias, definir a taxa de juros Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia), que é a taxa básica de juros da economia brasileira. Ela exerce uma influência direta sobre todas as demais taxas de juros no país.
O controle inflacionário é uma missão do BC no Brasil, que está colocada acima das prioridades do crescimento econômico, desenvolvimento socioambiental, do combate à desigualdade e à pobreza.
A pressão inflacionária tem múltiplas causas. Pode ser por excesso de demanda, mais capacidade de consumo do que de oferta. Neste caso, frear a economia é um remédio amargo, mas eficaz.
Porém, muitas vezes, a inflação é resultado de choques de oferta (seca, enchente, guerra, etc.) que geram aumentos nos preços de combustível, alimentos ou energia. Nesse caso, o aumento da Selic tem efeito muito limitado, já que a inflação não é decorrente de excesso de demanda. Mesmo assim, a elevação da Selic é usada como ferramenta padrão, o que acaba prejudicando ainda mais a economia sem resolver a causa real da inflação.
Mesmo para combater uma pressão inflacionária de demanda, causa indignação e perplexidade o fato de a Selic se manter em níveis tão elevados comparados a outros países. A alta taxa de juros atua como um pesado freio ao crescimento econômico, encarecendo de forma acintosa o crédito tanto para empresas quanto para consumidores, desestimulando investimentos produtivos e restringindo o consumo.
As dificuldades para micro, pequenas e médias empresas, que geram a maior parte dos empregos, são severas, pois têm menor acesso ao mercado de capitais e, por isso, dependem muito mais do crédito bancário para manter suas operações e expandir seus negócios.
A manutenção de uma Selic alta também é prejudicial do ponto de vista social, pois aumenta a desigualdade. Juros altos favorecem os mais ricos, especialmente aqueles que possuem investimentos em títulos públicos, que têm seu rendimento diretamente influenciado pela Selic. Assim, investidores e bancos se beneficiam com receitas de centenas de bilhões de reais todos os anos, enquanto as camadas mais pobres, que dependem de crédito, são penalizadas com um custo extorsivo.
Ao desestimular o crescimento econômico, uma Selic elevada contribui para o aumento do desemprego e a redução da renda das famílias, agravando ainda mais as disparidades sociais.
Altas taxas de juros também impactam negativamente as contas públicas. Como a Selic define o custo da dívida pública, uma taxa elevada encarece o pagamento de juros sobre a dívida. Isso compromete uma parcela muito significativa do orçamento federal, limitando os recursos disponíveis para investimentos em áreas essenciais como saúde, educação e infraestrutura.
Cada ponto percentual de aumento da taxa básica de juros carrega um custo adicional de R$ 30 bilhões por ano para a dívida pública atrelada a essa taxa. A necessidade de o governo emitir títulos para pagar os juros de sua dívida pode criar um ciclo vicioso, onde a alta da Selic eleva os custos da dívida, que, por sua vez, aumenta o déficit público.
Altas taxas de juros atraem capital especulativo estrangeiro, mas esse capital pode sair do país rapidamente diante de mudanças no cenário internacional, gerando volatilidade no mercado de câmbio. Isso pode gerar pressão inflacionária que demanda, segundo o BC, elevar os juros.
Por tudo isso, a condução da política monetária é uma questão central e estratégica. Não pode ficar capturada nas mãos do mercado, dos bancos e dos rentistas. É preciso mudar e, por isso, as Centrais Sindicais propõem e defendem que:
O Conselho Monetário Nacional conte com a participação de representantes dos trabalhadores e dos empresários.
Que diferentes agentes econômicos, inclusive a representação dos trabalhadores, sejam permanentemente consultados pelo BC sobre as expectativas de crescimento, investimento e inflação.
Posicionamento contrário à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65/2023, em debate no Congresso, que tem como objetivo transformar o Banco Central do Brasil (BC) em uma empresa pública com autonomia financeira e orçamentária, sob a supervisão do Congresso Nacional. Atualmente, o Banco Central é uma autarquia de natureza especial, responsável por executar as políticas monetária e cambial, entre outras atribuições estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e assim deve ser mantida.
É necessário rever o descasamento do mandato do Presidente da República eleito, fazendo coincidir o mandato do presidente do Banco Central com aquele.
É fundamental investir na transparência, promovendo o devido debate público para subsidiar as decisões, considerando outras prioridades macroeconômicas, como o crescimento, o combate à crise climática e emergência ambiental, a redução da desigualdade e da pobreza, entre outros.
Cabe estar mobilizado e atento a essas questões estratégicas e essenciais para o desenvolvimento brasileiro, exercendo pressão para que o debate público deliberativo ocorra com qualidade técnica e densidade política.
Clemente Ganz Lúcio é sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, membro do Pacto de Combate às Desigualdades, consultor e ex-diretor técnico do DIEESE (2004/2020).
Crédito da foto da página inicial: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil.
Comments