Publicado no blog Paulo Gala em 21-1-2015
A resposta é simples. A grande maioria dos empregos gerados nos últimos anos foi em setores com baixa produtividade intrínseca: construção civil, serviços não sofisticados em geral (lojas, restaurantes, cabeleireiros, serviços médicos, call centers, telecom etc…), serviços de transporte (motoristas de ônibus, caminhões, pilotos de avião), entre outros. As comparações internacionais mostram que o grande diferencial de produtividade entre países está justamente no setor de bens transacionáveis, especialmente nos empregos industriais, longe dos chamados serviços não sofisticados.
É bastante intuitivo entender que a produtividade de um garçom, de um motorista, de um piloto de avião ou de um vendedor de loja é praticamente igual na Europa, EUA, Ásia e Brasil. Até mesmo na construção civil, mesmo com auxílio de máquinas mais sofisticadas, a produtividade entre trabalhadores dos diversos países não é muito distinta. A altíssima produtividade dos países ricos ocorre então em outros setores que não esses, com destaque para os serviços sofisticados e indústria. A produtividade é em grande medida setor-específica e não trabalhador-específica. São ricos os países que cultivam seus setores de bens transacionáveis e de serviços sofisticados (EUA, Japão, Alemanha, nórdicos, sudeste asiático, etc).
O boom de crédito, commodities e consumo observado no Brasil nos últimos anos estimulou justamente os setores com baixos ganhos potenciais de produtividade e desestimulou os setores potencialmente ricos em economias de escala e retornos crescentes: as manufaturas. Houve desindustrialização e reprimarização da pauta exportadora com avanço das commodities. Por isso nossa produtividade estagnou, se é que não cairá no futuro. Até mesmo os serviços sofisticados (marketing, financeiro, jurídico, consultoria, etc) estão regredindo, pois são altamente dependentes das manufaturas ou da agroindústria.
O agronegócio per se também precisa se sofisticar para gerar produtividade. O processamento de commodities, o maquinário e mecanização da produção agrícola contribuem obviamente para o aumento de produtividade dos trabalhadores. Mas a geração de empregos aqui tem sido e continuará sendo muito baixa. Ou seja, de maneira resumida, o Brasil trilhou nos últimos anos um caminho de regressão tecnológica e diminuição da sofisticação de seu tecido produtivo, que acabou por resultar em importante estagnação da produtividade geral da economia. O setor de serviços como um todo passou de 60% do PIB para 70% do PIB nos últimos 10 anos.
A partir dessa perspectiva a dinâmica de produtividade de uma economia depende de sua configuração setorial. Não se trata então de educar mais ou até mesmo capacitar mais os trabalhadores; se trata de estimular e desenvolver os setores corretos. O padrão de especialização produtiva de uma economia é chave para entender o processo de aumento de produtividade. Ser produtivo significa dominar tecnologias avançadas de produção e criar capacidades e competências locais nos setores corretos.
Produzir castanhas de caju ou chips de computador, carros ou sapatos, bananas ou computadores faz diferença. Ou seja, o processo de aumento de produtividade de uma economia não é setor-neutro (depende da composição agricultura, serviços e indústria do PIB) e depende do tipo de produto que um país é capaz de produzir. A produtividade da economia não depende dos indivíduos, é algo sistêmico. Trabalhadores inseridos em setores tecnologicamente sofisticados serão produtivos devido às características intrínsecas do setor e não a dos trabalhadores.
Como mostra o importante estudo da UnB, “Produtividade no Setor de Serviços” no Brasil, o setor concentra hoje 74% da força de trabalho no país e foi responsável por 83 em cada 100 novos postos formais de trabalho gerados nos últimos anos. Ou seja, junto com a destruição dos empregos industriais no país, surgiu uma ampla oferta de vagas nos setores de serviços, especialmente de baixa sofisticação, graças ao boom imobiliário e de consumo (varejo, shopping centers, etc…).
O resultado geral desse movimento somado ao pleno emprego no mercado de trabalho causou enorme aumento de salários, sem contrapartida de melhora na produtividade. O custo unitário de produção aumentou muito no país, pressionando a lucratividade da indústria, desestimulando produção e novos investimentos. Não bastasse tudo isso, o câmbio nominal (e real) se apreciou durante vários anos, agravando ainda mais nossa posição de competitividade externa. O resultado final desse processo já é conhecido por todos: grande déficit em conta corrente, queda de investimentos e estagnação do PIB. Sem o retorno da indústria brasileira não haverá recuperação da produtividade.
A forte subida de salários por aqui sem o acompanhamento do aumento de produtividade provocou importante alta dos custos relativos do trabalho. As margens de lucro caíram. O crédito e consumo acompanharam essa onda. Nos anos de 2005 a 2011 tanto investimento agregado quanto consumo agregado subiam graças a expansão de salários. O aumento de preços de commodities também ajudou, constituindo pilar fundamental do modelo CCC (crédito, commodities e consumo).
Entretanto esse modelo se esgotou. Os preços das commodities estão cedendo, o crédito se expande a taxas bem menores e o consumo perdeu o vigor. Sobraram os altos custos trabalhistas em reais e em dólares. Como resolver esse problema nos próximos anos? Dado que os salários nominais não vão cair, só existem dois caminhos: desvalorização cambial e aumento de produtividade. A desvalorização já está ocorrendo pela via de mercado. O aumento de produtividade poderá vir pelo aumento do investimento em infraestrutura e pela sofisticação tecnológica do tecido produtivo brasileiro: novos mercados e novos produtos, especialmente de natureza industrial. Num mundo ultra competitivo como o atual não será tarefa fácil. Talvez com uma onda de pesados investimentos em infraestrutura e câmbio bem mais desvalorizado seja possível. Sem esse caminho o crescimento deve ficar estagnado por aqui.
*Paulo Gala é graduado em economia pela FEA/USP. Mestre e doutor em economia na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-EESP), onde é professor desde 2002 e coordenou o Mestrado Profissional em Finanças e Economia de 2008 a 2010. Pesquisador visitante nas Universidades de Columbia em Nova York e Cambridge na Inglaterra, em 2004 e 2005. Estrategista da Fator Corretora, Banco Fator.
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