A recente paralisação dos caminhoneiros fez reacender em segmentos da sociedade a defesa de alternativas ao transporte movido por combustíveis derivados de petróleo. Falou-se muito no transporte de cargas, um pouco menos no transporte de pessoas, embora seja urgente o debate de políticas públicas voltadas ao transporte coletivo.
Afinal, é um dos principais problemas das cidades brasileiras. Lembremos, por exemplo, que a insatisfação com a mobilidade urbana foi uma das motivadoras das manifestações que, exatos cinco anos atrás, deram origem às chamadas jornadas de junho de 2013.
Entre as soluções postas, está uma das mais viáveis, pela possibilidade de ser implementada com rapidez e menores custos, comparativamente: a dos ônibus elétricos, dos híbridos ou trólebus. Há uma porção deles, na casa de centenas, circulando por algumas cidades. Mas, além de poucos em relação ao tamanho do Brasil, concentram-se em maior número no Estado de São Paulo.
Solução septuagenária
Dessas três tecnologias (trólebus, híbridos e elétricos), a do trólebus é velha conhecida. Já experimentamos momentos de êxito e expansão; depois, ocaso; hoje, com inovações que resolveram os principais obstáculos, os trólebus ressurgem. No entanto, são encontrados apenas na cidade de São Paulo, no corredor metropolitano do Grande ABCD e na cidade de Santos.
Na capital paulista, o sistema de trólebus existe desde 1949 – completa 70 anos em 2019, portanto. Em Santos, favorecida pela topografia plana, seis resistentes veículos fabricados 31 anos atrás pela extinta estatal Mafersa continuam circulando na última linha que restou, a linha 20, que liga o Centro ao badalado bairro do Gonzaga, na orla.
Foi entre os anos 1970 e 1980 o período de expansão de trólebus no Brasil. Além das redes em São Paulo, ABCD e Santos, circularam trólebus por Araraquara, Ribeirão Preto, Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Salvador, Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Em umas o sistema desapareceu logo. Em outras, durou um pouco mais.
Evolução
Uma das maiores resistências aos trólebus estava no engessamento do sistema. Os ônibus só tinham condições de circular em vias com rede aérea. Eventuais interrupções de tráfego – um acidente, uma interdição por obras – paralisava as linhas. Era comum também o cabeamento se soltar da rede, o que atrasava as viagens. Agora, esses problemas não existem mais. Os trólebus atuais da capital paulista e do corredor ABCD dispõem de reserva de energia que garante autonomia de circulação fora da rede por até 20 quilômetros.
Além disso, do início deste milênio em diante, o desenvolvimento, primeiro, de ônibus híbridos e, mais recentemente, de ônibus elétricos a bateria, ampliou as possibilidades de implementação de sistemas de ônibus mais sustentáveis.
Os híbridos, produzidos pela Eletra, de São Bernardo do Campo, desde o começo dos anos 2000, e mais recentemente, pela Volvo, em Curitiba, não eliminam a necessidade do diesel, mas já diminuem consideravelmente o consumo desse combustível e a emissão de poluentes (fumaça e barulho). Hoje há unidades na capital paranaense, no Grande ABCD e em Santos.
Já os elétricos a bateria, desenvolvidos a partir desta década, primeiro pela Eletra e, de 2015 em diante pela chinesa BYD – que se instalou em Campinas – representam um importante salto para sistemas de ônibus sustentáveis. Unem o conforto, a emissão zero de fumaça e mínima de ruído dos antigos trólebus, com a flexibilidade dos ônibus convencionais (por não precisarem de rede de cabeamento). Há exemplares circulando em Brasília e em Santos; mas é no corredor metropolitano do Grande ABCD onde mais se encontram unidades rodando.
Teste comparativo
Recentemente, fizemos um teste entre os três modelos – trólebus, elétricos e híbridos – operando em Santos. Da frota de mais ou menos 300 ônibus municipais circulando diariamente, apenas oito são dessas tecnologias: seis trólebus, um elétrico e um híbrido. É, evidentemente, muito pouco. Mas muito importantes para mostrar como o sistema por ônibus pode ser bem melhor.
A meia dúzia de trólebus é do tipo padron, Mafersa/Villares, fabricada em 1987. Apesar da idade, os veículos não deixam a dever em conforto e segurança, confirmando mais uma vantagem dos trólebus: a vida útil longa. O motor é silencioso, as partidas e freadas se dão com o mínimo de solavanco. Desenvolvem velocidade similar à dos ônibus convencionais. A única desvantagem é a impossibilidade de circularem em vias sem rede aérea.
O elétrico, por sua vez, é do tipo miniônibus, motor e chassis da chinesa BYD e carroceria Volare. Durante a semana, circula pela linha 20, a mesma dos trólebus. Aos domingos e feriados, pela linha 52, que percorre toda a orla de Santos e vai até o Centro, passando por bairros intermediários. Fizemos o teste nesse percurso.
O veículo é tão silencioso quanto o trólebus. Ouve-se apenas o leve ruído do motor elétrico. As partidas e freadas ocorrem também sem solavancos. Em movimento, é como se flutuasse pelo asfalto. De piso baixo, o embarque e desembarque é feito sem maiores esforços. Os passageiros, em especial os mais idosos, elogiam a qualidade da viagem. Não emite fumaça. Não polui o ar.
Já o híbrido, Marcopolo/Volvo, é do tipo BRT. Opera numa antiga linha de trólebus, a 4. Não dispõe de piso baixo. As arrancadas, feitas com o motor elétrico em funcionamento, são suaves e sem barulho. À medida que o ônibus adquire velocidade, o motor a diesel é acionado. Tem-se, assim, a poluição sonora e do ar dos ônibus convencionais, ainda em que em menor grau.
Desenvolvimento tecnológico
Por fim, vale ressaltar que o investimento em sistemas de ônibus elétricos, híbridos ou trólebus representa também uma possibilidade ímpar de desenvolvimento industrial e tecnológico. Antes do tsunami neoliberal dos anos 1990, tínhamos tecnologia e conteúdo nacionais nos trólebus – além da Mafersa e Villares já citadas, a Cobrasma, a Grassi, a Massaria, a FNM e mesmo as companhias municipais de São Paulo (CMTC) e Santos (CSTC) se destacaram na fabricação de componentes, ou montagem ou restauração de veículos.
Hoje, tanto a Eletra e a BYD citadas, como a Weg, de Santa Catarina, destacam-se como integrantes da cadeia produtiva da geração atual dos ônibus sustentáveis. Há pelo menos oito anos, o BNDES dispõe de condições especiais de financiamento para a produção e/ou compra desses ônibus. Falta, talvez, um trabalho de capacitação e conscientização dos gestores e técnicos públicos de transporte, no sentido de consolidar a cultura de planejamento e execução de sistemas de ônibus que prevejam tecnologias alternativas ao diesel.
Crédito da foto da página inicial: Wagner de Alcântara Aragão
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