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Políticas públicas inclusivas: um caminho sem volta

Em perspectiva histórica, não faz muito tempo, ouviam-se histórias de famílias que abrigavam num quarto de fundo alguém com algum tipo de deficiência. Em geral, um membro da própria família que precisava ser “protegido” da sociedade para que se evitassem situações desagradáveis para todos.

Na melhor das hipóteses, este indivíduo com deficiência recebia um tratamento humanitário que lhe permitia passar o tempo sem gerar grandes incômodos. Esta invisibilidade privada refletia-se coletivamente, tendo sido as pessoas com deficiência, por muito tempo, apenas objeto da caridade ou do assistencialismo do Estado.

Como observa Collin Barnes, sociólogo britânico, militante social e pessoa com deficiência:

“Ao longo da minha vida – estou com mais de sessenta anos –, quando eu frequentava um colégio interno, a deficiência era um problema individual e as pessoas eram trancafiadas no Reino Unido. Isso mudou. O mundo reconheceu que a deficiência não se limita aos indivíduos, mas envolve a sociedade. A sociedade escolhe fazer o que deve para remediar. Mas não há dúvida de que as pessoas deficientes e as organizações de pessoas deficientes mudaram o mundo no sentido de que a deficiência é hoje reconhecida como uma questão sociopolítica, assim como um problema individual” (Diniz, 2013, p. 238).

Em pleno século 21, felizmente, situações de apartamento social são cada vez menos frequentes. É verdade que elas ainda podem ser observadas no âmbito familiar, assim como também, para alguns, políticas sociais para pessoas com deficiência significam apenas doações de cadeiras de rodas, de cestas básicas ou congêneres.

Porém, é inegável que nas últimas décadas, particularmente,no Brasil, desde 1980, vem amadurecendo um processo que substitui uma visão assistencialista pelo paradigma da cidadania para lidar com a temática das pessoas com deficiência.

Em outros termos, transita-se de um “modelo médico”, em que a deficiência era tratada exclusivamente como a anomalia individual, para o “modelo social” que inclui as responsabilidades da sociedade no entendimento da situação de vida das pessoas com deficiência (modelo este cujo um dos principais formuladores foi Collin Barnes).

Em texto anterior nesse espaço, foram apresentadas as características gerais desse processo para o Brasil. Argumentou-se que a partir do fortalecimento do movimento social, gerido na virada dos anos 1970 para os anos 1980, da proclamação do Ano Internacional da Pessoa Deficiente pela ONU em 1981 e da efervescência política da década de 1980 pós-ditadura militar estabeleceram-se as condições necessárias para a mudança de paradigma nesta área.

Fundamentalmente, as pessoas com deficiência passaram a falar por si mesmas e, já na Constituição de 1988, houve engajamento político para garantia de direitos fundamentais que foram inscritos na Carta Magna.

Esse processo é que justifica o título deste artigo. Ao afirmar que as políticas públicas nessa área são um “caminho sem volta”, pode-se imaginar que está prevalecendo uma visão demasiadamente otimista.

Entendo que, até certo ponto, ela se justifica porque nos dias atuais não creio que se sustentem, em qualquer esfera de governo, programas que deliberadamente excluam ou discriminem a população com algum tipo de deficiência. Porém, isso não significa que o conjunto de políticas nessa área tenha estado, digamos, no “rumo certo”.

Dito de outra forma, seja no município, Estado ou União, há um movimento de construção de políticas públicas que superou a etapa de invisibilidade característica deste segmento populacional, mas isso pode ocorrer de maneira errática.

Por exemplo, de forma bem intencionada, pode-se reconhecer, multiplicaram-se nos últimos anos Secretarias municipais e de Estado para tratar exclusivamente das questões envolvendo este contingente populacional. Chegou-se ao ponto, em 2010, na campanha presidencial, de se propor a criação de um “Ministério dos Deficientes Físicos” (veja  “Serra diz que vai criar Ministério para atender deficientes físicos” – Folha de São Paulo, 18 de Abril de 2010).

Claro que é natural e desejável que existam na administração pública órgãos ou coordenadorias para tratar da temática da deficiência. Porém, a criação de Secretarias municipais ou estaduais, e mais ainda de um Ministério específico, trata-se de um “exagero institucional” e de um equivoco na medida em que reforça a ideia de segregação e particularização das pessoas com deficiência.

Ou seja, justamente a noção de apartamento social combatida e superada ao longo das últimas décadas, conforme destacamos no início.

Deve-se dizer que o “lócus institucional” adequado é apenas uma das questões envolvendo as políticas públicas inclusivas. Em âmbito federal, verifica-se que a Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, corretamente, vincula-se à Secretaria Nacional dos Direitos Humanos. Evidentemente, isso não basta.

Mesmo com avanços apresentados, como maiores possibilidades de participação e controle social por meio das Conferências Nacionais, ainda há muito a ser feito dada a situação de marginalização e precariedade observada para milhões de pessoas com deficiência no País.

Ao longo dos próximos meses, neste espaço, pretende-se aprofundar este tema que ainda gera insegurança em boa parte das pessoas, sejam pesquisadores, gestores públicos ou na população em geral.

A carência de informações e dados precisa ser superada para que as ações nessa área não se pautem apenas pela “boa vontade” e se consolidem como verdadeiras políticas de Estado. Importante dizer que buscaremos fazer isso sem perder de vista a conexão com o desenvolvimento econômico e social mais amplo do País, ainda mais em tempo de “ajustes” já implementados no início do segundo governo Dilma que certamente vão repercutir na área social.

Referências

DINIZ, D. Deficiência e Políticas Sociais – Entrevista com Colin Barnes. Revista Ser Social, Brasília, v. 15, n. 32, PP. 237-251, 2013.

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