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Políticas invisíveis, redistribuição perversa e “politização” pela direita

Suzanne Mettler, uma cientista política americana, escreveu, faz pouco tempo, um livro provocador. The Submerged State: How Invisible Government Policies Undermine American Democracy.

Não vou resenhá-lo nem resumi-lo. Ele se refere às políticas federais americanas.Vou dizer algumas coisas que ele sugere pensar sobre as políticas de nossos governos “populares” que são ou pretendem ser redistributivas.

O “estado submerso” é o conjunto de políticas públicas que funcionam por meio de incentivos, subsídios ou repasses a organizações privadas.

Nos últimos 30 anos, o discurso político tem sido invadido por uma filosofia pública conservadora, que defende as virtudes do governo mínimo. Ironicamente, no entanto, a mudança mais dramática ao longo deste período foi o florescimento das políticas do estado submerso.

Os governos – nos três níveis – estão inseridos em toda a vida diária, da saúde à casa própria, da educação ao transporte. Mas permanecem invisíveis porque operam indiretamente, através de atores privados.

É essa invisibilidade que faz com que os beneficiários desdenhem o gasto social, ignorem serem seus beneficiários. Sequer reconhecem esses programas como programas sociais.

Alguém reconhece uma dedução fiscal – para saúde, educação e previdência privada – como programa social?

Esse é um forte motivo para que as pessoas sejam seduzidas por plataformas políticas de ‘menos governo’, menos impostos e outras macumbas ultraliberais.

Hospitais e escolas privadas são construídas com dinheiro público ou com empréstimos altamente subsidiados. O BNDES simplesmente construiu essa rede, nos últimos 30 anos, com a sua linha “S”. Catedrais do setor privado de educação foram erguidas desse modo, graças a um programa criado por sugestão do ministro de educação de FHC.

Não apenas os hospitais são montados e equipados assim. Estudantes de medicina e enfermagem são formados por escolas públicas ou publicamente subsidiadas. Custosas e seletivas (seletivas pelo nível de renda, claro).

O sistema privado de ensino não vive apenas de crédito para investir. Precisa deter demanda estável. Segura. Daí… o crédito estudantil. Os “empreendedores” do ramo, de fato, ganham um subsídio para cada empréstimo que fazem, quando “selecionam” um estudante. São estimulados a emprestar mais… sob qualquer circunstância.

No caso americano isso já levou a um sistema fraudulento e enganoso similar ao das hipotecas imobiliárias, aquelas que vendiam palacetes a vendedores ambulantes que nunca teriam condições de pagar. E depois repassavam o papel podre a um fundo, a um banco, este repassava a um fundo de aposentados. E, no final da conta, o banco que quebrava tinha o socorro do governo.

O empréstimo estudantil é, de fato, garantido pelo contribuinte. O intermediador está sempre ganhando. Não importa o que venda. A lógica não é muito diferente, não é?

Não por acaso, esses segmentos – seguradoras de saúde, mantenedoras de escolas – gastam muito em lobby e contribuição para campanhas.

Uma verdadeira montanha de dinheiro aparece nos relatórios da Receita, quando olhamos para a coluna das deduções fiscais para educação, saúde, previdência privada. Somadas, hoje, devem dar mais do que o orçamento do Ministério da Educação. Ou da saúde.

Nos EUA, as deduções incluem dívidas com hipotecas, as mortgages. Gastos “itemizados”, isto é, declarados e identificados. Mas… a quem beneficiam? Além de serem invisíveis, perversamente invisíveis, essas políticas são redistributivas… para cima.

De fato, deduções fiscais e outras válvulas de escape fiscal só beneficiam os extratos superiores das pessoas físicas. Nem falar das jurídicas. Transfira isso pro Brasil: a quem beneficiam as deduções dessa natureza? No campo das pessoas físicas, rigorosamente, só à faixa mais alta dos declarantes.

E, claro, como essas deduções sangram os cofres do tesouro, implicam perdas fiscais para as políticas que operam … para baixo. Não tem dinheiro para pobre, porque rico não paga. Simples como o sermão da montanha.

Alguém já tentou dizer a um beneficiário de deduções que ele recebe vários “bolsas família” desde a criação do recolhimento de IR na fonte, em 1969? Inútil. Nem os beneficiários da política “submersa” veem esses benefícios como resultantes de políticas de governo. Continuarão berrando que “governo só atrapalha”.

Quem recebe benefício direto (seguro-desemprego, Bolsa Família etc.) vê o programa como a mão do governo. Mas dedução fiscal não é vista assim. Até o “bilhete único”, um programa de transferência de renda, deixa ser visto desse modo porque nós não dizemos isso.

O “estado submerso” não estimula a cidadania – inculca a passividade e o ressentimento. Um cientista político, Schattschneider, uma vez sintetizou isso numa frase: “new policies create a new politics.” Quer dizer: a forma como as políticas são executadas determinam o terreno da política, dos sentimentos políticos, dos valores e das atitudes políticas. O marqueteiro e o demagogo apenas colhem o que nesse terreno frutifica.

Dedução fiscal não estimula reconhecimento. Estimula passividade e posição anti-governo. Idem para tudo aquilo que acima se disse, a título de exemplo.

Nosso problema, então, é avaliar as políticas públicas pelos seus resultados. Mas não apenas pelo quanto atendem e pelo quanto perdem no caminho, a avaliação usual. É preciso definir outros critérios. O modo de execução dessas políticas redistributivas, politizou? Organizou? Aumentou o nível de consciência e organização política do andar de baixo? Se não o fez, perdemos tempo. E perderemos o governo.

Como se vê, nosso problema não é apenas uma questão de comunicação, embora esta também seja importante (e frequentemente mal feita). É um problema …de política.

Crédito da foto da página inicial: EBC

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