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Política monetária: Tarefa de Sísifo

Executar a política monetária é uma Tarefa de Sísifo! Sísifo foi condenado a, por toda a eternidade, rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que toda vez que ele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível, invalidando completamente o duro esforço despendido.

Por esse motivo, essa expressão “trabalho de Sísifo” é empregada para denotar qualquer tarefa que envolva esforços longos, repetitivos e inevitavelmente fadados ao fracasso.

A política monetária brasileira segue um infinito ciclo de esforços em elevar a taxa de juros, que nunca chegam a um final, pois a taxa de inflação não rola abaixo para um “equilíbrio estável”. As autoridades monetárias também são totalmente desprovidas de quaisquer opções de desistência ou recusa em fazê-lo.

Sísifo tornou-se conhecido por executar um trabalho rotineiro e cansativo. Tratava-se de um castigo para mostrar-lhe que os mortais não têm a liberdade dos deuses. Os mortais, porém, têm uma limitada possibilidade de escolha. Devem, pois, concentrar-se nos afazeres da vida cotidiana, vivendo-a em sua plenitude, tornando-se criativos na aparente repetição do dia a dia. Este é o segredo da felicidade cotidiana: gostar do que se faz de maneira criativa!

Mas como gostar da política monetária repetitiva, inoperante, benéfica aos parasitas? Posso dizer duas ou três coisas que eu sei dela… É “tréschic” explicá-la em francês – “Deux ou Trois Choses Que Je Sais d’Elle”

Primeira, por que a política monetária se repete? É porque o Banco Central do Brasil imagina-se um “leiloeiro walrasiano”! Por meio de um artifício analítico, o francês Marie-Esprit Léon Walras (1834-1910) utilizou-se da ideia de “contratos provisórios”, que só seriam cumpridos caso atendessem ao requisito de compatibilidade global. Havendo sobra ou carência de algum bem ou serviço, aos preços vigentes, os contratos seriam considerados não válidos, e os preços se modificariam segundo a Lei da Oferta e da Procura. Novos contratos seriam propostos até que se estabelecessem os requisitos de compatibilidade global.

A esse mecanismo de contratos virtuais sucessivos na determinação de preços de equilíbrio, Walras deu o nome de “tâtonnement”, expressão que foi vulgarizada em francês “tréschic” pelos livros-texto para formação de economistas.

Mas ela pode ser traduzida simplesmente por “tateio”, ou seja, o ato de deduzir ou perceber por intuição, indagar, sondar para descobrir, pesquisar com cautela, ensaiar, fazer a experiência de tentar e errar. Enfim, através de permanente tateio, o Banco Central cumpre sua Tarefa de Sísifo, buscando o realinhamento dinâmico entre os preços básicos JKC (Juro-Capital-Câmbio). Sobe, sobe continuamente a taxa de juros, mas a taxa de inflação teima em não descer…

O modelo de troca pura multilateral, intrometido em mentes ortodoxas, expõe o mecanismo básico de formação de preços em mercados competitivos, abstraindo-se de questões econômicas mundanas. Os diversos agentes econômicos comparecem ao mercado como possuidores de estoques previamente determinados de mercadorias.

Procurarão, tomando preços como parâmetros de suas decisões sobre quanto comprar e vender, atuar segundo conveniências individuais expressas na forma de derivar o máximo possível de satisfação ou “utilidade” permitida por seus orçamentos. Nessa idealização, preços são apenas razões de troca entre cada mercadoria e o “numéraire”, unidade de conta sob forma de uma mercadoria escolhida, em hipótese teórica, pelos próprios agentes.

Caindo no mundo real, o “numéraire” torna-se a moeda oficial regulada pelo Banco Central via taxa de juros. Pior, o nobre italiano ultraconservador Vilfredo Pareto dedicou-se a utilizar esse elegante instrumental analítico do equilíbrio geral walrasiano para fundamentar sua defesa da não intervenção do Estado em questões distributivas.

O modelo de equilíbrio geral, pilar do neoclassicismo, ficou então indissoluvelmente associado à doutrina do “laissez faire, laissez passer, le monde va de luimême” [“Deixe fazer, deixe passar, o mundo vai por si mesmo.”]. É similar ao provérbio popular de origem francesa: “Louvo todos os deuses, bebo meu bom vinho, e deixo o mundo ser mundo…” No popular brasileiro: “Deixa a vida me levar; vida leva eu…” Só que a vida – ou o mundo – nunca alcança um equilíbrio geral. “Navegar é preciso; viver não é preciso”.

Por que a política monetária brasileira é inoperante? Para evitar uma depressão ampla, geral e irrestrita, a taxa de juros básica Selic não atinge as principais linhas de empréstimo, seja às pessoas jurídicas, por exemplo, pelo BNDES e demais créditos direcionados, seja às pessoas físicas, como no caso do crédito imobiliário e do consignado.

Mesmo em crédito com recursos livres, mais que o juro, para os consumidores brasileiros importa “se a prestação cabe no bolso”, ou seja, o prazo do financiamento. E com o jeitinho brasileiro dá para ficar até 40 dias sem pagar juros correspondentes à compra a prazo com cartões! Os pobres sem cartões, que pagam preços à vista inflados como se fossem preços a prazo, e os desavisados adimplentes do crédito rotativo pagam por esse “período de graça”. Mundo cruel…

Por fim, por que a política monetária é benéfica aos parasitas? Porque não há como deixar de almejar ser rentista nessa Terra Abençoada e aproveitar a farra dos juros reais. Isso é pecado em todas as religiões, inclusive na de esquerda. Elas condenam quem vive ociosamente da renda do capital sem se conformar à labuta obrigatória para todos os despossuídos. Porém, paga-se o pecado fazendo a louvação diária a O Mercado, ente sobrenatural.

Como não se aproveitar dessa vida mansa que não existe em outro lugar? Afinal, nessa Terra da Felicidade para O Capital, oferece-se a oportunidade de viver da maior taxa de juros real do mundo!

O raciocínio é muito simples e formulado de maneira “tréschic” por Thomas Piketty, em seu best-seller “Le Capital auXXIe. Siècle”: r > g, isto é, o rendimento do capital maior do que o rendimento do trabalho leva à concentração da riqueza.

Aqui a taxa de juros real esperada está em 7%aa, ou seja, mesmo que o salário consiga a reposição inflacionária integral, a cada ano, o capital crescerá 7% mais do que ele. Pela Lei do Crescimento Acumulativo, uma taxa de retorno anual superior em alguns pontos percentuais à taxa de inflação, acumulada ao longo de décadas, conduz a uma capitalização muito forte do investimento inicial — contanto que os retornos sejam sempre reinvestidos.

Aqui, entre o final de 2002 e o de 2014, o poder aquisitivo do capital aplicado na taxa de juros (Selic) real elevou-se cerca de 125%. Quem tinha investido R$ 230 mil, no final do Governo FHC, tornou-se milionário no final do primeiro mandato da Presidenta Dilma. E ainda bate “panela-vazia”?!

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