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Política industrial em um cenário de ‘doença brasileira’

Publicado no Valor Econômico


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Em meio ao debate sobre quais seriam as diretrizes de política industrial necessárias para se recuperar a centralidade da indústria na estratégia de desenvolvimento econômico brasileiro, o diagnóstico proposto pelo ex-ministro Delfim Netto tem reverberado entre os economistas.

Em entrevista publicada na “Folha de S. Paulo” (“Governo destruiu a indústria e tem que reconstruí-la, diz Delfim Netto”, em 2 de novembro), o ex-ministro ressalta a importância da política industrial e propõe como eixo de uma nova estratégia de desenvolvimento do parque produtivo local sua integração virtuosa nas redes produtivas globais.

Essa integração deveria ser viabilizada em um cenário de previsibilidade das ações do governo, com o estabelecimento de uma taxa de câmbio competitiva e estável, e com a redução das exigências de conteúdo nacional à produção local.

Assim as unidades produtivas domésticas poderiam incrementar sua importação de partes, peças e componentes a fim de reduzir os custos produtivos locais e, deste modo, incrementar sua competitividade inclusive no mercado internacional.

Finalizando o diagnóstico, Delfim sugere implicitamente que a retomada do investimento industrial teria como pré-requisito o incremento do potencial de lucro das empresas locais.

Apesar de concordar com a análise do ex-ministro Delfim no que diz respeito à necessidade de se retomar a centralidade da indústria na estratégia de desenvolvimento nacional, entendo que a principal explicação do fraco desempenho do investimento industrial no período recente deriva da emergência de um novo modelo de organização e acumulação da indústria local,o qual está associado à “doença brasileira”.

Países asiáticos engendraram inserção externa virtuosa via exportação de manufaturados

Essa denominação, por sua vez, é uma clara alusão à “doença holandesa”, entendida por inúmeros economistas como uma das causas centrais da desindustrialização brasileira.

Sinteticamente, o fenômeno da “doença holandesa” explica a redução do papel da indústria no desenvolvimento econômico como resultado da valorização das moedas locais decorrente de um desempenho exportador bastante pujante nos setores de commodities, aumentando a lucratividade e a atratividade relativa desses setores frente às atividades manufatureiras.

Retomando a linha de argumentação, defende-se neste artigo que mais do que uma suposta redução da lucratividade no setor manufatureiro, o baixo dinamismo produtivo brasileiro na última década é explicado por um novo modelo de organização e acumulação da indústria local, consistindo no fenômeno da “doença brasileira”.

Esse fenômeno teria origem em três elementos. Primeiramente, na consolidação da empresa em rede a partir do último quartel do século XX, a qual viabilizou o deslocamento produtivo para a Ásia associado ao recrudescimento da competição global nas atividades manufatureiras.

Em segundo lugar, no esgotamento do modelo industrial brasileiro vigente até o período da reserva de mercado no início dos anos 90.

Por fim, na implantação de medidas econômicas de orientação liberal iniciada também nos anos 90, que culminaram em um cenário com fortes oscilações nos preços macroeconômicos, caracterizado desde então pela valorização do real e pela vigência de taxas de juros elevadas.

Como resultado desse cenário, depois de uma reação defensiva inicial, a indústria brasileira conseguiu se adaptar e reconfigurar suas atividades produtivas, reduzindo gradativamente o conteúdo local adicionado a sua produção.

Esta redução, por sua vez, foi acompanhada pelo crescimento da importação de produtos finais, partes, peças e componentes a partir da integração importadora nas cadeias produtivas globais.

Deste modo, observou-se o surgimento de uma indústria doméstica com uma dinâmica competitiva e de acumulação completamente distinta daquela vigente nos países asiáticos que conseguiram engendrar uma inserção externa virtuosa por meio da exportação de manufaturados.

No entanto, apesar deste fenômeno de “doença brasileira” sugerir uma fragilidade da indústria local, ao contrário do que se poderia imaginar a partir de uma extrapolação do argumento defendido por Delfim, observa-se que a massa de lucros do setor industrial em valores reais quase dobrou entre 2000 e 2010.

Não suficiente esse crescimento exponencial da massa de lucros, observa-se um descolamento entre a evolução do ativo, da receita e do lucro na esfera industrial.

Assim, no período entre 2003 e 2010 o crescimento do lucro foi 450% maior que o da receita e 219% maior que o do ativo. Tal descolamento, por sua vez, é mais intenso nos setores característicos da III Revolução Industrial, exatamente aqueles que viabilizaram a integração externa virtuosa de alguns países asiáticos nas cadeias globais de produção.

Em síntese, como resultado deste fenômeno, observa-se que para a indústria de transformação o indicador expresso pela divisão do lucro pela receita aumenta de 2% no período 1996-2002 para 9% entre 2003 e 2010.

Ou seja, apesar do baixo dinamismo do investimento, observa-se que esta nova forma de organização da acumulação de capital da indústria brasileira lhe permitiu se libertar ainda que parcialmente das amarras da atividade produtiva.

Neste cenário, quando se busca analisar o desempenho da indústria brasileira centralizando as análises no seu potencial de ser um dos vetores fundamentais do desenvolvimento econômico brasileiro – diretriz que foi fundamental na política econômica nacional pelo menos entre Vargas e o II PND – é evidente a necessidade de se reorganizar, tal qual sugere Delfim Netto, a política industrial brasileira.

Entretanto, essa reorganização não parece ser convergente a priori com a atual estratégia de acumulação organizada pelo próprio setor industrial em um cenário de “doença brasileira” e nem automaticamente aderente à sua pauta de reivindicações.

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