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Política de combate à recessão: emissão de moeda e dívida pública

A retração simultânea e profunda da oferta e da demanda em decorrência da COVID-19 provocará aquela que deverá ser, até aqui, a maior recessão da história da economia brasileira. O caminho mais seguro para combater a recessão e o desemprego passa pela emissão massiva de dívida pública e de moeda. A equipe econômica resiste a esta solução. A recente declaração do ministro Paulo Gudes de que pode haver emissão de moeda “se houver a combinação de desemprego em massa, inflação perto de zero e colapso dos juros”, mostra que esta opção só será considerada depois de instalado o caos.

Quanto maior for a demora para o dinheiro da emissão de dívida e moeda chegar nas mãos de trabalhadores, desempregados, empresas, estados e municípios, maiores serão a recessão e o desemprego. No final de fevereiro de 2020 já se sabia do estrago em outras economias, como a da China, causados pela COVID-19. A OMS declarou o estado de pandemia em 11 de março. Portanto, a implementação de medidas emergenciais e de resgate da renda e do emprego a partir de emissão de dívida pública e de moeda já poderia estar ocorrendo desde o início de abril, minorando os estragos da recessão e facilitando o isolamento social.

As medidas de injeção de capital e liquidez no sistema financeiro, incluindo a permissão para o Banco Central comprar títulos de dívida pública e privada no mercado secundário (PEC do “orçamento de guerra”), contribuem para sustentar os preços neste mercado, evitar insolvências e o risco sistêmico. Porém, esta assistência de liquidez não deverá chegar até a economia real. Bancos não arriscarão elevar o crédito em cenário tão adverso. De outro lado, o crédito para pagamento da folha salarial de micro e pequenas empresas em até dois salários mínimos (85% dos recursos garantidos pelo Tesouro) é bem-vindo, mas mal desenhado e insuficiente, como também o é o pagamento de R$ 600,00 a pessoas carentes – no caso do crédito para pagamento da folha salarial de micro e pequenas empresas, o período de carência é de apenas seis meses, a uma taxa de juros de 3,75% ao ano.

Portanto, parcela das micro e pequenas empresas não se arriscará contraindo uma dívida para manter seus empregados, e começar a saudá-la em apenas seis meses, num cenário de absoluta incerteza sobre o por vir, quando tem a opção de demitir uma parte (ou todos) de seus funcionários.

Argumenta-se que o descontrole da relação dívida pública/PIB sempre reduz a confiança do mercado, comprometendo o crescimento econômico, e que a emissão de moeda é sempre inflacionária. Não é sempre assim, senão vejamos.

A emissão de moeda pode provocar inflação pelos canais da demanda – excesso de demanda em relação a oferta – e das expectativas. Porém, a brutal recessão que se avizinha é uma âncora garantida para os preços e expectativas de inflação. Seja quando se considera nesta análise o nível do produto de pleno emprego ou a taxa de desemprego não aceleradora de inflação (NAIRU), o produto interno bruto brasileiro, que já se encontra longe destes parâmetros, se distanciará dos mesmos ainda mais, até o final do ano. Portanto, não há risco de inflação.

Ademais, uma característica dos ciclos econômicos é que, após atingir o fundo do poço, a recuperação da economia é lenta e gradual. Logo, o excesso de moeda no pós-crise, ao implicar aumentos da demanda agregada, contribuirá para o crescimento de uma economia marcada pelo desemprego e elevado nível de capacidade ociosa, sem pressionar os preços ou as expectativas de inflação. Após a crise financeira de 2008, Estados Unidos, Zona do Euro, Japão e China já emitiram juntos mais de US$ 15 trilhões, e não houve inflação descontrolada nestas regiões ou no mundo.

De outro lado, mais importante do que o patamar da relação dívida/PIB é a confiança do mercado na sua estabilidade. Se a dívida pública sobe descontroladamente, surge a desconfiança de que futuramente o governo emitirá moeda e/ou aumentará impostos para arcar com os compromissos da dívida. A monetização da dívida pública na ausência de recessão econômica pode ser inflacionária, e as dúvidas sobre o aumento de impostos elevam a incerteza sobre o retorno dos investimentos, inibindo-os.

Todavia, dado o cenário de recessão econômica, que irá se aprofundar, a emissão de moeda (monetização da dívida pública) não será inflacionária. De outro lado, a confiança na estabilidade da relação dívida/PIB já não existe mais, desfeita que foi pela pandemia, no Brasil e no mundo. Não há que se preservar uma confiança que não existe mais. A atual convenção (crença compartilhada) diz respeito à expectativa de aumentos substanciais das dívidas públicas dos países. Não apenas haverá severa redução na arrecadação dos governos em decorrência da crise econômica, como também os gastos públicos estão aumentando para combater a COVID-19 e a recessão.

A emissão de moeda e de dívida pública para financiar as políticas de sustentação do emprego e da renda, os gastos de estados e municípios, mitigar falências e afastar o caos social, é uma resposta concreta à crise. Por isso, é medida emergencial que acalmará um mercado em pânico, ao invés de aumentar sua desconfiança.

No pós-crise, a relação dívida/PIB estará mais alta, mas sem produzir, necessariamente, a perda de confiança na sua estabilidade. Esta confiança depende, também, da convenção reinante. Se todos os países terão sua relação dívida/PIB aumentada após a crise, uma nova crença compartilhada surgirá, indicando que patamares mais elevados desta relação são o “novo normal”. Ademais, não necessariamente a posição relativa do Brasil irá piorar no ranking internacional da relação dívida/PIB. Quanto maior for a emissão de moeda, menor precisará ser a emissão de dívida pública. Isto não quer dizer que a citada relação seja, necessariamente, sustentável no longo prazo.

Todavia, há uma área cinzenta para o patamar da relação dívida/PIB a partir do qual esta se torna insustentável, e tal área é ampla. Convencionou-se, a partir de um estudo de Reinhart e Rogoff publicado em 2010 na American Economic Review, que este patamar seria de 90%, até que um aluno demonstrou haver um erro nas contas dos autores. A marca (mágica) de 90% era apenas mera convenção. No Japão, a dívida é de 230% do PIB, na Itália 135%, na Grécia 181%, em Portugal 118%, nos Estados Unidos 107%, em Angola 111%, no Congo 98,5%, na Jordânia 94%, no Brasil 76%. Há nesta lista países desenvolvidos e emergentes, todos com a relação dívida/PIB bem superior à do Brasil.

Por fim, a dinâmica da relação dívida/PIB depende da taxa de crescimento do PIB (denominador) e da taxa de juros (numerador) que, por sua vez, será muito baixa aqui e alhures, dado o cenário pós-crise de desemprego, elevada capacidade ociosa e expectativa de inflação muito baixa. Passada a crise, uma reforma tributária progressiva, em que ricos pagam proporcionalmente à sua renda e patrimônio mais impostos do que pobres, será bem-vinda, sinalizando para o mercado a capacidade do governo em honrar seus compromissos financeiros, contribuindo para estabilizar a (confiança na) relação dívida/PIB e reduzir a enorme e recalcitrante injustiça social que há muito assola nosso povo.

Crédito da foto da página inicial: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

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