Publicado no El País Brasil em 2-2-2017
A evidência científica é robusta: a pobreza e a desigualdade social prejudicam seriamente a saúde. No entanto, as autoridades de saúde não dão a esses fatores sociais a mesma atenção que dedicam a outros quando tentam melhorar a saúde dos cidadãos. Um estudo sobre 1,7 milhão de pessoas, publicado pela revista médica The Lancet, traz de volta esse problema negligenciado: a pobreza encurta a vida quase tanto quanto o sedentarismo e muito mais do que a obesidade, a hipertensão e o consumo excessivo de álcool. O estudo é uma crítica às políticas da Organização Mundial da Saúde (OMS), que não incluiu em sua agenda este fator determinante da saúde — tão importante ou mais do que outros que fazem parte de seus objetivos e recomendações.
“O baixo nível socioeconômico é um dos mais fortes indicadores de morbidade e mortalidade prematura em todo o mundo. No entanto, as estratégias de saúde global não consideram as circunstâncias socioeconômicas pobres como fatores de risco modificáveis”, dizem os autores do estudo publicado pela The Lancet, cerca de trinta especialistas de instituições de prestígio como a Universidade de Columbia, o King’s College de Londres, a Escola de Saúde Pública de Harvard e o Imperial College de Londres.
Seu trabalho se concentrou nos dados de 1,7 milhão de pessoas para analisar como o nível socioeconômico influi na saúde e na mortalidade em comparação com outros fatores mais convencionais, como o tabagismo ou a obesidade. O resultado está de acordo com estudos anteriores: a pobreza é um agente que afeta a saúde de forma tão sólida e consistente como o tabaco, o álcool, o sedentarismo, a hipertensão, a obesidade e o diabetes. Além disso, a capacidade de encurtar a vida é maior do que vários desses fatores. O baixo nível socioeconômico reduz a expectativa de vida em mais de 2 anos (2,1) em adultos entre 40 e 85 anos; o alto consumo de álcool reduz em meio ano; a obesidade encurta 0,7 ano; o diabetes reduz a expectativa de vida em 3,9 anos; a hipertensão em 1,6 ano; o sedentarismo, 2,4 anos; e o pior, reduzindo a média de vida 4,8 anos, o hábito de fumar.
A escolha desses fatores não é casual: são aqueles tomados pela OMS para combater as doenças não contagiosas no seu plano para reduzir sua incidência em 25% até 2025, o chamado objetivo 25×25. “Nossas descobertas sugerem que as estratégias e ações globais definidas no plano de saúde da OMS excluem de sua agenda um importante determinante da saúde”, criticam os pesquisadores, liderados por Silvia Stringhini, do Hospital Universitário de Lausanne. E acrescentam: “A adversidade socioeconômica deve ser incluída como fator de risco modificável nas estratégias de políticas de saúde locais e globais e no monitoramento do risco para a saúde”.
Da mesma maneira que se pode promover o abandono do hábito de fumar ou o esporte entre a população, o artigo defende que o fator socioeconômico também pode ser modificado em todos os níveis, com intervenções como a promoção do desenvolvimento na primeira infância, as políticas de redução da pobreza ou a melhoria no acesso à educação. Portanto, as estratégias de prevenção para as doenças crônicas estão equivocadas por não abordarem “poderosas soluções estruturais”.
Não é ideologia, mas ciência
“A força da evidência do efeito do nível social sobre a mortalidade, como exemplifica o estudo de Stringhini e seus colegas, agora é impossível de ignorar”, diz um comentário na The Lancet assinado por Martin Tobias, especialista do Ministério da Saúde da Nova Zelândia. Ele acrescenta: “Eles baseiam seu argumento não na ideologia política, mas na ciência rigorosa”. De acordo com o epidemiologista, ter baixo nível socioeconômico “significa ser incapaz de determinar o próprio destino, privado de recursos materiais e com oportunidades limitadas, que determinam tanto o estilo de vida quanto as oportunidades de vida”.
O pesquisador espanhol Manuel Franco, que não participou do estudo, acredita que “é importante que os autores mostrem que o fator socioeconômico importa, e importa tanto quanto os apontados pela OMS”. “A evidência diz que a desigualdade mata. Estamos interessados na saúde do país, tanto na dos pobres quanto na dos ricos? Esse fator não é atacado porque não interessa”, diz Franco, epidemiologista da Universidade de Alcalá de Henares, especialista nos efeitos dos fatores sociais e ambientais sobre a saúde.
Franco explica como nos países ricos (o estudo foi centrado em dados do Reino Unido, França, Suíça, Portugal, Itália, Estados Unidos e Austrália) há diferenças “insuportáveis” na expectativa de vida dentro da mesma cidade, como Barcelona, Madri, Glasgow ou Baltimore. “E a diferença não para de crescer: a expectativa de vida dos pobres não cresce como a dos ricos”, denuncia. E conclui: “Fazemos pesquisas para melhorar alguma coisa. Sabemos que existem fatores estruturais que prejudicam a saúde, mas as autoridades não querem atacá-los, preferem falar apenas dos fatores individuais: pratique esporte, não fume”.
Crédito da foto da página inicial: EBC
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