Aproximadamente uma pessoa em cada quatro em idade economicamente ativa nos EUA pode ser considerada como funcionário público. Ou seja, o soldo é pago pelo Estado e as atribuições envolvem a prestação de serviços para a sociedade difusa – educação, transportes, saúde, assistência social, segurança etc.
No Brasil a fração é menor: são cerca de 660 mil funcionários públicos no nível federal para PEA de cerca de 157 milhões em 2014. Estima-se que haja cerca de um funcionário público para cada dez brasileiros aptos a trabalhar.
Isso, apesar da importância relativa maior que o Estado ocupa na formação histórica de nosso País. A explicação fundamental é que grande parcela dos empregos é concentrada no nível federal e, sobretudo, boa parte da população não tem acesso a educação mínima necessária para ingresso via concurso.
Considerando-se que 2015 será inevitavelmente marcado pela contenção de gastos públicos e aumento de despesas financeiras, o orçamento da União pouco contribuirá para indução de desenvolvimento econômico.
Não obstante, a qualidade de vida nas cidades brasileiras continuará a piorar aceleradamente, principalmente para os mais pobres.
Se por um lado isto significa que 2015 será um dos anos mais difíceis da história recente, com aumento de desemprego e inflação, por outro lado, a burocracia do Executivo Federal será relativamente menos solicitada, face à drástica diminuição de recursos orçamentários.
Tem-se, portanto, oportunidade de mobilização no Governo Federal ex Fazenda para a implementação de planejamento público. O importante agora parece a consolidação da democracia e a preparação para o salto mais adiante, quando se espera afrouxamento das restrições políticas vindas do estrangeiro, face ao agravamento da crise internacional.
Este artigo pretende discutir a proposta de planejamento participativo coordenado pelo Governo Federal como preparação para retomada do investimento público em infraestrutura social nas cidades brasileiras a partir de 2016/17.
O caso de Sergipe
Entre 2007 e 2012 foi implementado no Estado do Sergipe planejamento participativo, envolvendo perto de 22 mil pessoas, que reuniu e sistematizou 8.671 demandas por investimentos nas localidades, discutidas e aprovadas por delegados eleitos em cada município e reunidos em Conferências Territoriais. O passo a passo adotado a partir de 2007 foi:
– Tomou-se iniciativa de definir territórios com especificidades e desafios comparáveis, muitas vezes explicados por razões históricas, geográficas, econômicas e culturais. Os municípios foram distribuídos em 8 territórios, conforme Figura 1;
– Nos 75 municípios que aderiram ao planejamento foram realizadas reuniões de discussão diretamente com a população, nas quais foi possível escolher delegados e conjunto de propostas a ser defendidas;
– Foram então realizadas oito Conferências Territoriais, nas quais 2.883 representantes elegeram novos delegados e foi sintetizado novo rol de propostas;
– Em conferência estadual, reuniram-se 771 representantes dos oito territórios e construiu-se documento de planejamento aprovado pela Assembleia Legislativa como Lei;
– Preparou-se projeto que contemplasse investimentos em infraestrutura social para atendimento das demandas selecionadas como prioritárias pelo processo de planejamento participativo;
– Implementou-se projeto de investimento de R$ 270 milhões nos oito territórios, em cada município participante, com recursos do BNDES e de outros Programas (Minha Casa Minha Vida, Luz Para Todos etc.). Em dezembro de 2014, 115 obras, aproximadamente, foram finalizadas e entregues. A contratação das obras privilegiou empresas de construção civil locais, pulverizando-se os recursos.
A melhoria dos indicadores socioeconômicos já começou a ser percebida ao final de 2014 e a perspectiva é de que o planejamento participativo desencadeie maior interesse das comunidades no estabelecimento de metas e resultados na administração pública. Isto tudo em um dos Estados mais pobres e periféricos do País.
Planejamento participativo em ano de crise
A proposta de envolvimento dos governadores de Estado em torno do planejamento participativo visa a pavimentar as bases para o gasto público em investimentos em infraestrutura social com qualidade e transparência.
Assume-se que, de forma voluntária, os governadores devem em sua maioria, independentemente de partidos políticos, aderir à proposta. Isto porque as cidades brasileiras, cenário onde vivem 85% dos brasileiros, encontram-se com infraestrutura de serviços públicos inexistente ou precária (educação, saúde, transporte, resíduos, saneamento, a lista é longa).
Seguindo-se metodologia prototipada em Sergipe, deve-se dotar o IBGE com mandato para redefinição dos territórios de planejamento para todos os Estados brasileiros, o que exigirá intenso uso de tecnologia de geração e processamento de imagens e dados.
Atualmente, o IBGE não dispõe de recursos para realizar o trabalho em escala compatível com a ótica de territórios de planejamento (o mapa brasileiro vai até 1:100.000, enquanto o necessário seria inferior a 1:10.000 !).
Da mesma maneira, a MUNIC, pesquisa bianual realizada pelo IBGE junto aos municípios, carece de recursos para coleta de informações nas várias dimensões de interesse (econômicas, sociais, culturais, de gestão etc.).
Dados os territórios de planejamento, os governadores seriam convocados a aderir ao processo de planejamento. Para aqueles que vierem a aderir, caberá função de coordenação de esforços de planejamento no nível municipal, reproduzindo-se a experiência verificada pelos gestores em Sergipe.
A consolidação nacional das demandas locais será útil para dimensionamento do esforço de implementação a ser apoiado e monitorado pelo Governo Federal.
Ao ente central caberia ainda o estabelecimento de regras de procedimento para o planejamento público, de maneira a reduzir arbitrariedades político-partidárias ao mínimo.
O que se espera com o planejamento proposto é a preparação de projeto nacional para atendimento às principais demandas das cidades brasileiras, porém respeitando-se as realidades locais. A mobilização popular e a coordenação de esforços nos três níveis de Estado são ainda efeitos desejados e esperados.
Desta maneira, se e quando o Brasil voltar a reunir condições econômicas e políticas para avançar nos investimentos necessários, o que se espera que aconteça a partir do início de 2016, disporá de instrumento para implementação célere do que a sociedade difusa elegeu como prioridades.
Crédito da foto da página inicial: Renato Araújo/Arquivo ABr
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