É comum, nas conversas informais sobre economia, que ocorrem desde o happy hourde sexta até em entrevistas de políticos, se dizer que no sistema econômico o cobertor é muito curto. Ou seja, para implementar algumas políticas, necessariamente se deve abrir mão de outras.
Em uma linguagem mais acadêmica, segundo o economista Gregory Mankiw, pode-se explicar esse fenômeno pelo fato de enfrentarmos trade-offs(escolhas) o tempo todo.Com conceitos macroeconômicos não é diferente: mudanças na inflação, desemprego, crescimento do PIB, taxa de câmbio e afins podem se correlacionar de maneira competitiva, em que o ganho de um pode significar a perda de outro.
No Brasil atual, é frequente a afirmação de que o governo tem segurado a alta da inflação com o preço dos combustíveis, prejudicando assim a maior empresa do País: a Petrobras.
Existem, pelo menos, dois motivos básicos para isso: primeiro porque é verdade (e podemos notar isso pela queda no lucro líquido da empresa nos últimos anos) e segundo porque, em anos de eleição, a Petrobras vira alvo sistemático de críticas pouco construtivas, muitas vezes superficiais, que pertencem apenas a um jogo político.
Obviamente, o debate sobre as consequências de o governo congelar ou não os preços dos combustíveis, em detrimento de lançar mão de outras medidas mais [im]populares e conhecidas (aumentar taxa de juros, desvalorizar o salário, câmbio efetivamente livre) é tão complexo que caberia, no mínimo, uma dissertação sobre o assunto.
A despeito dessa discussão, um fato óbvio salta aos olhos: o governo só pode utilizar esse artifício por ser a Petrobras hoje uma empresa sólida e robusta, a ponto de lucrar, investir e ainda ajudar o País ao mesmo tempo.
Ou seja, com o fortalecimento da petrolífera nos últimos anos, o governo conseguiu aumentar o “cobertor econômico” ao qual nos referíamos no início, que mais parecia uma toalha de rosto nos anos 1990.
Destaco aqui alguns fatores que na década passada fizeram a Petrobras atingir um nível tão importante para a estratégia socioeconômica do País:
(1) A política de fortalecimento da empresa como “estatal”, diferente da década de 1990, quando a companhia passou por um período de baixíssima contratação de funcionários, fracos investimentos e uma privatização era quase realidade;
(2) A descoberta de reservatórios gigantes abaixo da camada pré-sal, que deu à empresa ótimas perspectivas de produção. Vale lembrar que as expectativas do mercado foram tão positivas que a Petrobras realizou uma capitalização recorde na história do mercado financeiro;
(3) Uma política nada tímida de investimentos (e.g. construção de plataformas e refinarias) para, num futuro próximo, poder dobrar a sua produção – segundo própria estimativa da ANP– e aumentar sua capacidade de refino, para depender menos das importações de combustíveis;
(4) O auxílio do BNDES (cuja importância já foi muito bem colocada no Brasil Debate) nos tempos em que os bancos internacionais diminuíram muito seus investimentos por conta da crise subprime;
(5) Aumentos de 30% em sua produção e quase 200% em seu lucro líquido, que ajudam a garantir os investimentos e alguma satisfação dos acionistas (a Petrobras está recuperando seu valor de mercado e se tornou, recentemente, a maior empresa de capital aberto do América Latina).
Apesar de todas as controvérsias que podem (e devem, para um rico debate) ser apontadas sobre o papel mais ativo do Estado no Brasil, em termos de resultados para a população, as medidas utilizadas pelo governo federal atual quanto à Petrobras e em geral foram exitosas.
Observa-se, por exemplo, que a diminuição do desemprego para níveis considerados por alguns especialistas como pleno emprego não ocasionou uma alta significativa da inflação.
Diferentemente do observado no final do século passado, em que o sistema de metas de inflação aplicado (porém apenas parcialmente obedecido) foi combinado ao aumento do desemprego. Esse é apenas mais um indício de que, com uma economia mais desenvolvida, pode-se aumentar o “cobertor” e encontrar um equilíbrio entre os indicadores econômicos e sociais que sejam benéficos para a população.
É preciso que os brasileiros avaliem bem as críticas que o governo recebe em sua gestão da Petrobras.
Considerando todos os interesses do País, é fácil constatar que a União – acionista majoritária da companhia e que deve zelar pelo Brasil como um todo – não deva pensar única e exclusivamente no lucro da empresa sem considerar os efeitos colaterais envolvidos. Da mesma forma, seria no mínimo ilógico abrir mão do poder que a Petrobras tem como uma empresa estratégica para a sociedade.
O Brasil, apesar de ser a sétima economia mundial e dos recentes avanços, ainda possui uma alta desigualdade social, má distribuição de renda e carece de serviços de qualidade essenciais como saúde, educação e infraestrutura, mas a Petrobras pode ser um instrumento para a modificação desse quadro.
Exemplos bem-sucedidos como o da Statoil, petrolífera norueguesa e uma das grandes responsáveis pelo fundo do petróleo (que fez, esse ano, a Noruega ter todos os “habitantes milionários”), não podem ser menosprezados em nome de uma política que busque exclusivamente o lucro.
Crédito da foto da página inicial: EBC
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