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Perdemos de 7×1, de novo

No último domingo, o brasileiro ainda vivia a ressaca da derrota para a Bélgica na Copa do Mundo, ocorrida dois dias antes, quando foi surpreendido com um inesperado jogo de várzea, em que o já combalido Estado Democrático de Direito sofreu um vergonhoso 7 a 1. Menos familiarizados com o juridiquês que com a linguagem do futebol, muitos se perguntavam o que estava acontecendo. Depois de muito futricar na rede, tentamos clarear o jogo:

1. O desembargador Rogério Favreto, enquanto plantonista do TRF4, estava em posição legal para decidir o habeas corpus (HC) de Lula. Quem está de plantão se torna juiz natural, caso contrário não faria sentido haver plantão. Sendo competente o juiz plantonista, significa que o relator titular está fora de jogo, em posição de impedimento. Cabe lembrar que a escalação de Favreto foi feita por sorteio, e não por seu histórico de atuar pela ponta esquerda.

2. Independentemente do mérito do HC, se há ou não fato novo, o controle da legalidade da decisão deveria ser feito após término do plantão por autoridade competente (órgão superior, no caso STJ, ou próprio órgão colegiado do TRF4). Até que isso fosse feito, a ordem judicial deveria ser cumprida. Como todos sabemos, o VAR (Video Assistant Referee) não está instituído no sistema legal brasileiro.

3. O desembargador que concedeu o HC é do time petista, pois já foi “flagrado” jogando ao lado de figuras do PT. Aplicando o mesmo raciocínio, o juiz que condenou Lula é do time tucano, pois foi “flagrado” tirando fotos com craques do PSDB. Se seguirmos a mesma lógica de buscar por indícios de preferências ideológicas dos magistrados, não podemos nos esquecer que Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, presidente do TRF4 que selou a virada do habeas corpus de Lula, é neto de Carlos Thompson Flores, que foi nomeado ministro do Supremo pelo ponta direita da Ditadura Civil-Militar general Costa e Silva em 1968 e que o ministro do STF Alexandre de Moraes, que recentemente negou habeas corpus a Lula, foi, por anos, jogador do PSDB. Esses “atributos” dos magistrados só deveriam ser utilizados se aplicados com simetria, certo? Não vale chamar o adversário de “petralha” e acreditar na neutralidade do outro e, reverso da medalha, chamar um de “tucanalha” e achar que o outro é imparcial. Viés ideológico importa, e a essa altura da História está bastante claro quem joga em qual time e em que posição, mas isso não deve impedir a análise do mérito das peças e decisões jurídicas.

4.Juiz de primeira instância não deve se manifestar em processo que não pertence a sua jurisdição, assim como jogador que não está no jogo não pode marcar gol. Óbvio ululante, diria o tricolor Nelson Rodrigues. O despacho de Moro alegando incompetência do desembargador não encontra respaldo jurídico, é extravagante. Moro sequer era a autoridade coatora, estava completamente fora do processo que advinha da 12ª Vara Federal de Curitiba, da juíza Carolina Lebbos. Moro, da 13ª Vara Federal, nem mesmo juiz de execução penal é. Será que o mesmo ocorreria caso o paciente fosse Seu Zé em vez de um ex-presidente, se ele jogasse no time dos Perrela e não no Corinthians?

5. A jogada jurídica pra barrar o HC foi coordenada, quiçá ensaiada em treinamentos. A decisão do Desembargador João Gebran foi motivada “por consulta formulada pelo Juízo da 13a Vara Federal de Curitiba/PR nos autos da Ação Penal no 5046512-94.2016.4.04.7000/PR”, aquela figura processual inexistente citada acima no ponto 4. Essa própria “consulta” é uma inovação no jogo processual, ou seja, Moro, incompetente e de férias, inventou uma peça jurídica que sequer existe no Código de Processo Penal na tentativa de catimbar a partida. Pior, a Polícia Federal desacatou ordem judicial, fez cera e esperou a reversão do HC.

6. Para terminar a peleja, foi crucial a intervenção do dono do campo de várzea onde aconteceu essa pelada, o presidente do TRF4 Thompson Flores. Aquele mesmo que correu para a imprensa para falar que a sentença de Moro condenando Lula era irretocável, isso antes mesmo de pôr a mãos nas dezenas de milhares de páginas dos autos, e que acelerou o julgamento da apelação de Lula no TRF4 em tempo recorde. Com a proteção do dono da bola, João Gebran se sentiu livre para dar uma decisão ainda que “roubando” a competência do plantonista, pois sabia Thompson Flores convalidaria qualquer nulidade.

Se esses fatos não são suficientes pra demonstrar engajamento pessoal de figuras do judiciário (que estavam de férias!!!) e seletividade na condução do processo de Lula, o que mais precisa? É possível sustentar que a partida foi justa? Que as regras do jogo, tais como a impessoalidade e a imparcialidade, foram observadas?

Nossas instituições estão esfarelando, nosso campo virando lama, e o que mais se vê são torcedores comemorando a manutenção da prisão de Lula. Um terrível gol contra. Na ânsia de combater corrupção estão destruindo aquilo que é mais fundamental para combatê-la: solidez institucional. A regra tem que ser clara! Será que resta aos adversários de Lula e PT um mínimo de preocupação republicana, com a existência futura de um jogo político civilizado? Ou o Fla-Flu de várzea vai continuar a destruir nossas instituições?

Como disse o professor Bruno Reis, um grande torcedor da democracia, “quando o judiciário vira a cizânia que virou, a política se transforma em um jogo de futebol em que as balizas se mexem o tempo todo. Assim, o risco de violência aumenta muito”. Apesar da goleada no último domingo, seguiremos firmes na arquibancada apoiando o Estado Democrático de Direito.

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