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PEC 241: Projeção mostra a tragédia social que ela provocará

Fragmento do documento: “Austeridade e Retrocesso: Finanças Públicas e Política Fiscal no Brasil”: LEIA A VERSÃO COMPLETA: Austeridade e Retrocesso, DIVULGUE 

A PEC 241, muito mais do que uma reforma fiscal, representa a imposição de outro projeto de país, incompatível com a Constituição de 1988.

Se aplicada literalmente, a regra brasileira reduziria a despesa primária do governo federal de cerca de 20% do PIB em 2016 para algo em torno de 16% do PIB até 2026 ou mesmo 12% em 2026 (ver figura).[1] Na prática, ao estabelecer uma política de redução permanente do gasto se está perenizando uma política fiscal contracionista e que não tem nada de “anticíclica”. Diferentemente do que diz a exposição de motivos da PEC, a regra é acíclica, pois o gasto será determinado de forma independente do ciclo econômico.

Além disso, a nova regra não prevê cláusulas de escape, ou seja, nenhum mecanismo para lidar com crises econômicas ou outros choques. Ao contrário, tende a engessar a política fiscal por duas décadas e contribuir zero para o crescimento da demanda agregada, puxando para baixo o crescimento do PIB.

[i] Sob um cenário bastante otimista de retomada do crescimento econômico a 2,5% ao ano a partir de 2018, ainda que inferior à média de crescimento do PIB dos últimos 20 anos próxima de 3%. É claro que essas estimativas dependem de hipóteses sobre a evolução do PIB e inflação, entre outras variáveis incertezas.


grafico pec 241

As falácias e perigos embutidos não param por aqui. O documento do governo ao justificar ao Congresso o “Novo Regime Fiscal”, por exemplo, afirma que a proposta de “nominalismo” é uma medida democrática. Isto porque o papel do Poder Executivo seria exclusivamente o de estabelecer um teto para o gasto global. Cabendo à sociedade, por meio de seus representantes no parlamento, alocar os recursos entre os diversos programas.

Esse mesmo princípio democrático serve como justificativa para o “Novo Regime Fiscal” contemplar uma mudança na fórmula de cálculo dos pisos de gasto em saúde e educação, sob o pressuposto de que as regras constitucionais anteriores que indexam esses pisos a percentuais da receita (ou do PIB) geram ineficiência na aplicação dos recursos públicos.

Propõem-se, como alternativa, que os valores reais dos pisos de gastos em saúde e educação fiquem congelados por duas décadas (apenas sendo reajustados pela inflação), mas isso, segundo a proposta, não impede a sociedade, por meio de seus representantes, de definir despesa mais elevada para saúde e educação, desde que consistentes com o limite total de gastos.

Ora, na verdade o que o novo regime propõe fazer é retirar da sociedade e do parlamento a prerrogativa de moldar o tamanho do orçamento público, que passará a ser definido por uma variável econômica (a taxa de inflação). Impõe-se uma política de redução do gasto pelo período de duas décadas e a participação democrática no processo orçamentário fica reduzida a meramente delimitar quais gastos e programas serão mais ou menos contidos. Não causa surpresa que tamanha confusão sobre os princípios democráticos venha de um Poder Executivo que não passou pelo crivo das urnas.

O que, sim, surpreende é uma visão no mínimo simplista sobre as práticas políticas no nosso país, as quais os integrantes do Governo Temer conhecem muito bem. Dada a maneira como, infelizmente, opera nossa estrutura política, o processo decisório é muitas vezes capturado em favor de grupos mais organizados e de maior poder econômico e em detrimento da parcela mais expressiva da nossa população, que são os principais beneficiários dos sistemas públicos de saúde e educação.

É exatamente por admitir que os interesses dessa população mais carente estão subrepresentados no dia a dia da nossa política que os nossos constituintes preocuparam-se em estabelecer regras de gastos mínimos de saúde e educação que evitassem perda de relevância dessas despesas ao longo do tempo. Garantir que os gastos com saúde e educação aumentem conforme o país cresce é um dever cívico que o novo regime fiscal menospreza.

Diante desse quadro, não é possível prever com certeza o futuro dos gastos de saúde e educação caso, como propõe o governo, os mínimos fiquem congelados em valores reais (e sejam reajustados apenas pela inflação).

Ainda que o mais crível seja uma convergência gradual para esses mínimos em prejuízo da população mais carente do país. De acordo com um exercício bastante simplificado de simulação, isso pode significar uma queda dos atuais 4% do PIB gastos em saúde e educação para algo próximo de 3% do PIB em 10 anos (ver a figura).

Além disso, é preciso refletir sobre a viabilidade prática do teto de gasto global, considerando que existem despesas que inevitavelmente crescerão mais do que a inflação, como é o caso dos benefícios previdenciários.

As projeções mais otimistas para a reforma da Previdência indicam que o gasto com aposentadorias e pensões (40% da despesa primária) permanecerá no mínimo estável em proporção do PIB por uma década e meia e depois voltará a crescer. Já as projeções mais realistas apontam para crescimento das despesas previdenciárias de 0,8% a 3% do PIB na próxima década em resposta a pressões demográficas.

Sob tal cenário, para que o teto global da despesa seja cumprido, os demais gastos – os quais compreendem desde benefícios sociais como a Bolsa Família, salário de servidores, gastos com ciência e tecnologia, forças armadas, legislativo e judiciário, investimentos em infraestrutura etc. – precisariam encolher quase pela metade em 10 anos (de 8% para 4% do PIB ou até 3% do PIB em 20 anos), o que é pouco crível porque comprometeria o funcionamento da máquina pública e inviabilizaria o financiamento de funções estatais básicas. Essa meta não parece ser realista, o que leva a crer que o teto, na prática, é inviável e será flexibilizado.

Por fim, chama a atenção a falta de preocupação em limitar gastos que não aparecem no orçamento primário, como os elevados montantes de juros – diante do simplório (e equivocado) argumento dos defensores da proposta de que estes cairiam automaticamente sob o novo regime fiscal.

Portanto, o novo regime fiscal é desastroso, pois, (i) do ponto de vista macroeconômico, representa um entrave ao crescimento econômico e a atuação anticíclica do Estado, (ii) do ponto de vista social significa a destruição da Constituição de 1988 e um arrocho nos serviços sociais especialmente educação e saúde e (iii) do ponto de vista político esse retira o poder do congresso e da sociedade de moldar o tamanho do orçamento público e, de forma antidemocrática, impõe um novo pacto social – sem legitimidade social – em torno de um Estado mínimo.

Nota

[1] Sob um cenário bastante otimista de retomada do crescimento econômico a 2,5% ao ano a partir de 2018, ainda que inferior à média de crescimento do PIB dos últimos 20 anos próxima de 3%. É claro que essas estimativas dependem de hipóteses sobre a evolução do PIB e inflação, entre outras variáveis incertezas.

Crédito da foto da página inicial: Lula Marques/Agência PT

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