Em tempo de disputa política eleitoral, as narrativas do “interesse geral” são explicitadas nas manchetes. O “mercado” tem suas preferências, o qual é traduzido como sintoma da “economia”. O que seria bom para a “economia”? Impõe-se a clarificação de tais conceitos.
Nosso sistema é de economia de mercado: capitalismo. A “economia” envolve preços, lucros, salários, juros, renda, produção, taxa de câmbio, déficit, superávit, exportação, importação etc. O “mercado” é a instituição em que se articulam os negócios. As relações de oferta e de demanda, os preços, a produção, o consumo, são relações de mercado. Há reconhecidamente, nestas relações, interesses contraditórios. Seja quando se analisa pela ótica consumidor/produtor, seja quando se analisa pela ótica trabalhador/empresário.
Entretanto, no discurso comum, a referência ao “mercado” e à “economia” é traduzida como o índice da Bolsa de Valores de São Paulo e a preferência dos investidores no sistema financeiro. O interesse manifesto, nesse caso, é daqueles que vivem de aplicações financeiras, ou seja, de sua propriedade, os rentistas, e também o interesse daqueles que vivem de lucros, os empresários (setor produtivo). Geralmente o que se transmite como o “mercado” é na verdade o “mercado financeiro”.
Há um relativo consenso de que é de “interesse geral” a elevação da atividade econômica, pois ela gera lucros, salários, empregos, juros, impostos, consumo etc. Não é possível ignorar, entretanto, que nos interesses da “economia” há contradições.
Autores de matriz liberal, como o clássico David Ricardo, reconhecem que “aquilo que se pagasse como salário teria a máxima importância em relação aos lucros, pois, evidentemente, estes últimos seriam altos ou baixos, exatamente na proporção em que os primeiros fossem baixos ou altos” (RICARDO, 1996, p.33). “Todo aumento de salários — ou, o que é a mesma coisa, toda queda nos lucros […]” (RICARDO, 1996, p.41). Em assim sendo, nem sempre os interesses são convergentes. A elevação do nível de salários interessa a quem recebe salário, mas não a quem o paga.
A expressão desta contradição é mensurada pelas contas nacionais. A proporção de lucros e salários no PIB é simétrica, conforme expressa o gráfico abaixo. Claramente, há períodos em que a participação dos salários cai e, simetricamente, a dos lucros sobe, sendo o inverso verdadeiro.
Neste sentido, é de interesse daqueles que pagam os salários e obtêm lucros que os primeiros caiam. Dito de outra maneira, eles desejam a redução dos custos empresariais. Não apenas via salários, mas também via tributos, os quais financiam serviços públicos que distribuem renda de forma indireta, tais como educação, saúde, previdência, assistência social, políticas de moradia. Mesmo que no Brasil a arrecadação de impostos seja regressiva, seus gastos, sabidamente, distribuem renda.
O Gráfico 2 demonstra que os gastos em saúde, educação, previdência social, programa bolsa família e benefício de prestação continuada reduzem a desigualdade e auxiliam na elevação do PIB. Já os gastos em juros da dívida pública ampliam a desigualdade.
Nessa medida, aqueles que não utilizam os serviços públicos, não têm interesse em gastos nos serviços sociais. É de interesse daqueles que vivem de lucros e da rentabilidade financeira que os salários não se elevem e que os gastos públicos caiam, assim, os tributos e custos empresariais poderão também cair.
A agenda econômica e política do “mercado” (financeiro) é, portanto, a da redução dos serviços públicos, da flexibilização da legislação trabalhista, da reforma da previdência, da privatização dos serviços públicos, em uma palavra: da liberalização.
Os interesses do “mercado” (financeiro) são então contraditórios aos interesses daqueles que vivem de seu trabalho, daqueles que procuram trabalho, daqueles que utilizam os serviços públicos e também daqueles que não possuem riqueza acumulada, ou seja, da esmagadora maioria da população brasileira.
O discurso do que é bom para a “economia” e para o “mercado” é travestido de “interesse geral”, quando na verdade, é o interesse específico da minoria rica do país que vive de aplicações financeiras e, muitos deles, não trabalham e possuem riqueza herdada. O mercado financeiro e a imprensa brasileira auxiliam a narrar os interesses específicos da minoria rica como sendo os interesses gerais e como aquilo que é bom para a “economia”. Dominam o discurso comum expressando sua vontade como a vontade da nação.
Referências:
CASTRO, Jorge Abrahão. Política social no Brasil: distribuição de renda e crescimento econômico. In: ANFIP; FENAFISCO. A reforma tributária necessária: diagnóstico e premissas. Brasília: ANFIP, FENAFISCO; São Paulo: Plataforma Política Social, 2018.
RICARDO, David. Princípios de economia política e tributação. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
Crédito da foto da página inicial: Tânia Rêgo/Agência Brasil
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