O fenômeno da pobreza e desigualdade no País sempre esteve intensificado no meio rural, fato que desencadeou o intenso êxodo rural vivido entre as décadas de 1950 e 1970. Nesse período também foi proeminente o debate acerca do reordenamento fundiário como solução para a fixação do homem no campo.
Tal debate intensificou-se nos anos 1990, quando as estratégias adotadas para a contenção do processo inflacionário tiveram como consequência o aumento expressivo das taxas de pobreza, dando origem aos conflitos extremamente sangrentos no meio rural, com destaque para o massacre de Corumbiara em 1995.
Na época, o governo articulou duas principais vias de combate à pobreza rural:
i) intensificou o processo de desapropriação de terras com a criação de assentamentos e;
ii) juntamente com organismos multilaterais (tais como o Banco Mundial), criou uma via alternativa e não excludente à anterior, a chamada reforma agrária via mercado – em que, por meio de associações e fomento do capital social, os agricultores sem ou com pouca terra poderiam receber financiamento para a compra da terra e instalações iniciais.
Essa segunda alternativa citada está baseada no fomento do capital social, que diz respeito às relações interpessoais e constitui importante ativo.
Essa concepção foi colocada em prática em diversos países, por meio do acesso ao crédito pelo “monitoramento de pares”, em que a comunidade coordena a tomada de empréstimos junto aos bancos, sendo um incentivo para a diminuição dos riscos e facilitando o desenvolvimento local.
No período atual, verifica-se que ambas as vias proporcionaram ganhos para seus beneficiários, especialmente o direto à moradia e condições mínimas de sobrevivência.
No entanto, as ações do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) estão focadas, cada vez mais, no sentido de regularizar e apoiar os assentamentos existentes, em detrimento de novas desapropriações.
Segundo pesquisa preliminar publicada pelo Incra em 2010, permanecem deficiências especialmente na manutenção dessas áreas.
Para o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, os assentamentos da reforma agrária “não andaram como o governo esperava”.
Carvalho reconheceu o pouco avanço na distribuição de terras e afirmou que “houve uma grande preocupação com a qualificação dos assentamentos. Nós nos demos conta que muitos assentamentos estavam se transformando na antirreforma agrária, as pessoas não conseguiam sobreviver”.
Por outro lado, desde 2003, os projetos de crédito fundiário (entre eles: o Projeto Cédula da Terra, Banco da Terra, etc.) foram unificados no Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF), que está beneficiando mais de 90 mil famílias, segundo estimativas realizadas em 2011.
Pesquisas que analisaram o Projeto Cédula da Terra mostram que também existem diversos problemas, sendo os principais:
a) Limites ao financiamento: ao estipular um teto máximo para o financiamento de US$ 11.200, o mesmo se mostrou insuficiente para todas as necessidades;
b) Alta participação da produção para autoconsumo: as dificuldades para obter crédito, assistência técnica e condições de escoamento da produção dificultou a inserção nos mercados, culminando em produção para autoconsumo em detrimento da associativa e
c) Elevado endividamento: a falta de capacidade de ganhos monetários através da comercialização da produção gerou um cenário de incapacidade de pagamento das dívidas.
Dessa forma, são nítidas as limitações do capital social, relevante no apoio mútuo em tarefas do cotidiano, mas quase inexistente na produção associativa.
Os projetos bem-sucedidos, geralmente, são aqueles que apresentam pelo menos um agente intermediador com o mercado local. Assim, coloca-se como um dos desafios a existência desse(s) “agente-ponte” com os mercados locais.
Para tanto, é preciso que cada caso seja analisado de acordo com as suas especificidades, além das necessárias e amplamente conhecidas melhorias nos serviços de infraestrutura, pois todos necessitam do Estado como fonte de apoio.
Esse desafio é imenso e necessário, uma vez que, os dados de pobreza e desigualdade para a População em Idade Ativa (PIA), no caso do meio rural, continuam alarmantes.
No campo estão a maior parte dos indigentes do País (cerca de 22%), especialmente nas regiões Norte e Nordeste, em contraste com as regiões Sul e Sudeste, se formos analisar a distribuição pelas Unidades Federativas.
Portanto, é necessário articular as instâncias governamentais e locais para que esses desafios sejam enfrentados na prática.
De início, ações simples e de baixo custo operacional podem auxiliar de forma expressiva, entre elas: a criação de um sistema de informações digitalizado entre os municípios com as dados sobre o desenvolvimento tanto dos projetos de crédito fundiário como dos assentamentos e a inclusão desses produtores nas feiras municipais e no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do governo federal, para estimular a produção e a economia local.
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