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Observações brasileiras sobre o modelo de desenvolvimento sueco (parte 1)

O “modelo sueco”, ao contrário do que geralmente é divulgado, caracterizou-se pelo seu forte caráter nacionalista no âmbito do desenvolvimento. Houve, na Suécia social-democrata no século 20 (o Partido Social-Democrata sueco governou ininterruptamente de 1932 a 1976), a articulação, pelo planejamento governamental, da política industrial com a social, para que ambas constituíssem uma unidade. A partir do planejamento executado através do Estado, os governos, durante esse período, tornaram possível que a maior acumulação capitalista nacional acompanhasse a desmercantilização da cidadania e a redução das desigualdades sociais (Ryner, 2002).

Com efeito, nesse período, ocorreu o maior crescimento da indústria, da infraestrutura, do comércio internacional, dos serviços e do bem-estar na história do país (Bohlin, 2014; Schön, 2008).

Os governos sociais-democratas mantiveram e ampliaram o nacionalismo e o protecionismo que já existiam desde o século 19, tornando o “modelo sueco” bastante fechado à entrada de capital estrangeiro.

Desde o século 19, a propriedade estrangeira nos setores bancário, habitacional e minerador foi proibida. Só na década de 1980, com as reformas liberalizantes (iniciadas, então, pelos próprios sociais-democratas, porém aprofundadas pela coalizão de centro-direita na década seguinte), a propriedade estrangeira ganhou espaço.

Em 1916, o direito de voto a estrangeiros em empresas de recursos naturais foi limitado em até 20%. Na década de 1930, já em governo social-democrata, o direito de propriedade de ações concedido a estrangeiros, em empresas listadas na Bolsa de Estocolmo, foi permitido apenas aos “unrestricted shares”, que correspondiam a no máximo 20% do direito de votos nas empresas, enquanto ao restante, os “restricted shares”, só seria permitida a propriedade por indivíduos ou instituições[1] suecas. Essa lei perdurou até 1992, quando o país adaptou sua legislação às exigências para ingressar na União Europeia.

Tamanho era o grau de nacionalização da economia sueca que, de 1950 até a década de 1990, os estrangeiros jamais controlaram mais de 10% dos ativos listados no país (Hogfeldt, 2005). Em 1939, o Ato de Controle Cambial estabeleceu que apenas ao Banco Central sueco, subordinado ao Parlamento, seria permitido comercializar em moeda estrangeira (Bergh, 2011). Os fortes controles e restrições governamentais sobre o crédito, a moeda, a taxa de juros, o câmbio, as movimentações de capital, o mercado de ações e os investimentos estrangeiros foram exercidos para preservar a soberania nacional, incentivar a produção e o bem-estar, e desestimular a especulação e o rentismo (Oxelheim, 1990).

Um dos componentes centrais do “modelo sueco” foi o plano Rehn-Meidner (doravante R-M), elaborado em 1951 e implementado desde o início dessa década até os anos 1980. A estratégia foi assim chamada em função de seus idealizadores terem sido os economistas Gösta Rehn e Rudolf Meidner, ligados à central sindical LO, historicamente vinculada ao Partido Social-Democrata.

O objetivo era alcançar, ao mesmo tempo e pelo planejamento estatal, o pleno-emprego e o controle inflacionário em um contexto de desenvolvimento produtivo, ampliação do Estado de bem-estar e redução das desigualdades sociais. A “política salarial solidária”, negociada em instâncias neocorporativas nacionalmente centralizadas, estabelecia o princípio de “pagamento igual para trabalho igual”, independentemente da lucratividade das empresas. Foram concedidos maiores aumentos salariais para as categorias com piores remunerações, intensificando a elevação dos custos para as empresas menos sofisticadas, com mão de obra mais barata, e aliviando para as mais sofisticadas, com mão de obra mais cara.

Pressionando os lucros para baixo, foram eliminadas as firmas menos eficientes, incapazes de arcar com a elevação do preço da força de trabalho. Foi possível, assim, a reestruturação industrial em benefício das empresas industriais mais complexas e avançadas, sobretudo do setor de engenharia e com forte caráter exportador. A compressão dos lucros e a moderação salarial nas categorias de maior remuneração evitaram o sobreaquecimento da demanda e o aumento acentuado da inflação, reduzindo simultaneamente as desigualdades sociais.

O planejamento salarial foi combinado com a “política ativa de recursos humanos”, conjunto de políticas sociais voltadas para a capacitação e realocação da mão de obra. A política ativa de recursos humanos direcionou volumosos recursos públicos para permitir a mobilidade da mão de obra rumo às grandes companhias nacionais, capazes de empregar mais trabalhadores e pagar maiores salários. Por conseguinte, o objetivo do plano foi alcançado (Pontusson, 1996).

A política tributária adotada estava inserida nos propósitos do plano R-M. Devido à compressão de lucros pela política salarial solidária, a tributação não era tão onerosa às grandes empresas, com a contrapartida de aumento da produtividade.

O governo oferecia subsídios a investimentos feitos em maquinaria e P&D, exigindo que 40% dos lucros obtidos fossem depositados, sem cobrança de impostos, no Fundo de Reserva de Investimentos de Tributos, ligado ao Banco Central. O valor seria devolvido às empresas em momentos de desaceleração ou recessão econômica, sob autorização do Banco Central, a fim de estimular os investimentos, garantir os empregos e superar a crise (Bohlin, 2014; Hogfeldt, 2005).

Ao mesmo tempo em que os impostos eram baixos para o montante reinvestido nas empresas, eram altos para o que fosse distribuído aos acionistas. Desse modo, o governo encorajava os investimentos produtivos e desencorajava o mercado de ações e a acumulação sem propósitos coletivos (Schön, 2008).

*A segunda parte deste artigo será publicada na próxima segunda-feira.

Notas

[1] Agradeço a Marcus Ianoni pela leitura atenta e pelas sugestões.

Referências

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BOHLIN, Jan. Sweden: the rise and the fall of the Swedish model. In: FOREMAN-PECK, James; FEDERICO, Giovani (ed). European Industrial Policy: the twentieth-century experience. Oxford: Oxford University Press, 1999.

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