top of page
fundo.png
  • Foto do escritorBrasil Debate

O ‘romance-manifesto’ de Kucinski e a prática do desaparecimento, tão brasileira

Atualizado: 8 de ago.

O livro “O congresso dos desaparecidos”, de Bernardo Kucinski, teve lançamento no dia 7 de maio, no TUSP, no Centro Maria Antonia, com programação que incluía uma peça teatral, “Um memorial para Antígona”, criada pelo grupo Comitê Escondido, seguida de emocionante debate com Bernardo Kucinski, o historiador Márcio Seligmann e o diretor da peça, Vicente Antunes Ramos.


“Um Memorial para Antígona”, que segue em cartaz até 14 de maio de 2023, relaciona a tragédia grega à Lei da Anistia, dentro da mostra Teatro Pós-Trauma. Além da obra de Sófocles, o grupo investigou documentos das sessões do Congresso Nacional que debateram a criação da lei que inocentou os torturadores da ditadura civil-militar brasileira.


Entre março e junho ocorre no TUSP a mostra Teatro Pós-Trauma. Serão três espetáculos, gerados em diferentes âmbitos da Universidade, e que, por distintas miradas, enfrentam a crise da democracia no Brasil e o horror dos últimos anos de ameaças ao estado de direito.


O texto de Márcio Seligmann chama o livro de Kucinski, que conta como foi o congresso dos mortos brasileiros “desaparecidos”, de romance-manifesto:

Bernardo Kucinski, desde a publicação de seu romance, hoje já um clássico, K. – Relato de uma Busca, em 2011, tem lançado a cada par de anos uma nova produção literária. Suas produções orbitam em torno do “buraco negro” da memória da ditadura civil-militar de 1964-1985.


Trata-se, portanto de um projeto literário sólido que se volta contra as políticas de esquecimento e de memoricídio tão fecundas neste país.


“O congresso dos desaparecidos”, que agora vem à luz, é uma obra desconcertante em muitos sentidos. Em primeiro lugar, por ter como personagens exclusivamente vítimas do desaparecimento como prática de terrorismo de Estado.

Essa prática, amplamente utilizada nas ditaduras latino-americanas do século XX, no entanto, é apresentada por Kucinski no contexto da Colonialidade: desde que o Brasil foi criado praticou-se e se pratica o desaparecimento dos considerados indesejados pelos donos do poder.


Assim, ao lado dos desaparecidos políticos da ditadura que organizam um congresso e, depois, uma tomada de Brasília (em um contra-modelo revolucionário dos atos fascistas de 8/1/2023) encontramos também Zumbi, Antônio Conselheiro, Amarildo, combatentes da Cabanagem, da Guerra do Contestado, das ligas camponesas, de Canudos, indígenas, vítimas espectrais da violência e do racismo estruturais. Kucinski em seu romance-manifesto repagina a história do país do ponto de vista das continuidades de práticas de dominação e de necropolítica.


Nascido como fruto e resistência ao “surto fascista” que vivemos recentemente, no livro fica claro que a nossa tarefa agora é a de organizar uma memória resistente para se combater os fascismos de hoje e estruturar uma sociedade na qual os fascistas não tenham mais vez.

De quebra, o romance, decerto inspirado no Pedro Páramo, de Juan Rulfo, e em outros diálogos de espectros e mortos, apresenta uma autorreflexão crítica sobre as práticas de resistência e revolucionárias das esquerdas durante os anos de chumbo. Como sempre em suas obras, com ironia, personagens históricos e criados se misturam para permitir imaginarmos – criar uma imagem – da ditadura.


Como o período neoditatorial de 2016-2022 deixou claro com sua glamorização da ditadura, a memória desse período, ao lado da memória da barbárie institucional no Brasil devem constituir espinhas dorsais da resistência contra os fascismos que sempre galopam no dorso pútrido do negacionismo. Nesse sentido, a prática do desaparecimento deve ser vista como o epítome do fascismo latino-americano, seu cerne. A “fenomenologia do desaparecido político”, traçada por Kucinski aqui, não deixa dúvidas quanto a isso.

(por Márcio Seligmann-Silva)


Sobre a peça:

Um Memorial para Antígona

Os sete atores em cena estudam os documentos sobre a criação da Lei da Anistia enquanto idealizam um memorial para o mito grego.

Direção: Vicente Antunes Ramos. Com: Danilo Arrabal, Giovanna Monteiro e Julia Pedreira. Teatro da USP – rua Maria Antônia, 294, Vila Buarque, São Paulo, SP. Qui. a sáb., às 20h; dom., às 18h. Até 14/5. R$ 40, em sympla.com.br

Crédito da foto da página inicial: Matheus Brant/Divulgação de U memorial para Antígona

Comentarios


bottom of page