Para historiadores, não é incabível afirmar que a industrialização brasileira deve suas origens à vitalidade econômica do porto do Rio de Janeiro, uma vez que o reparo e a fabricação naval possibilitaram criar oficinas e fábricas voltadas à fundição de ferro, cascos de navios e motores a vapor
Artigo produzido para a coletânea Opina Rio, coordenada por Bruno Leonardo Barth Sobral, e divulgada com exclusividade pelo BD o Futuro
O famoso historiador francês do século XX Marc Bloch (1886-1944) afirmou que a incompreensão do presente nasceria, sem sombra de dúvida, do desconhecimento do passado. Nessa esteira, caminharam outros tantos intelectuais, inclusive anteriores ao Bloch, para entender que uma sociedade no presente deve estar ciente do caminho histórico que a levou aos lugares, físicos ou não, que ela ocupa.
Nesse sentido, é evidente para estudiosos das ciências humanas que não é possível mirar em horizontes e almejá-los sem saber a posição que se ocupa em relação a essas metas. Se é assim, como então a História poderia ser um instrumento do desenvolvimento humano e, particularmente, do desenvolvimento de um país, um estado ou uma cidade?
Essa é uma pergunta intrigante que, com toda certeza, não é possível de ser respondida em artigos e nem em teses. Apesar disso, ela não é inútil. Questionar-se sobre o passado pode trazer mudanças efetivas para o presente, embora não exista um caminho único para isso. O intuito desse artigo é, mais do que trazer respostas, gerar questionamentos para desvelar as potencialidades do presente.
A cidade do Rio de Janeiro tem como ano de fundação 1565, e desde então ela desempenhou um papel importantíssimo dentro das lógicas administrativas na América Portuguesa.
No ano 1572, por medo das invasões de outros grupos colonizadores, a Coroa Portuguesa optou por dividir a colônia em duas partes, tendo a parte norte ficado sob a jurisdição de Salvador e a parte sul - que contava com as capitanias do Espírito Santo, São Vicente e do Rio de Janeiro - sob a da cidade do Rio do Janeiro.
A escolha se deu em vista de sua posição central em relação às capitanias e, ainda, em relação ao Rio da Prata, território comercial importante da América Espanhola (Santos, 2017, p. 55-61).
Embora essa divisão não tenha durado tanto tempo, a cidade do Rio de Janeiro manteve, ao longo de anos, uma proeminência no sul da colônia. É a partir do século XVIII, enfim, que esse destaque chega a seu apogeu, dentro da lógica colonial, com a cidade se tornando a capital da colônia, em 1763.
A transferência se deu por mais de um motivo. Primeiro, o Rio ainda constituía o ponto de encontro das demais unidades administrativas no Centro-Sul e seguia sendo singular nas disputas de Portugal com a Espanha. Junto disso, a cidade ainda era local de escoamento do ouro das minas que, apesar das baixas na segunda metade do século XVIII, ainda era fonte importante da receita da Coroa. O porto da capital era tão importante naquele momento que a historiadora Maria Fernanda Bicalho chamou o Rio de Janeiro de “cidade-porto” (Bicalho, 2003, p. 84, 85).
Desde o século XVI, o território do atual Rio de Janeiro era visto sob uma ótica positiva devido às suas características físicas, que possibilitavam a constituição de um porto nos moldes coloniais; isto é, possibilitavam a atracação, o embarque e o desembarque, com poucos empecilhos de intempéries naturais (Honorato; Matuano, 2016, p. 4).
Porém a intensificação do movimento portuário do Rio de Janeiro tem seu início nas primeiras décadas do século XVII (Lamarão, 2006, p. 22). No século XVIII, há a consolidação desse processo.
Como elucidaram Honorato e Matuano (2016, p. 12), não seria incabível a afirmação de que a industrialização brasileira deve suas origens à vitalidade econômica do porto do Rio de Janeiro, uma vez que o reparo e a fabricação naval possibilitaram a criação e o condicionamento de diversas oficinas e fábricas voltadas à fundição de ferro, cascos de navios e motores a vapor. Isso demonstra o quanto esse setor da urbe possuía um aspecto multifacetado frente às possibilidades de desenvolvimento que, nesse caso, se deram no campo econômico e industrial.
Em 2016, podemos notar o porto, mais uma vez, demonstrando suas múltiplas possibilidades. Naquele ano foi inaugurado o Boulevard Olímpico, por ocasião das Olimpíadas do Rio.
Como parte do projeto Porto Maravilha, a via margeada pela Baia de Guanabara era um dos intentos mais promissores desse projeto que buscou, na linha de outras experiências internacionais, revitalizar áreas de bairros ligados ao porto para insuflar o potencial turístico.
Junto do Boulevard, foram implantados dois museus, um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), um aquário e outras obras menores. Contudo, como demonstrou o geógrafo João Carlos Carvalhaes dos Santos Monteiro, o intuito de inserir esse espaço nas rotas turísticas internacionais não surtiu os efeitos esperados. Em contrapartida, ele também apontou para os aspectos positivos desses espaços para o turismo local e para fins pedagógicos, com a visita de estudantes em excursões escolares (Monteiro, 2023, p. 4, 21).
Outra reflexão interessante do autor é notar como o Boulevard Olímpico contrasta com a desigualdade de parte da margem urbana, o que denota que a integração prometida pelo projeto não foi concretizada. De um lado, como ele aponta, há uma obra de bilhões de reais, e, do outro, cortiços irregulares e falta de saneamento básico (Monteiro, 2023, p. 18).
Fica evidente que o projeto, embora com muitos aspectos positivos, mira em objetivos sem consciência plena dos problemas históricos da região. Acerta em alguns pontos e erra, de forma grave, em outros.
Assim como o Porto do Rio de Janeiro, outros espaços na cidade também apresentam um grande potencial para o desenvolvimento. Dessa forma, é importante perceber como o legado histórico nos proporciona caminhos para a implementação desse desenvolvimento, seja por meio da formulação de políticas públicas, ou, ainda, por meio da ocupação de espaços de potencialidade pela comunidade civil local ou externa.
Entende-se que há uma diferença entre a apreensão de uma análise histórica para um melhor desenvolvimento urbano e a operação de predizer o futuro. Contudo, o olhar histórico lançado sobre um aspecto histórico e social torna possível compreender as questões do presente sobre o passado para, então, dar respostas que apontem para um futuro; ainda que não exista a certeza de como ou se esse futuro obedecerá ao planejamento realizado no presente. Desse modo, o artigo propõe não um vislumbre sobre um advento já conhecido, mas sim o levantamento de questões motrizes que ajudem a planejar um projeto de desenvolvimento urbano otimizado.
Neste ano (2024), a prefeitura do Rio anunciou uma nova obra no Porto. A empreitada busca construir o Parque do Porto, área voltada ao lazer e a integração do turismo marítimo de cruzeiros. Como as experiências do passado podem nos ajudar a vislumbrar esse projeto do presente para o futuro?
Título original: História e questionamentos do presente: O que o porto do Rio de Janeiro pode nos dizer sobre desenvolvimento urbano?
Crédito da foto da página inicial: Tânia Rêgo/Agência Brasil.
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