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O que está por trás da tentativa de afundar o BNDES

Publicado originalmente no Pragmatismo Político

Por Eric Gil Dantas*

Em poucas instituições estatais brasileiras pairam tantos contos da carochinha quanto no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Desde muito antes da sua campanha de 2018, Bolsonaro já insiste em desmoralizar o banco, querendo colar nele um selo de corrupto, repetindo como papagaio a existência de uma tal de caixa-preta.

Nem mesmo a fala agressiva do ex-presidente Paulo Rabello de Castro, que disse “ou eu sou um idiota completo, ou não existe caixa-preta”, desestimulou a caça às bruxas dos bolsonaristas, gerando, entre outros fatores, também a demissão de Joaquim Levy, primeiro presidente do BNDES no governo Bolsonaro e a contratação do amigo do filho do presidente, Gustavo Montezano.

Ao contrário do que o bolsonarismo tenta taxar, o BNDES é uma instituição muito respeitada pelos pesquisadores que o tomaram como objeto de pesquisa na Economia e na Ciência Política, no Brasil e no exterior.

Criado em 1952, como BNDE (sem o S de Social), no segundo governo Vargas, o banco foi instituição fundamental para o desenvolvimento econômico e para a modernização da burocracia brasileira. Como a professora de Ciência Política da Grinnell College, Eliza Willis, demonstrou em artigo clássico de 1995 sobre o tema, desde a sua criação o banco estatal foi um grande exemplo de instituição autônoma e com alto nível técnico.

Em trabalho recente apresentado no 43º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), demonstro, juntamente com outros dois cientistas políticos, que isto também é verdade para os últimos anos.

Em nossa pesquisa mostramos, por exemplo, que, de 1995 a 2016, apenas um indivíduo que ocupou um alto cargo (presidência, vice-presidência e diretoria) não tinha experiência profissional prévia (como ter trabalhado no próprio BNDES ou em outros bancos ou ser professor/pesquisador nas áreas de Economia e Engenharia).

Além disto, nenhum dos 59 indivíduos estudados por nós não possuía a formação adequada à sua função. O BNDES foi uma das primeiras instituições da burocracia brasileira a adotar concurso para ingresso de seus funcionários, e isto foi responsável por formar historicamente um corpo técnico do mais alto nível.

O BNDES ainda é, em tamanho, um dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo, ao lado de instituições como o banco de desenvolvimento alemão Kreditanstalt für Wiederaufbau (KfW) e o Banco de Desenvolvimento da China (BDC). Além disto, o BNDES foi responsável pelo planejamento e a execução de alguns dos principais programas econômicos de diversos governos, como o Plano de Metas de JK, o Plano de Desestatização de Collor e o de Campeões Nacionais de Lula e Dilma – mesmo trafegando entre diferentes visões econômicas manteve-se o alto nível técnico.

A quem interessa o declínio do BNDES?

Mas se esta é uma instituição tão importante para a política econômica e respeitada internacionalmente, por que tantas alas da direita estão querendo afundar o BNDES?

Dois motivos me vêm à mente. O primeiro é que o BNDES, a partir do seu braço de participações, o BNDESpar, possui muitas ações de empresas públicas e privadas, direcionando parte dos lucros desta empresa para os cofres públicos, ao invés de deixar este dinheiro para grandes empresários.

Na sua carteira de R$ 114,5 bilhões em ações, por exemplo, o banco estatal mantém 13,9% do capital da Petrobras, 21,32% da JBS, 6,12% da Vale, 18,72% da Eletrobras e 11,04% da Suzano. Vejam que são empresas extremamente lucrativas.

Mas por que um empresário gostaria que o Estado ficasse com o dinheiro que ele acha que deveria ser dele? É o exemplo do ex-deputado federal do PSDB-RJ, Ronaldo Cezar Coelho, que comprou a maior parte da venda das ações da Light ofertadas pelo BNDES, já como parte da política de desestruturação do banco estatal.

Em 2018, a empresa responsável pela distribuição de energia elétrica do estado do Rio, lucrou R$ 166 milhões. Por que o Estado teria que se apropriar desta parte do lucro, se este ex-deputado federal tucano poderá fazê-lo com muito mais alegria? Mas a joia da coroa será mesmo a venda das ações da estatal Petrobras, que depois de alto investimento estatal para descobrir o pré-sal, lucrará bastante com a sua exploração. Como sempre, investimento público e lucro privado.

A segunda questão é em relação à sua parcela de mercado. O BNDES obstrui um grande mercado como banco de investimento público. A existência desta estatal impede que bancos como o Itaú, Bradesco e mesmo o BTG Pactual, do ministro da Economia, lucre com mais empréstimos a taxa de juros maiores do que as praticadas pela estatal. Assim sendo, o BNDES é, desde sempre, um inimigo a ser eliminado por estas instituições bancárias.

Bem, o resultado da auditoria encomendada e paga a peso de ouro pelo governo Bolsonaro para achar a tal “caixa-preta” é a cereja do bolo da política ridícula que o governo vem adotando para o BNDES.

Podemos criticar eventuais exageros de subsídios ou mesmo erros de cálculo para a efetividade do retorno do investimento em uma dada empresa. Mas o BNDES é e sempre foi fundamental para a economia brasileira. Enterrá-lo como algo corrupto e tosco, tal como deseja o bolsonarismo, será mais um passo para submetermos de vez a economia brasileira aos desmandos dos bancos privados e dos especuladores sedentos por mais patrimônio público.

*Eric Gil Dantas é Economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais do Brasil (IBEPS), é doutor em Ciência Política pela UFPR.

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