A regulação do trabalho é um dos temas centrais do grande empresariado no Brasil, desde os anos 1990, dentro do contexto das reformas liberalizantes.
É o tema, por exemplo, de destaque na agenda das duas mais importantes entidades patronais, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) e a CNA (Confederação Nacional da Agricultura), que publicaram suas demandas nas últimas semanas (respectivamente, Propostas da indústria para as eleições 2014 e O que esperamos do próximo presidente 2015-2018).
A primeira candidata a publicar um programa de governo foi Marina Silva, que incorpora de forma explícita as principais demandas empresariais sobre a regulação do trabalho: 1) o aumento da liberalização da terceirização; 2) a possibilidade da negociação de direitos; 3) a mudança da definição do que é trabalho análogo ao escravo.
Em relação à terceirização, consta nas páginas 75 e 76 do programa de Marina que a: “terceirização de atividades leva a maior especialização produtiva, a maior divisão do trabalho e, consequentemente, a maior produtividade das empresas.”, que “há no Brasil um viés contra a terceirização” e que “existe hoje no Brasil um número elevado de disputas jurídicas sobre a terceirização de serviços com o argumento de que as atividades terceirizadas são atividades fins das empresas. Isso gera perda de eficiência do setor, reduzindo os ganhos de produtividade”, concluindo que irá “Disciplinar a terceirização de atividades com regras que a viabilizem”.
As pesquisas acadêmicas demonstram que a terceirização é uma forma de gestão do trabalho fortemente precarizante e estritamente relacionada às piores formas de exploração do trabalho e aos acidentes fatais. Portanto, ampliar sua liberalização provocará piora das condições de trabalho e de vida de grande parte da população.
Ao tratar da questão sindical, em que pese afirmar não pretender desregulamentar direitos individuais, abre a possibilidade de eles serem objeto de negociação, após mudanças na estrutura sindical, como está expresso na página 52. “…um passo importante será fomentar legislação favorável à autonomia e à liberdade sindical, que possa trazer mais segurança jurídica às relações entre empregado e empregador, ao mesmo tempo em que fortaleça o papel dos sindicatos nas negociações, facilitando sua organização nos locais de trabalho”.
A proposta aparentemente positiva de um suposto fortalecimento dos sindicatos, na forma como está anunciada abre a possibilidade de as normas trabalhistas serem passíveis de negociação com os sindicatos, o que pode expressar-se na supressão ou redução de direitos consagrados.
É um discurso evasivo e permeado de contradições, que busca agradar a atores sociais com interesses conflitantes.
Por fim, mas não menos grave, na página 204, o programa promete: “propor nova redação para o Artigo 149 do Código Penal, de modo a tipificar de forma mais precisa o crime de submeter alguém à condição análoga à de escravo”. Mais uma vez, abraça explicitamente o pedido empresarial contra os direitos trabalhistas.
A redação do referido artigo é clara ao definir como crime submeter trabalhadores a condições semelhantes ou piores do que aquelas vividas pelos escravos do século 19, seja por meio de coerção individual, seja por submissão a condições degradantes ou jornadas exaustivas, conforme é sistematicamente detectado pelas instituições públicas do trabalho.
Mudar o artigo é parte de uma campanha feroz contra a existência de limites à exploração do trabalho, que é exatamente o que está previsto na atual redação do Código Penal.
Os efeitos dessas propostas serão desastrosos para um mercado de trabalho que precisa, ao contrário de reduzir direitos (cujo eufemismo é flexibilizar), fortalecer a efetivação dos direitos existentes e ampliar a proteção social.
As cerca de 100 milhões de pessoas que vivem do trabalho precisam ter consciência do que está em jogo neste momento.
Crédito da foto da página inicial: EBC
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