Não acredito que as vergonhosas derrotas da seleção brasileira tenham qualquer efeito sobre as tendências eleitorais. Acredito, por outro lado, que o sucesso da Copa no Brasil, ao contrário de todas as previsões catastróficas a respeito, respingará negativamente sobre os arautos do fracasso, principalmente se a comunicação do PT e do governo demonstrarem capacidade positiva.
Porém, na relação da Copa com a política, chama a atenção o colapso de uma seleção com jogadores competentes, condições de treinamento e logística excepcionais, e uma comissão técnica, apesar dos fracassos históricos, vitoriosa no teste da Copa das Confederações. Os jogadores se transformaram em baratas tontas, a comissão técnica congelou, e a torcida emudeceu.
É verdade que muitos comentaristas criticavam a evidente falta de organização nos jogos anteriores. Descoordenada, a seleção era incapaz de realizar passes acertados. Tudo confluía para a capacidade individual de alguns poucos jogadores. Bastou o desfalque de dois deles para que o desastre se consumasse, evidenciando lacunas profundas na preparação estratégica e tática do time brasileiro.
Em termos políticos, colapsos desse tipo têm ocorrido até mesmo em partidos, governos e Estados. Exemplo de colapso anunciado de um partido e de um Estado foi o da União Soviética, que visitei no início dos anos 1990. Seu grau de desorganização econômica e social, e a ausência de políticas capazes de revertê-la, eram visíveis a qualquer observador.
No entanto, nem sempre a desorganização capaz de levar a um colapso é evidente. E nem sempre o colapso é fulminante, como nos casos da seleção do Filipão, do Estado soviético. Era difícil prever que a ditadura militar brasileira naufragaria justamente no auge de seu “milagre econômico”. E que o regime militar ainda conseguisse flutuar até 1984 e só afundasse quando seu partido político, a Arena, se partiu. Foi um colapso arrastado, produzindo estragos de toda ordem.
O governo Collor é outro exemplo de colapso anunciado. Dando o pontapé inicial à implantação do programa neoliberal, ele confiscou as poupanças, promoveu uma intensa e rápida desorganização econômica e social, e iniciou uma expropriação mafiosa de ativos públicos e privados para o enriquecimento meteórico de seu grupo. Seu colapso foi mais rápido do que qualquer analista poderia supor.
No caso dos governos neoliberais de FHC, econômica e socialmente ainda mais desastrosos do que o de Collor, ele parecia blindado contra qualquer colapso. Tinha o apoio do FMI, do Banco Mundial e do sistema financeiro internacional. Apesar disso, o colapso veio logo após a eleição de 1998. Foi prolongado e paralisante, porque os mentores externos e a burguesia nativa não tinham qualquer projeto alternativo.
O governo Lula e o PT quase entraram em colapso político em 2005, diante da crise que atingiu algumas de suas principais lideranças. O colapso só foi evitado porque a militância do PT ainda tinha garra e certo grau de organização. Além disso, a equipe de governo saiu da defensiva, apelou para as grandes massas populares, e enfrentou a disputa política numa perspectiva de mudanças.
Portanto, reflexões sobre o colapso da seleção brasileira podem nos ajudar a examinar com mais prudência o atual quadro político. Precisamos ter na lembrança as jornadas populares de junho de 2013 e a sequência de greves de trabalhadores assalariados, as mobilizações de trabalhadores sem-terra e sem-teto, e as manifestações dispersas de outros setores sociais. Elas apanharam de surpresa parcelas importantes do PT e do governo Dilma, que até hoje parecem não haver entendido que tais mobilizações e lutas expressam a emergência das novas gerações das classes populares.
Após quase três décadas de descenso, a luta de classes retornou. Em seu início, como sempre, apresentando dispersão, desorganização, e confusão de objetivos. Mas relacionada ao crescimento econômico a partir de 2003 e à criação de mais de 20 milhões de empregos. Milhões de excluídos ascenderam para a classe dos trabalhadores assalariados, e outros milhões desses excluídos ascenderam à posição de semi-incluídos, através dos programas de transferência de renda.
As políticas dos governos Lula e Dilma, ao invés de amortecerem a luta de classes, atenderam a uma parte das demandas básicas dos pobres e miseráveis e introduziram condições para demandas e reivindicações mais elevadas. Isto é, demandas relacionadas com o transporte urbano e suburbano, com a educação e a saúde pública, com a moradia e o saneamento básico, com o aumento da oferta de alimentos e bens de consumo não duráveis a preços mais baixos, e com a segurança pública.
Paradoxalmente, tais demandas foram erigidas pela direita e pela ultraesquerda políticas como a ponta de lança de sua ofensiva política. O fracasso na preparação e organização da Copa seria a demonstração cabal da incompetência do PT e do governo Dilma em atender às demandas populares. Parte dessas correntes políticas também teve esperança de que a derrota do time nacional influiria no aumento da rejeição popular ao governo, e torceu pela derrota da seleção canarinho.
As obras, a organização e a realização da Copa foram um sucesso nacional e internacional. E é difícil colocar o colapso da seleção na conta do governo. Apesar disso, é preciso ter em conta de que continuam atuando fatores desestabilizadores na economia, na sociedade e na política brasileira. Vários desses fatores atuam sobre as condições de vida das camadas populares, e vários outros atuam sobre a lucratividade e rentabilidades da burguesia e da pequena-burguesia.
Todos esses fatores podem tender ao colapso, dependendo das políticas adotadas para revertê-los. Portanto, ao invés de se deitar sobre o sucesso da Copa e achar que o perigo passou, PT e Dilma precisam precaver-se e empenhar-se nas mudanças exigidas pelas ruas. Sem vacilação.
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