Qualquer julgamento apressado e tutelado pela mídia internacional sobre a situação na Venezuela e o que realmente está por trás dessa Guerra Fria 2.0, como bem define o analista geopolítico independente e jornalista Pepe Escobar, é injusto. Isso se estende ao Brasil e à América Latina, na medida em que seus recursos cometem o “crime” de não estarem em solo norte-americano ou europeu.
Nesse xadrez, a Eurásia[1] tem um papel central, pois abriga o chamado “Heartland”, cuja importância, como já nos lembrava Moniz Bandeira, está definida em uma frase: “quem controlar a Eurásia, controlará o mundo”. A grande concentração de recursos naturais de toda a região, em especial do Oriente Médio, com destaque para o petróleo e o gás, ajuda a explicar o interesse norte-americano em levar “democracia e liberdade” pra esse pedaço do globo, ainda que China e Rússia não sejam nada “inocentes”.
Rússia, China, Irã e Turquia são os pilares da integração da Eurásia à Venezuela, que possui a maior reserva de petróleo do mundo, formando uma nova configuração que também inclui os BRICS, “ousando” negociarem petróleo em suas moedas, evitando o dólar. O Iraque já o tinha feito quando da sua invasão. Isto posto, fica claro que potências bélicas como Rússia, China e Irã (muito pelas armas nucleares) estão apoiando Maduro e a Venezuela pelo pragmatismo da economia e da geopolítica, sim, o que de tudo não é mal, sendo o contrapeso necessário à sangrenta e psicótica “política externa” norte-americana.
A Europa ainda depende muito do gás da Eurásia, basicamente do fornecimento russo. É a batalha energética mundial, e a história e o presente mostram o sangue em mãos norte-americanas como de nenhum outro país, ainda que todos os outros países estejam longe de serem “puros”.
A despeito de todos os equívocos na condução econômica da Venezuela, não diversificando suas fontes de receita e tendo que importar grande parte da comida e todos os demais problemas que todo país tem, ainda mais dadas as condições extremas inflamadas pelos EUA, desde Chávez os fatos mostram que as intervenções externas, como o embargo criminoso imposto pelos EUA é que são a grande causa da situação venezuelana. Muitos não sabem e a grande mídia não faz muita questão de citar, mas a Venezuela tem retidos cerca de U$ 1,3 bilhão em ouro, guardados em um banco britânico que negou liberação a Maduro. Um ato covarde, maquiavélico e estratégico de “guerra híbrida”, sem bombas e tiros.
O analista geopolítico e jornalista Pepe Escobar também nos lembra que, em 2016, Maduro transferiu 49,9% da CITGO, subsidiária da PDVSA (gigante estatal venezuelana de petróleo), para a russa ROSNEFT em troca de U$ 1,5 bilhão em empréstimos. Ainda segundo Pepe, uma delegação do Conselho Latino-Americano de Especialistas Eleitorais, uma entidade séria, foi categórica: a eleição (na Venezuela, elegendo Maduro) refletiu, de maneira “pacífica e sem problemas, o desejo dos cidadãos venezuelanos”. O que se buscaria, na verdade, é a formação de um cartel, encabeçado pela Venezuela e seu petróleo, o “Países Exportadores de Petróleo da América do Norte e da América do Sul” – PEPANAS (ou NEPASEC, em inglês) para rivalizar à altura com um projeto da Rússia junto da Casa de Saud (Casa Real no poder da Arábia Saudita desde 1932). Some-se a isso a reveladora dotação orçamentária do NED (National Endowment for Democracy ou Financiamento Nacional para a Democracia), que é uma fundação norte-americana financiada basicamente pelo Congresso dos Estados Unidos voltada para a Venezuela. Financiamento ou investimento? É só interesse em levar “democracia e liberdade” aos venezuelanos?
A cientista política iraniana residente em Barcelona, Espanha, Nazanín Armanian, nos lembra ainda que “Arábia Saudita e Qatar necessitam instalar, no Iraque e na Síria, regimes sunitas aliados, para poder traçar o ‘Gasoduto Árabe’”, que deve atravessar ambos os países, para chegar ao Mediterrâneo. Pretendem substituir a Rússia como principal fornecedor de gás à Europa, e anular o projeto de um gasoduto Irã-Iraque-Síria-Mediterrâneo. Seu objetivo de manter os preços do petróleo baixos é para forçar a Rússia e o Irã – fortemente dependentes da renda do petróleo e do gás – a abandonarem Assad.
O que os EUA já sabem é que “a integração energética eurasiana deverá evitar o petrodólar; faz parte do cerne da estratégia tanto dos BRICS quanto do SCO. Do Nord Stream2 ao Turk Stream, a Rússia está fechando uma parceria de longo prazo com a Europa. A dominação do Petroyuan (Yuan, moeda chinesa, como centro do comércio mundial de petróleo) é apenas questão de tempo”, nas palavras de Pepe Escobar.
O Brasil passou a ser minado não por acaso após a comprovação do pré-sal, culminando com um golpe contra a presidente legítima Dilma Rousseff, um revés para o BRICS, tendo o Brasil uma posição central com seus recursos e não menos diferente dos outros países sul-americanos.
Sempre é esse o roteiro: subornos, chantagens, boicotes, sanções e em últimas vias investidas militares. Até quando nós brasileiros e sul-americanos vamos esperar?
Fontes:
– https://www.strategic-culture.org/news/2019/02/01/venezuela-lets-cut-to-chase.html (Pepe Escobar, Analista Geopolítico Independente, Jornalista e Escritor, texto original).
– https://www.cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FInternacional%2F12-razoes-da-guerra-contra-a-Siria%2F6%2F34567 ( Nazanín Armanian, Cientista Política Iraniana residente na Espanha, Professora da Universidade de Barcelona e Colunista do diário online Publico.es).
– https://www.ned.org/region/latin-america-and-caribbean/venezuela-2017/?fbclid=IwAR1UN7_Ygm6n9jkr2DmbYe6dgGIdACwgzPQPvsKdN6JrL4nHp0JdeGBj_YM (Site oficial do NED, Fundação norte-americana – Dotação Orçamentária do NED para a Venezuela).
[1] Nome que define a junção da totalidade territorial de Europa e Ásia, contabilizando quase metade dos países do mundo e com cerca de 2/3 da população mundial.
Crédito da foto da página inicial: Manaure Quintero/Reuters
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