Publicado no Brasil 247 em 14-4-2016
A comunidade mundial está perplexa. Não consegue entender direito o que se passa no Brasil. Sobretudo, não consegue entender como uma presidenta sabidamente honesta pode ser afastada por adversários que são sabidamente corruptos e desonestos.
A comunidade internacional simplesmente não consegue entender a farsa monumental daquilo que alguns já chamam de “o golpe dos corruptos”.
Luis Almagro, Diretor-Geral da OEA, resumiu bem essa perplexidade numa entrevista desta semana ao jornal espanhol El País, na qual afirma que o que acontece no Brasil é “o mundo ao contrário”.
Disse ele:
“Para nós o fundamental é a realização de um processo de impeachment de uma presidente Dilma Rousseff que não é acusada de nada, não responde por nenhum ato ilegal. É algo que verdadeiramente nos preocupa, sobretudo porque vemos que entre os que podem acionar o processo de impeachment existem congressistas acusados e culpados. É o mundo ao contrário”.
Ressalte-se que a OEA tem cláusula democrática, que foi aplicada recentemente contra Honduras, no episódio da deposição inconstitucional do presidente Manuel Zelaya, em 2009.
A UNASUL, que também dispõe de cláusula democrática, aplicada contra o Paraguai, em 2012, emitiu ontem (dia 13 de abril) nota oficial da sua Secretaria Geral sobre a decisão da Comissão Especial da Câmara, na qual afirma que:
“A Presidenta só pode ser processada e destituída-revogando o mandato popular que a elegeu- por crimes em que verifique a sua participação dolosa e ativa. Aceitar que um presidente possa ser destituído do cargo por supostas falhas em meros atos administrativos pode levar à perigosa criminalização de um governo simplesmente por razões de natureza política.”
Essas manifestações recentes se somam a muitas outras contrárias ao golpe que ocorreram em semanas anteriores.
Entre elas, podemos destacar a da Cepal, agência especializada da ONU, a da ONU Mulheres, a do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), a do prêmio Nobel Adolfo Pérez-Esquivel e a dos ex-chefes de Estado, como José Mujica (Uruguai), Felipe González (Espanha), Massimo D’Alema (Itália), e Ricardo Lagos (Chile).
Há também a dos chefes de Estado atuais, como Michelle Bachelet (Chile), e Tabaré Vasquez (Uruguai), entre vários outros.
Os próprios meios de comunicação internacionais, como os jornais britânicos The Guardian e The Independent, a revista alemã Der Spiegel, o jornal francês Le Monde, o jornal espanholEl País, os jornais americanos Los Angeles Times e o New York Times, entre muitos outros, já fazem reportagens e matérias questionando fortemente o processo do golpe no Brasil. A Der Spiegel já está chamando o impeachment de “golpe frio”.
A TV Al Jazeera, maior emissora do mundo árabe, acessada em 47 países, fez dura reportagem denunciando o golpe e o papel da mídia partidarizada em sua criação.
O jornalista Glenn Greenwald, ganhador do prêmio Pulitzer por suas matérias sobre Edward Snowden, declarou recentemente que está “chocado” com o papel da mídia brasileira no golpe.
Mas não é apenas o Glenn que está chocado. O mundo inteiro está ficando chocado com essa farsa monumental.
O Mundo não está conseguindo entender esse “mundo ao contrário” do golpe brasileiro. Ninguém consegue entender essa total inversão de valores.
Não dá para entender mesmo.
É claro que não é a primeira vez que se faz ou se tenta fazer um golpe no Brasil. Foi o que ocorreu com Getúlio Vargas, foi o que ocorreu com João Goulart.
Mas, dessa vez, há uma singularidade histórica que choca.
E quem resumiu isso muito bem foi o ex-ministro tucano Bresser–Pereira.
Disse ele: “a UDN foi um partido liberal, sempre na oposição, que, entre 1946 e 1964, tentou promover golpe contra governos legítimos. Afinal seu golpismo foi “vitorioso” em 1964… O PSDB revela-se um seu legítimo sucessor. Mas com uma diferença: enquanto a UDN nunca se associou a políticos evidentemente corruptos, é isto o que o PSDB está fazendo neste momento: aliou-se ao deputado Eduardo Cunha.”
Essa é a grande novidade histórica dessa conspiração golpista. É por isso que a presidenta afirmou que esse golpe é uma grande farsa.
Este é um golpe liderado e conduzido por políticos desonestos. É a farsa de líderes sabidamente corruptos contra a presidenta que efetivamente combate a corrupção. A presidenta que desbaratou as quadrilhas que atuavam na Petrobras e em Furnas. Quadrilhas nas quais muitos dos golpistas atuavam. Todo o mundo já sabe que um dos objetivos do golpe em gestação é abafar a Lava Jato e salvar Cunha e associados.
Em 29 de março, a revista Forbes, bíblia do capitalismo mundial, publicou artigo assinado pelo jornalista Kenneth Rapoza, no qual se afirma que, se o impeachment contra a presidenta honesta prosperar, seguramente as investigações sobre o “escândalo da Petrobras” vão parar ou esmorecer e a questão da corrupção vai sumir do noticiário. Seria “caso encerrado”, afirmou ele. Vejam a que ponto chegamos: até mesmo grandes publicações conservadoras internacionais já falam abertamente sobre a hipocrisia e o cinismo do golpe brasileiro.
De fato, este golpe lembra uma espécie de simbiose caricata de Carlos Lacerda, o moralizador hipócrita da UDN, com Adhemar de Barros, o ladrão assumido “do rouba, mas faz”.
Hoje, esse senhor que ecoa Adhemar de Barros, o ladrão assumido, que ninguém sabe se é o chefe ou o vice-chefe, negocia cargos e acena com a impunidade para aqueles que votarem no golpe, enquanto que o conspirador cínico posa, no whatsapp e na mídia, como estadista que vai salvar o Brasil.
Bom, na realidade, o que eles querem mesmo, até a Forbes já sabe, é salvar a própria pele. Salvar-se e afundar o Brasil com um plano que pretende destruir direitos e conquistas sociais e vender o pré-sal e outros patrimônios públicos na bacia das almas da crise. Um plano que jamais seria aprovado numa eleição direta e popular.
É por isso que os políticos da oposição despencam nas pesquisas, como mostra a última Datafolha, e é por isso que a comunidade internacional está perplexa e chocada.
Ninguém entende mesmo esse “mundo ao contrário”, que pretende sacrificar a democracia e uma presidenta honesta para salvar políticos desonestos e instituir uma republiqueta de bananas.
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