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O libertarianismo à brasileira

Quero começar o presente texto com uma frase do economista libertarianista Ludwig von Mises: “The state can be and has often been in the course of history the main source of mischief and disaster” (tradução livre: o Estado pode ser, e usualmente é pelo curso da história, a maior fonte de desmando e desastre). Essa frase pode bem sumarizar a ideia dessa linha filosófica de que o Estado seria a fonte dos problemas de uma nação. Feito esse breve introito, e usando essa frase como mote para o texto, passemos ao Brasil.

Um dos pontos interessantes do atual processo eleitoral foi justamente aquele que escancarou uma questão que, a despeito de bem relevante, ainda não é muito debatida, qual seja, o libertarianismo e suas propriedades em terrae brasilis. Antes de adentrar na sublimação dessa filosofia sob o crivo tupiniquim, que seria o subproduto libertarianismo à brasileira, vamos primeiro falar um pouco do libertarianismo em si.

Ora, o libertarianismo pode ser visto como uma macrovisão de mundo. Se de um lado ele claramente é uma visão filosófica sobre o papel do Estado (como facilmente vislumbrado pela frase de Mises), de outro ele é um modo de vida.

Com efeito, para o libertarianista digamos “clássico” deve ser o Estado confinado ao menor papel possível em todas as instâncias. Inclusive, vale aqui ressaltar o ponto que, para os libertarianistas, se viável para a sobrevivência da sociedade, o Estado nem deveria existir.

Para além da aversão ao Estado, a própria ideia subjacente relacionada ao libertarianismo é a consagração de uma verdadeira recusa às instituições coletivas, negando-se qualquer tipo de societalidade organizada. Nesse ponto, bom frisar que o “máximo” que um libertarianista conseguiria suportar seria a vida em pequenas comunidades, sem uma organização rígida.

Vale dizer que os libertarianistas divergem dos liberais, estes últimos que, a despeito de tentarem conter o tamanho do Estado, não propugnam seu fim, ou redução à menor potência. No entanto seria possível aplicar essa filosofia libertarianista a todas as searas do cotidiano?

Digo mais, não seria reducionista utilizar a mesma “resposta” (diminuir o Estado ou acabar com ele) para problemas tão diferentes? Seria o libertarianismo a panaceia do cidadão brasileiro que vota em Bolsonaro?

Ainda nesse ponto, durante o governo de Bolsonaro foi possível vislumbrar alguns arroubos mais focados nas ideias libertarianistas. Um deles, inclusive, tem a ver com a questão da legislação de trânsito, na qual Bolsonaro tentou a todo custo diminuir a incidência de controle estatal na “esfera de liberdade” daquele que possui um carro. Se foi bem-sucedido ou não é outra questão. Inclusive, nesse tocante, escrevi um texto no periódico Outras Palavras sobre o tema (ver aqui[1]).

O “paciente zero” do libertarianismo à brasileira ainda é desconhecido, mas podemos dizer com segurança que a base filosófica da “ideologia” bolsonarista estava em grande medida calcada nas produções textuais e audiovisuais do agora já falecido Olavo de Carvalho, famoso por mesclar a ideologia liberal com a libertariana. Um problema, inclusive, nesse ponto, é que, com a morte de Olavo ficou mais difícil de vislumbrar o novo ícone filosófico das ideias libertarianistas no Brasil.

Mas enfim, o que seria um libertarianista à brasileira? Qual seria a peculiaridade que definiria esse fenômeno? Eu diria que é o paradoxo do “querer menos Estado” e socorrer-se desse mesmo Estado para ver garantidas suas liberdades individuais, como, a guisa de exemplo, a tão bradada liberdade de expressão.

Aposto que no momento pululam em sua cabeça, caro leitor, situações nas quais algum libertarianista evocou a proteção estatal para permitir certa atitude. Como, por exemplo, a liberdade de expressão para proferir ofensas, ou a autodeterminação para não se vacinar. É de fato curioso que a base para a conduta libertarianista sejam as garantias estampadas em nossa Constituição da República, ao mesmo passo em que estes cidadãos buscam, por exemplo, a volta do regime ditatorial.

Muito cômicos, inclusive, são esses atos e manifestações pró-ditadura nos quais os integrantes usam da liberdade de expressão para pedir o fechamento do STF e a volta de um regime no qual eles mesmos não poderiam se manifestar.

Um ponto a ser considerado antes da adesão ao libertarianismo à brasileira seria, também, a indagação acerca de possuir recursos para se ver guarnecido acaso o Estado não estivesse lá para proteger os mais fracos. Com efeito, vemos, com cada vez mais frequência, uma adesão das camadas mais baixas em termos econômicos aos ideais libertarianistas, mas quais seriam as verdadeiras consequências da extirpação do Estado em um país tão desigual e miserável como o Brasil?

Talvez, em comparação com o libertarianismo pelo menos, o liberalismo fizesse mais sentido para tais pessoas, porque pelo menos haveria um Estado lá, ainda que possuidor de menor influência.

Se o libertarianista seria um tipo de ser humano que entende que as pessoas deveriam ser o mais livres possível para tomarem as próprias decisões, devendo as limitações ao seu engenho serem produzidas apenas pelo confronto entre os próprios indivíduos, teríamos, invariavelmente, que entender que a isonomia fica de lado nessa batalha ideológica.

Hobbes agora estaria se revirando no túmulo, uma vez que para ele o “homem seria o lobo do homem”, e, nesse sentido, bom seria o mundo libertarianista para aquele que é forte, uma vez que o Estado não estaria lá para reequilibrar as forças dos mais fracos em face daquelas dos mais potentes (leia-se, abastados).

Aliás, agora faço uma digressão, não por outro motivo o libertarianismo é, em sua maioria, uma ideologia apelativa para as elites, uma vez que estas seriam mais bem servidas das benesses advindas dele. Com efeito, para aqueles que possuem recursos, é bom que não haja um Estado enorme redistribuindo riquezas aos mais desafortunados.

Termino então propondo um debate a partir da seguinte pergunta: a quem serve o libertarianismo à brasileira?

Crédito da foto da página inicial: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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